Texto
Fernando Florêncio
Ilhéus-BA
Setembro/2013
Fernando Florêncio
Ilhéus-BA
Setembro/2013
Transcorria a década de 50, já no seu final, ano 1959, quando o menino foi trabalhar num estabelecimento misto de posto de gasolina, padaria e bar. O emprego arranjado pelo pai. Foi uma solução com a finalidade única de dar uma ocupação ao menino. Preocupação de pai:MENINO NA RUA, NÃO É BOM. NÃO PRESTA. Dizia o pai do menino.
Naquela época, aquela cidade não oferecia nada interessante. Oferecia sim: SER SAPATEIRO. Chamavam de lambe-sola.Termo desagradável e pejorativo.
O menino tentou aprender a arte de “bater sola”. Em vão. Depois de 3 ou 4 meses sentado defronte ao profissional (Zé de Zaqeu), o pai do menino recebeu um recado do dono da Sapataria, Sr. Duquinha, de que aquele menino não levava jeito para a profissão, até porque já estava a muito tempo tentando aprender a ser Sapateiro, e não conseguia bater uma taxa num mísero “CARITO”, era assim que chamavam as alpercatinhas para criança. Assim, o menino deixou a sapataria, até porque, estava tomando o lugar de quem realmente tinha vocação para a arte.
O Pai levou o menino para a roça, quem sabe ele tomaria gosto pela enxada ( O SERROTE, era o nome da fazendinha do pai do menino). Ledo engano. O menino, sob o sol quente do sertão, a terra ressequida, quando a enxada batia no chão, voltava com a mesma força, como se tivesse batido numa tabela das sinucas e bilhares existentes no Bar Fênix ou mesmo nas sinucas e bilhares do bar de Zuca Pinto. Junto com o retorno da enxada, subia a poeira daquele solo inóspito. .
A bem da verdade, diga-se: não tendo dado para ser sapateiro, tão pouco para trabalhar na roça, mas, em compensação, na sinuca ou nos bilhares, o menino era uma “fera”. Não tinha dinheiro para apostar, colocar na “caçapa”, mas quem apostava no “taco dele”, podia gastar por conta, porque, principalmente jogando contra “os matutos”, o ganho era líquido e certo. Ali,o menino se divertia. Era a glória.
Mas, voltando ao emprego do menino, citado no início desta crônica, no misto de bar, padaria e posto de gasolina, se fosse nos tempos atuais, este emprego seria considerado trabalho escravo, porque só tinha uma folga por ano: Às sextas-feiras da paixão. Mesmo assim, o menino se dedicou, e fez algumas intervenções no bar, que agradaram ao proprietário. Tipo assim: Aquela famosa cuspida que a turma da pinga dava no chão, depois de uma “lapada” de Serra Grande, passou a ser direcionada a um caixote cheio de areia. Novidade criada pelo menino, depois imitada pelos outros bares da cidade. Sempre tinha uma rodela de cajú para tira gosto. Cortesia da casa. Manter o balaio com os pães cobertos, para demorarem mais tempo “quentinhos” e evitar as môscas. Isto agradou muito ao proprietário. O menino imaginou que poderia até ter um aumento no salário, mas qual nada. Aquele procedimento fazia parte do bem fazer, costume que viria sempre a nortear a vida do menino.
Religiosamente, todos os dias, pouco antes do almoço, duas pessoas, como que combinado, se aproximavam do balcão do bar onde o menino trabalhava, e antes de pedir duas” lapadas” um deles observara que, sem movimento no bar, o menino sempre estava lendo alguma coisa, tipo jornal velho, revista “O Cruzeiro,” já bastante folheada, que o dono do bar trazia para embrulhar sabe-se lá o quê. Vendo que o menino lia sempre qualquer coisa que lhe caísse às mãos, um daqueles homens, então, passou a lhe abastecer com revistas de uma literatura esquisita. Versava sobre vitaminas, proteínas, aminoácidos, laxantes, xaropes e afins.
Eram revistas farmacêuticas. O homem tinha uma farmácia próximo ao bar.
Inesquecível.
Certo dia já estávamos nos primórdios da década de 60. Corria o ano de 1961.
O homem falou para o menino: “- Já que você não prestou para sapateiro, tão pouco para trabalhar na roça, mas você é muito bom para terminar seus dias neste emprego.Você merece coisa melhor. Esta cidade está muito pequena para você. Procure seu norte.”
Dias depois, o menino falou ao homem que a Marinha de Guerra, estava com inscrições abertas. O que ele achava? Aconselhou-se o menino com o homem. O homem achou ótimo. Até porque outras pessoas daquela cidade já tinham “sentado praça” na Marinha. Imagina, já existia até sargento !! Quem sabe um dia teríamos um Capitão de Longo Curso.
O homem viu dificuldades estampadas no semblante franzido do menino. Problema de dinheiro; com certeza, o homem deve ter imaginado. Tem nada não!! exclamou o homem..Quando é a inscrição? Perguntou. Já começou, respondeu o menino.
Diga na sua casa que você viaja amanhã. Fale com seu pai!!!
No dia seguinte o menino viajou, sua primeira viagem além do Quitimbú, Ingá, Maravilha Sitio dos Nunes e Rio da Barra. O menino viajaria em cima de uma carga de sacos de carvão, transportados para Recife por um Chevrolet Brasil 1958, de Joãosinho do Sabá, a quem o homem já tinha pedido para levá-lo. A cara do motorista não agradou ao menino, um galego bruto e grosso, tal qual parede de igreja. Havia lugar na boléia, mas depois do cemitério, o miserável do motorista mandou o menino subir na carga de carvão. Chegou em Caruaru, com a cor de Manoel Bidó. Preto como o carvão que lhe acomodou e serviu de companheiro mudo até Caruaru. Sentia fome.
Sorte do menino que o homem, sem que ele visse, colocou “dois cruzeiros”(ou cruzados, (uma moeda prateada e grande,) no seu bolso. Em Caruaru, o menino comeu o primeiro sanduíche da sua vida.
Nesta data, o menino feito Homem, se faz agradecido ao Homem que via longe.
JOSÉ PEREIRA BURGOS (ZÉ BURGOS), O HOMEM QUE VIA LONGE.
Por Fernando Florêncio - Ilhéus-BA
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