Ele não é formado em medicina, não sabe ler nem escrever e, mesmo assim, conquistou o respeito de vários profissionais da saúde e de outras áreas por seu trabalho. Doutor Valentim, como é conhecido, atua como médico espiritual e, ao longo do tempo, ficou famoso pelos casos de cura relatados por pacientes.
O homem chega conduzido na cadeira de rodas. Aparenta mais de 60 anos. Traz no rosto o olhar vago de quem há muito espera a dor passar. Sofre de esclerose múltipla. Rodou o mundo em busca da cura. Não conseguiu. Foi parar no Gama, com intuito de conhecer o doutor Valentim, a quem todos chamam de “médico espiritual”.
Valentim aproxima-se discretamente, calado, como de hábito. Veste jaleco branco, calça de moletom cinza e boné verde-escuro. O sorriso é tímido. O olhar, pacificador. No pescoço, traz um estetoscópio. Nas mãos, uma tesoura longa e fina. “Venha até aqui”, diz, imperativo.
O senhor debilitado, com grande esforço, levanta-se e dá dois passos curtos em direção àquele que crê ser seu salvador. Cansado, cai sentado novamente. Ensaia um sorriso. Há décadas ele não se movia, segundo familiares. O médium passa uma tesoura pelo corpo do paciente e emite sons indecifráveis. No fim, oferece a ele uma rosa branca.
Em seguida, o homem na cadeira vai embora. O encontro com Valentim é rápido. Menos de um minuto. Mas dura o suficiente para quem o procura sair renovado dali. Não há nada que comprove os poderes de Valentim Ribeiro de Souza, 70 anos. A não ser a fé e os milhares de relatos de cura dos pacientes. São mais de 5 mil atendimentos, todos os meses.
Somente na última quarta-feira, aproximadamente 600 pessoas procuraram o mentor espiritual. Antes das 7h, às segundas, às quartas-feiras e aos sábados, principalmente, é sempre assim. Ao entrar no Recinto de Caridade Bezerra de Menezes, a primeira visão que se tem é a de homens, mulheres e crianças aglomerados em filas. Há gente de todas as idades, crenças e bolsos. Idosos, jovens, padres, pastores, médicos, engenheiros, professores, donas de casa, milionários e mendigos. Famosos e anônimos, iguais no sofrimento. Todos atraídos até ali com o mesmo objetivo: o de receber as bênçãos.
Organização
Formam-se várias filas. A primeira é para portadores de câncer, esclerose, fibromialgia e outras doenças graves. Na outra, ficam aqueles que serão atendidos pela primeira vez. Há ainda a das crianças e a dos retornos, ou seja, de quem voltou para retirar os pontos da cirurgia espiritual. A operação do doutor Valentim não tem cortes. Ele “opera” os doentes passando a tesoura no corpo, faz riscos de leve, usa algodão, iodo e álcool. E os pacientes não sentem dor.
Quem se consulta deve seguir algumas restrições alimentares, como não comer carne de porco, pimenta ou ingerir bebida alcoólica. Doutor Valentim não vende nem receita remédios, mas não dispensa o acompanhamento da “medicina terrestre”: os dois tratamentos, espiritual e terreno, segundo ele, devem ser feitos juntos.
“Quem cura é Deus. A fé das pessoas ajuda muito”, afirma o homem de poucas palavras. O médium incorpora mais de 60 entidades. O doutor Aguiar, por exemplo, era um médico italiano, que morreu na guerra, prestando serviços para a Cruz Vermelha. É ele quem dá as ordens no atendimento aos doentes de câncer.
Quando o problema é nos olhos, Valentim chama o doutor Capilé Siqueira Campos, morto em um acidente de carro e cego. Quando é o espírito de Capilé quem opera, Valentim, o instrumento, assume uma feição diferente, com olhos miúdos, e muda de voz. Nesse momento, precisa ainda mais da ajuda de seu braço direito, a médica Cherifa Mohamed, 51 anos, moradora do Park Way.
Há 16 anos, ela, que é cirurgiã plástica, procurou o doutor Valentim em busca da cura para uma depressão profunda. Teve a ajuda que esperava e nunca mais deixou de auxiliá-lo. É Cherifa quem comanda as “sessões de rádio e quimioterapia”, que, diferentemente das realizadas em hospitais, ali se processa sem uso de medicamentos.
A fé
Grande parte dos pacientes de doutor Valentim é formada por médicos, como o pediatra Carlos Eduardo Mendes Gomes, 36 anos. Ele sofria com fortes dores, por conta de uma pedra na vesícula. Nada o curava. “Foi doutor Valentim quem acabou com minhas dores. Acredito que existe algo acima de nós. Algo maior, entre o céu e a terra”, afirmou.
