05 outubro, 2021

Livro Foi Assim II - Por Laíse Rezende


   Texto
Laíse Pires
Recife/PE
Janeiro/2014


As diversas vias que a vida traça são imprevisíveis, insondáveis, imponderáveis. Por isso é que a vida é surpreendente. E porque cada um de nós tem guardada uma certa reserva afetiva, de vez em quando ela é ativada no percurso de um desses caminhos que compõem nosso trajeto singular. Como a minha reserva é inesgotável, foi assim, por uma dessas inesperadas vias, que re-encontrei Fernando. No meu registro de infância, dele eu tinha gravada em mim uma nítida imagem de menino astuto, vivo, incansavelmente ocupado com travessuras e aventuras, esbanjando energia, com um largo e generoso sorriso e, a favorecê-lo, a espontaneidade, a doçura e o afeto – traços marcantes da criança que identificam, definem e traçam o perfil do adulto de hoje. 

São vias e veredas abertas por onde transitamos, numa viagem mágica e fascinante, que nos conduzem a dimensões do nosso passado e à emoção de recompor lembranças de pessoas, lugares, espaços, momentos, gostos e cheiros que não esquecemos nunca e marcam o ontem de cada um. O de Fernando é rico, porque sua feliz memória copiou passo a passo e teceu fio a fio o que viveu. No exercício de equilibrista, a oscilação própria do humano entre o prazer e a dor, o sim e o não, a chegada e a partida, o ganho e a perda, o avanço e o recuo, a coragem e o medo. Mas não é isso que faz a diferença e dá sentido à vida? 

Tendo esse pano de fundo, da costura dos fios de fiéis lembranças é que brotam tão verdadeiras e tão bonitas as histórias e os “causos” que Fernando conta aqui. E ele se coloca inteiro e livre em cada palavra, em cada frase, em cada história - sem amarras, sem limites, sem censura. Penso que é por essa face genuína que a narração dele encanta, enleva, seduz, emociona e faz o leitor viver com ele o que ele escreve. Foi assim que não li - vivi esses dois livros de Fernando. Transitei do primeiro pro segundo, emendando um no outro e me deixando levar de volta a momentos, lugares e pessoas guardados num tempo que só volta na mágica dos registros detalhados desse menino danado que virou escritor. 

Ele experimenta a vida em todos os seus contornos e conta cada fato e cada história, girando em torno da sua, com a naturalidade de quem está falando. E essa característica, presente em cada página, certamente tem o efeito de envolver o nosso sentido na sua trama, que é como uma conversa, ao mesmo tempo densa e amena, forte e suave, privada e pública. O desenho do cotidiano ganha beleza numa linguagem limpa, leve, livre e solta. 

Fernando dá um mergulho profundo na sua história e tece, com coragem e sem reservas, os pontos que a vida exigiu, para construir o que construiu, para conquistar o que conquistou, para viver o que viveu. Da infância em Custódia, uma referência entranhada na sua história e no seu coração, à passagem por tantos e tão diferentes lugares, desbravando rotas e caminhos, desmontando armadilhas da vida e conquistando o espaço que definiu, fez-se homem e chegou onde quis chegar - e se tornou o que quis ser. E assim voltou a Custódia, convocando os que dela se afastaram, por tantas e diferentes razões, a também lá voltarem para uma celebração de amor e reverência à terra-mãe. 

A coragem, a força e a verdade, construindo o verbo, permeiam os passos de sua vida. E cada etapa ele enfrenta com vigor. E cada curva, cada esquina, cada dor, cada surpresa, cada encontro ou desencontro, com a naturalidade de quem aprendeu vivendo, de quem lida com a realidade – não briga com ela. De quem não discute com a vida – vive. 

Essa coisa viva que pulsa neste livro é a sabedoria de quem não se preocupa com aparências, de quem não inventa uma história para dela ser herói, de quem não seleciona para ser mais ou maior – mas de quem tem a medida exata de si mesmo, a coragem e a serenidade de ser e a suavidade de revelar-se inteiro. 

Nessa revelação, alguns pontos merecem destaque porque permeiam o tempo e a vida que Fernando conta: o afeto e o significado da família como referência primeira e primordial na construção da vida compartilhada com o outro, o amor pelo trabalho e a valorização dele como sentido e suporte da vida, o desejo, a determinação e o esforço para superar adversidades e barreiras e a reverência, o afeto e o respeito a quem teve a grandeza e a generosidade da acolhida – Dona Laura e Seu Zé Daniel. 

Bom é que a narrativa não se esgota na história de Fernando – vai além dos limites do pessoal. Ele rompe essa barreira, amplia o que conta e alcança personagens que compõem a cena histórica da época, num matiz onde se insere, recompondo fatos importantes e tecendo uma teia de informações que trazem de volta fragmentos de um período sombrio da nossa história. 

Foi Assim: deixei os detalhes para o leitor ler, viver e se surpreender – como li, vivi e me surpreendi. E eu só sei contar que o livro me seduziu, a história me encantou e a palavra me prendeu na verdade que se fez verbo – e o verbo expôs a vida e a vida se derramou inteira nestas páginas vivas que Fernando escreveu. 

Laíse Rezende

Um comentário:

  1. Laise, sempre menina, brinca com as palavras com a simplicidade de quem lambe um chicabom.
    Obrigado Laise. Será que mereço tanto?
    Fernando Florêncio
    Ilhéus\Ba

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