28 julho, 2020

O Anjo da Guarda


                                                                 
Texto
Jorge Remígio
João Pessoa-PB
Julho/2020
       

Isso ocorreu no ano de 1972. A minha irmã Eliane andava muito aflita, pois entre as amiguinhas do seu convívio de criança de nove anos, tinha uma menina por nome de Soraya que quase sempre lhe batia. Eu lembro perfeitamente dela. Devia ter a mesma idade da minha irmã, porém, era de compleição forte, era morena com cabelos preto e escorridos. Era filha do Delegado de Polícia do município e residia na última casa à direita no final da ladeira da Várzea. Era relativamente próximo da minha casa que ficava na parte de cima, ao lado da igreja. Acho mesmo que as amigas de Soraya só se submetiam a ela, sem sombra de dúvidas, devido a sua bicicleta Caloi. Muito usada e sem manutenção, mais era uma bicicleta. Não era comum as crianças possuírem um bem lúdico dessa magnitude. Era quase equivalente a uma bola de couro para os meninos nos anos sessenta. Todas adoravam pedalar, nem que fosse só por alguns minutos. Isso, claro, se Soraya estivesse de bom humor. Não foi uma, nem duas, foram várias vezes que ela com a sua benevolência, ajudando as amiguinhas a aprender a pedalar na sua bicicleta Caloi, empurrou as aprendizes de ladeira abaixo sem se preocupar nem um pouco com o resultado catastrófico que poderia ocorrer. Tem um dado importante e necessário explicar. A bicicleta não tinha freios, isso mesmo, o perigo era iminente, pois se parava com os pés no chão. E vez por outra, tome tapa em Eliane, a qual já não suportava mais aquela situação constrangedora. 

Em Sertânia, na Rua Benjamim Constant n° 66, a minha tia Jandira acabava de arrumar a bagagem da filha Dione. Iria passar uns dias das suas férias escolares na casa da tia Ozanira em Custódia. 

-João, leva sua irmã até o Posto de Lacerda, o misto de Deusinho deve estar de saída para Custódia

- Realmente, o transporte já estava de partida. Dione acomodada, seguem viagem e apesar de várias paradas para descida de passageiros, chega na casa da tia antes do almoço. Dione ao passar da primeira sala e entrar no corredor, Eliane a fitou com surpresa e muita alegria e naquele mesmo momento teve um “insight”. 

Foi instantâneo e pensou “O meu anjo da guarda chegou e meus problemas agora serão resolvidos”. 

Na verdade, não eram os problemas, era o problema. Depois dos abraços e beijinhos nos familiares, Eliane chamou Dione para uma conversa particular e narrou o drama que estava passando. Dione ouviu tudo muito concentrada e já indignada falou. 

-Vamos resolver isso agora! 

- Eliane ainda ponderou, achando mais conveniente após o almoço, mas Dione estava determinada. 

-Que nada! vamos é almoçar essa menina agora

- Eliane sentiu firmeza na prima, mesmo porque era três anos mais velha. Era grande. Desceram a ladeira e verificaram nas proximidades fazendo uma varredura e nada de Soraya. Retornaram, mas ficou estabelecido por Dione que daquela tarde não passaria. 

Por voltas das 16:00 horas, encontraram Soraya pedalando na sua Caloi na Rua Tenente Moura, na entrada do beco da difusora. Dione aproximou-se e querendo causar logo um impacto, foi incisiva e gritou 

-Parai! 

- A outra parou a bicicleta, apoiou um pé no calçamento e em seguida perguntou. 

-Diga! 

-Eu soube que você anda batendo na minha prima? 

-Ando, sim 

Dione viu naquele momento que a parada não seria tão fácil e simples como havia imaginado. Eliane ali, estática, porém com a maior confiança do mundo. Tinha certeza que o seu anjo da guarda daria um jeito na sua situação. Dione foi para o tudo ou nada. 

-Pois se você é corajosa, bata nela agora que eu quero ver

- Soraya soltou a bicicleta no chão e em seguida esbofeteou a cara de Eliane. 

Dione tremendo de raiva, gritou: 

-Ou menina! Tu não tens noção do perigo que está correndo não, é? Bata novamente nela, se és mulher. 

Soraya não deu um tapa. Deu dois, um em cada face de Eliane que continuava paradinha, sem sair do lugar, nesse momento, Dione olhou para prima com um olhar compadecido e falou. 

-Eliane, vamos embora, senão essa menina vai te matar! 

Subiram a ladeira e foram para casa. 

Fotos. 

A turminha. 



Dione Vital (1960-2002) O anjo da guarda. Nos deixou prematuramente em 19/01/2002) próximo de completar 42 anos.


Eliane Remígio (1963) a vítima. 
Mora em Recife 
e acha muita graça dessas histórias da infância. 


Soraya, a filha do Delegado. 
Não sei o paradeiro dela. 
Mas seria interessante saber. 





Jorge Remígio 

João Pessoa, julho de 2020


6 comentários:

  1. Kkkkk
    Agora a gente rir, mas eu também senti na pele alguns tapas de Soraya, que além da bicicleta se achava poderosa em ser filha do delegado, e também aprendi a guiar bicicleta desse jeitinho, no empurrão ladeira abaixo,rsrs
    Mas também fiquei craque na bicicleta,rsrs

    ResponderExcluir
  2. Narrativa bem explicativa,botou uma pitada de tragicomédia...

    ResponderExcluir
  3. Oh Jesus 😅
    Jorge, eu ri demais... esperei tanto por a pisa que Soraia ia levar de Dione kkkkk
    Mas foi muito engraçado sua narração, até parece que eu estava junto, na história.
    Tadinha de Eliane!
    Lembro muito dessa Soraya. Mas não fazia parte da minha turma.
    Quanto à posso ir uma bicicleta, ah! Era meu sonho de consumo. Como eu desejava ter uma. Mas também, todo trocado que ganhava, guardava pra ir lá em seu Manoel das bicicletas, lá na Bomba. Alugava por minutos, só dava tempo de arrodear a praça ... Aí o tempo se esgotava!
    Mas valeu!
    Tudo que vivi e pelo que ora li.
    Muito bom seu texto!
    Parabéns!

    ResponderExcluir
  4. Oh Jesus 😅
    Jorge, eu ri demais... esperei tanto por a pisa que Soraia ia levar de Dione kkkkk
    Mas foi muito engraçado sua narração, até parece que eu estava junto, na história.
    Tadinha de Eliane!
    Lembro muito dessa Soraya. Mas não fazia parte da minha turma.
    Quanto à posso ir uma bicicleta, ah! Era meu sonho de consumo. Como eu desejava ter uma. Mas também, todo trocado que ganhava, guardava pra ir lá em seu Manoel das bicicletas, lá na Bomba. Alugava por minutos, só dava tempo de arrodear a praça ... Aí o tempo se esgotava!
    Mas valeu!
    Tudo que vivi e pelo que ora li.
    Muito bom seu texto!
    Parabéns!

    ResponderExcluir
  5. Já estou esperando a próxima história.
    Bom demais,delícia esses textos.

    ResponderExcluir