Os motivos para procurar socorro são diversos. Vão de tristeza incurável a câncer terminal. Muita gente garante ter sido salva da morte ali, depois de receber vários pareceres desanimadores de médicos comuns. “Eu tinha câncer de próstata. Valentim me disse: ‘Não opere agora. Antes, eu vou queimar o tumor’. Fiz o tratamento, repeti os exames e nem precisei operar”, relatou o funcionário público aposentado Laerte Correa Marques, 71 anos, morador da Asa Sul.
Além dos adeptos da doutrina espírita, católicos, evangélicos e seguidores de muitas outras religiões rendem-se à fama de doutor Valentim. Na última quarta, um padre estava entre a multidão, em busca de ajuda para problemas na coluna. “É um espaço ecumênico. Aqui é o hospital da cura”, explicou Cherifa.
O maestro Alcinelli Martins, 70 anos, morador do Lago Sul, diz ter sido curado de um câncer na bexiga, fato comprovado, segundo ele, por médicos. “Doutor Valentim me autorizou a fazer a cirurgia, mas quando os médicos me abriram, meu tumor havia sumido”, relatou. Há também muitos voluntários para ajudar Valentim a organizar o atendimento. Todos eles já foram pacientes e trabalham para agradecer.
Há 45 anos em Brasília, o médium, famoso no mundo inteiro, recebe diariamente visitas de estrangeiros. Atende das 7h às 11h. Não cobra nada de quem o procura. O pagamento é levar até ali mais alguém com problemas ou praticar, também, atos de caridade.
“Quem cura é Deus. A fé das pessoas ajuda muito” (Doutor Valentim, médium que incorpora entidades ligadas ao trabalho da medicina).
“Foi Valentim quem acabou com minhas dores. Acredito que existe algo acima de nós”
Nascido em 25 de junho de 1940, em Custódia, Pernambuco, Valentim é o sexto filho de uma família de nove irmãos. A mãe faleceu quando ele tinha 8 anos. A família mudou-se para Montes Claros (MG), em meados de 1950. Foi lá que Valentim descobriu a vocação.
Antes de completar 18 anos, ficou paralítico. Perdeu também a visão. “Ninguém nunca explicou o porquê”, disse o doutor dos espíritos. Curou-se tempos depois, após receber a visita de dois homens misteriosos — segundo ele, os espíritos de dois médicos mortos: Bezerra de Menezes e Aguiar Freitas.
Na infância, relata, já recebia visitas de espíritos. Sempre traziam a mensagem de que era preciso “seguir a missão de fazer curas”. A primeira delas teria sido para a hanseníase de uma garota da região. Valentim tentou ignorar o destino algumas vezes.
Arrumou emprego no campo. Diz que voltou a ficar sem andar ou a enxergar depois disso. Virou pedinte nas ruas de Montes Claros.
Certo dia, debaixo de uma mangueira, pediu para morrer. “Senti duas pessoas se aproximando. Ouvi barulho de tesoura. Eles deixaram uma receita. No outro dia, uma mulher passava e leu pra mim: precisava de sumo de arruda e leite materno pingado no olho.” A mulher providenciou o remédio. Dias depois, Valentim diz ter voltado a enxergar e, em seguida, a andar.
Em 1965, Valentim mudou-se para Brasília. Tentou ser funcionário de uma revenda de gás. Voltou a adoecer. Recebeu novamente a visita dos dois médicos e entendeu, então, que deveria se dedicar exclusivamente às curas. “Sem cobrar nada de quem me procurasse”, ressalta.
Dos espíritos, além da cura para a cegueira e a paralisia, afirma ter ganho a tesoura que usa ainda hoje. Valentim instalou-se em várias quadras do Gama antes de fixar residência no local onde vive, atualmente. Enfrentou uma população revoltada, que o acusava de ser falso médico e o ameaçou com pedaços de pau e pedra.
A fama de poderoso, porém, foi mais forte e atrai milhares ainda hoje. Valentim vive de doações da comunidade. Mora no Recinto de Caridade Bezerra de Menezes, ao lado da mulher, Maria, com quem teve três filhas: Eliane, Elaine e Andréia.
O médium é avô de uma menina. Não acumula riquezas. Também não sabe explicar de onde vem seu poder. “Nem meu pai sabia. Ele sempre dizia: ‘Valentim, você é esquisito’. Ninguém sabe quem eu sou e nunca vão saber.”
Fonte: Correio Braziliense
Postado originalmente no site: Idade Certa
Enviado por José Soares de Melo