04 outubro, 2021

Sobre o livro ¨Dedos de prosa¨ - Por: Jussara Burgos

  
 
Dizem que um livro é uma casa de ouro. Tive a grata satisfação ser presenteada com o ouro do meu amigo Carlinhos de Zé das máquinas, era assim que Carlos Lopes era conhecido na nossa Custódia. “Dedos de prosa” afloraram doces lembranças, vivas nas gavetas de minha memoria. Senti a mesma sensação quando um monomotor singrava o espaço aéreo de Custódia, era um alvoroço, o povo sai de dentro das casas para olhar o céu, a meninada corria e gritava. As meninas não tinham a mesma liberdade dos meninos de correr até o campo de Pouso, ficávamos sempre na barra da saia de nossas mães sob olhar vigilante das mesmas. Oportunidades como essas de reviver meu universo são valiosas. Vivíamos numa época sem televisão. Lembro-me que o grande acontecimento era assistir filmes nos finais de semanas no cinema do pai de Carlinhos.

Havia um trato, o filme só começava depois da missa. O bom cristão tinha que assistir a missa toda semana. Minha mãe católica convicta levava sua prole à igreja depois da missa passávamos correndo na farmácia para nosso pai nos dar o dinheiro dos ingressos e íamos ao cinema com o coração saindo pela boca. Quem chegasse primeiro pegava os melhores assentos. Era emocionante ficar esperando o Leão da Metro Goldwyn Mayer abrir a boca anunciando que a película ia começar. Uma ocasião o padre se estendeu muito na homília e nos avisos. Estávamos ansiosos para irmos ao cinema ver um clássico da sétima arte: Bonanza. Meu irmão Marcelo ficou impaciente, pois não queria perder nenhum pedacinho do filme. Finalmente quando o padre falou: Vão em paz e que o Senhor os acompanhem. Meu irmão gritou em alto e bom tom: AMÉM. Diante daquela insubordinação nossa mãe ficou brava e não deixou que ele fosse ao cinema. Ele foi para casa chorando na maior frustração. Por causa dessa e outras ele se tornou ateu.

Lembro-me do filme polêmico que foi apreendido pelas autoridades. O comentário da cidade no dia seguinte era que após o filme os marmanjos fizeram fila na Rua do Sipitinga, a procura das meretrizes.

Sempre digo que a poesia não existe apenas em versos. Vejo fotos e gravuras que considero poemas visuais. Na hora que vi a capa do livro fiquei encantada com a cena. Gostei de saber que aquela menininha da gravura é minha amiga Das Neves, irmã de Carlinhos. Também gostei de ver a gravura de dona Celeste, aquele sorriso eu conheço bem. Ele me acolhia quando eu ia à casa de dona Celeste estudar com Nevinha. Parabenizo o artista Edmar Sales pelo belo trabalho e a você Carlinhos pela gentileza de compartilhar comigo suas boas prosas.
 
Um abraço da sua irmã sertaneja, Jussara Burgos.
 

Helena Jussara Pereira Burgos Monteiro
Luziânia/GO
Março/2013


Publicado no Blog: Gândavos

Um comentário:

  1. O depoimento de Jussara Burgos que é lindo e sensível emociona a quem ler, sobretudo aqueles que viveram a década de setenta, aí em Custódia. Ela retrata com fluidez momentos vivida não só por ela e sim pelos habitantes da cidade, quando pouco havia de entretenimento. São relatos intimistas, envolventes e simples até demais. E é basicamente de coisas simples que a vida é constituída. Obrigado Jussara Burgos.

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