por
José Melo
Recife-PE
Janeiro/2013
EM TEMPO: Esse causo foi redigida no dia 29 de setembro de 1980, há quase quarenta anos atrás. Seu tema é baseado em fato trágico, real, ocorrido durante uma das piores secas que Custódia já viveu. Eu estava na região do sítio Mataverde, não recordo a serviço de que, quando chegou a notícia de que um trabalhador rural havia cometido o suicídio, ateando fogo em si próprio. Procurei me inteirar dos fatos e, profundamente chocado com tal desfecho, elaborei esse texto, resgatado agora, justamente quando Custódia vive mais uma vez o drama da estiagem. Decorrido tanto tempo, graças a gentileza do Carlos Lopes que me presenteou com um exemplar do Micro-Jornal “Custódia Hoje”, que publicou aquele texto na sua primeira edição, republicamos essa crônica com o mesmo sentimento de trinta anos atrás: profundo sentimento de impotência ante tão grave situação.
Manoel não dormira durante toda a noite. E aquele alvorecer o encontrou sentado no tosco banquinho frente a casa, com a cabeça pendida, o queixo apoiado em uma das mãos, rabiscando o chão com um graveto.
O sol, aquele malvado que tudo devora, e que renasce indiferente a tudo todos os dias, nessa manhã parecia mais faminto por ceifar mais vidas. E Manoel temia que agora a vítima poderia muito bem ser ele. Sim, pois o inclemente sol que devora rios, barreiros e cacimbas, devora também vidas humanas.
Manoel recorda o trabalho árduo, a canseira que sentiu para tocar seu pequeno roçado, a custo de muito suor e sacrifício. Recorda a alegria que sentiu ao verificar, nos primeiros dias de março, o verdadeiro milagre da natureza, com toda a sua lavoura nascida viçosa e cheia de vida. Recorda também a incerteza de que aquela lavoura poderia resistir ao inclemente sol que assolara a região.
Com um suspira, Manoel se levanta e vai até a porteira que dá acesso ao pequeno roçado. Tudo queimado pela sanha do famigerado sol. Nada verde, nada vivo. Volta ao casebre. Escuta o choramingar do pequeno Joaquim, que sem ter o que comer, reclama a seu modo, a necessidade de ter algo para o estômago. Escuta Zefa chorar baixinho lastimando-se da vida. E impotente, sente um nó na garganta, ao observar os outrora traquinos filhos, cabisbaixos, sentados no chão como que a esperar o milagre do pão.
Manoel não se contém. Vai pedir ajuda ao vizinho. No entanto, ao chegar a casa do vizinho, desiste de pedir ajuda: a situação é idêntica à dele.
O dia passa sem alterações. Tudo na mesma, isto é, de mal a pior. Manoel não retornara, e Zefa preocupada manda os filhos em busca do pai. Ninguém o vira. Ninguém sabe, ninguém viu.
De repente, já ao anoitecer, um clarão ilumina pra as bandas da roça de Manoel. Vizinhos correm, para ajudar, na certeza de que se trata de mais um incêndio de cercas. Não era.O fogo provinha de um amontoado de galhos e folhas que ardiam crepitando. Ao apagar aquele princípio de incêndio, verificaram, horrorizados, o corpo de Manoel. Versões surgiram as mais variadas. No entanto, a que prevaleceu foi a de que Manoel, que já tivera manifestações de fraqueza mental, enlouquecera de repente e resolvera acabar com a própria vida, pois, segundo os entendidos, Manoel não teria outros motivos para aquele ato extremo. Será verdade, Seria tolerável a qualquer humano acompanhar a morte lenta de seus filhos, pela inanição? Ou seria Manoel apenas mais um louco, dentre tantos que existem pelos sertões? Paira a dúvida
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