23 julho, 2024

[Causos] Memórias de um Banho Sertanejo. Seu Né da Rua da Várzea.

 


Texto:
Jânio Queiroz
Julho/2024
São Luís - MA


Nos anos 70, em Custódia, cidade do interior de Pernambuco, a juventude tinha uma tradição de aproveitar os dias quentes do sertão para se refrescar nos banhos de açudes e barragens afastadas da cidade.

Principalmente nas férias, quando os jovens que estudavam ou trabalhavam em Recife retornavam à cidade, esses passeios se tornavam verdadeiros eventos sociais.

A rotina era sempre a mesma: reuniam-se de manhã, preparavam um farnel simples, e invariavelmente incluíam uma garrafa de cachaça para animar o banho.

No caminho, faziam uma parada estratégica em um pé de umbu, cujos frutos azedos serviam de tira-gosto perfeito para a cachaça. Era um ritual completo, misto de aventura e camaradagem, que fortalecia os laços de amizade.

Um desses jovens era Luciano, filho de dona Rosa, conhecida como diretora de escola. Certa manhã, antes do grupo partir para o banho, Luciano lembrou-se de que ainda faltava a cachaça. Sem perder tempo, dirigiu-se à mercearia de seu Né, situada na rua da Várzea, hoje conhecida como João Veríssimo.

Ao entrar na mercearia, Luciano avistou seu Né atrás do balcão, arrumando as mercadorias. "Seu Né, o senhor tem cachaça?", perguntou ele, com o sorriso esperançoso de quem já sabia a resposta. Seu Né, um homem de poucas palavras e muito astuto, olhou de soslaio e respondeu, "Tem Pitu e Serra Grande, qual você quer?"

Luciano, sem hesitar, escolheu a Pitu. "Me venda uma garrafa de Pitu, que nós estamos indo para um banho. Quando voltar, eu busco o dinheiro em casa e pago ao senhor", disse ele, com a confiança típica da juventude.

Seu Né, cruzando os braços e balançando a cabeça, soltou uma risada e disse: "É A GENTE DIZENDO QUE NÃO TEM E ESSE PESSOAL COM DIABO DAS TEIMAS.”

Mesmo assim, entregou a garrafa para Luciano, confiando na palavra do rapaz.

Os jovens partiram, animados, para mais um dia de diversão. O banho foi um sucesso, com risadas, histórias e, claro, umbu e cachaça. No fim do dia, cumprindo a promessa, Luciano voltou à mercearia de seu Né, pagou pela cachaça e agradeceu a confiança.

Esses momentos, cheios de simplicidade e companheirismo, ficaram gravados na memória daqueles que viveram a juventude nos anos 70 em Custódia, relembrados com carinho e saudade a cada encontro da velha turma.

Apoio Cultural

21 julho, 2024

[Causos] A tranquilidade e o humor do policial João Gaguinho.


João Gaguinho
Foto: Acervo familiar



Em Custódia, uma cidade pequena onde todo mundo se conhece, existia um policial muito conhecido por sua tranquilidade, a saber, João Gaguinho. Diziam os mais velhos que ele nunca tinha prendido ninguém. Certo dia, numa segunda-feira ensolarada, o delegado local chamou o policial e ordenou que ele prendesse um matuto que tinha causado confusão na segunda-feira anterior.

O policial, com sua calma habitual, saiu em busca do matuto. Não demorou muito para encontrá-lo, vagando pela feira. Chegando perto, o policial perguntou:

— Qual é o seu nome? é Bento

— Bento, senhor. — respondeu o matuto com certo receio.

— Então, Bento, o delegado quer falar com você. Vamos lá agora. — disse o policial, com um sorriso tranquilo.

Bento, meio desconfiado mas sem alternativa, decidiu acompanhar o policial João Gaguinho. Os dois foram caminhando pela cidade até chegarem à cadeia pública. Quando estavam subindo os degraus da entrada, avistaram o delegado, que estava parado à porta, esperando.

O policial, com uma atitude que ninguém esperava, agarrou levemente o braço de Bento e, em voz alta, declarou:

— Doutor, ele não queria vir de jeito nenhum! Mas eu trouxe ele à força!

O delegado olhou surpreso, sem saber se ria ou mantinha a seriedade. A verdade é que todos sabiam que o policial era um homem de paz, e essa história se espalhou rapidamente pela cidade, virando um causo contado e recontado nas rodas de conversa por muitos anos. E assim, o policial João Gaguinho ficou ainda mais famoso, não só pela sua tranquilidade, mas pela forma singular e bem-humorada de cumprir suas ordens.

Jânio Queiroz
Julho/2024
São Luís - MA

(*) Texto autorizado por familiares.

04 julho, 2024

"A vida pode ser efêmera, mas as lembranças são eternas”.

 


Marcos, partiste para ficar juntinho dos teus familiares, seus pais, Chico Eugênio e Maria Eugênio além de seus irmãos Janoca, Nilson, Márcia e Alceu.

A vida é de uma magnitude que nos encanta e nos engana. Nós nos iludimos com a firme convicção de que somos donos dessa maravilha que é vida. E, com certeza, não somos. Criar subterfúgios para evitar o encontro com a morte é impossível.

Ela encontra e leva embora pessoas que são especiais e que amamos, deixando para traz tudo que se construiu: Sonhos, planos, projetos já não têm mais importância.

Neste domingo, trinta de junho, fui a missa como de costume. Estava concentrada em oração e aguardando a celebração começar, quando meu celular tocou. Atendi e para minha surpresa a amiga Lúcia Góis me comunicou o falecimento do nosso querido amigo, Marcos Eugênio. Ela me pediu que avisasse a toda família Pinto Simões e a Leônia, repassasse o endereço do velório. Senti um misto de tristeza e aí chorei baixinho. Ao mesmo tempo, outro sentimento invadiu meu coração, numa paz que parecia que eu tinha voltado aos anos da minha infância e adolescência. A mente  reprisou em detalhes a bonita amizade das nossas famílias.

Acredito que a Rua da Várzea à época foi "territorizada" pela criançada e ainda poderia ter recebido o título de "Crianças  Varzenses".

Na história desse espaço que vivíamos, as nossas famílias tinham uma conexão e uma empatia, o que justificava a participação mútua em momentos de dificuldades e de alegrias.

As brincadeiras eram convidativas e acolhedoras  para crianças que vinham de outras ruas para brincar. As brincadeiras eram de se esbaldar nas noites de lua cheia, cujo brilho nos acompanhava por longas e divertidas horas.

Quando não tinha lua, as brincadeiras duravam só até a luz piscar três vezes, dando sinal que ia apagar. Nessa época, a eletricidade era suprida por um gerador que era instalado também na Rua da Várzea e garantia iluminação até às 22h.

"As lembranças são pétalas que nunca murcham no terreno fértil da memória".

A Rua da Várzea foi palco das mais sinceras e ingênuas brincadeiras de meninos e meninas.

Brincávamos de amarelinha,  carrinho de rolimã, feitos por meu irmão, Nano.

Ainda brincávamos de pião, pipa, passa anel, de roda, esconde-esconde e de bola, que sempre foi e é um dos brinquedos mais atrativos da criançada.

Muito, mas muito diferente de hoje, os brinquedos não eram tão complexos. As crianças atualmente brincam com tecnologia com tanta propriedade que nos surpreende.

A nossa convivência de vizinho/irmão era harmoniosa. Senti saudades boas daquela época e lembrei de uma infância e de uma adolescência que marcou a sua vida, Marcos, e também dos seus irmãos. Da mesma forma, ficou registrada na vida dos meus três irmãos Azinha, Nano, Lucinha e Luciene. Meus outros irmãos eram pequenos: Lélia, Leonildo, Leônia e Hugo. Esse exemplo de amizade sincera merece ser seguido como exemplo pelos dois ciclos, infância e adolescência, bem vividos.

Somando a tantas recordações, lembrei dos nossos pais Sr. Chico e madrinha Maria, Mestre Lunga (papai) e Lindalva (mamãe), além dos queridos vizinhos que faziam parte da roda de histórias e estórias bem  contadas. As conversas se prolongavam até tarde da noite.
 
"As memórias são a herança preciosa dos que se foram".

E num instante, volto meu olhar para a porta central da Matriz de São José e vi o turíbulo soltando a fumaça que subia aos céus, levando as preces feitas pelos paroquianos e por mim, que pedi a misericórdia de Deus para que volvesse seu olhar sobre nosso amigo, Marcos Eugênio em sua ida rumo à Casa Celestial. E que esse brilho contemple seu irmão Pedro Eugênio, sua esposa, seus filhos, sobrinhos e familiares que aqui ficaram.
 

Descansa em paz, Marcos!

Abraços de paz a todos enlutados.

Família Pinto Simões.
Custódia, julho, 2024.
Lindinalva (Nenê).