28 outubro, 2021

[Traços e Retraços] Festa de São José da Paróquia de Custódia, nos idos de 1935 a 1945 - por José Carneiro




Antes de entrar no tema a que ora me proponho, contrariando meu modo de ser, confesso que não resisti à tentação de mostrar um pouco do muito que a festa representava para mim. Ela fazia parte da minha vida e foi um dos mais importantes capítulos de minha história, motivo pelo qual dela falo com emoção, por que assistia aos acontecimentos com o maior entusiasmo. Sempre estive ligado à paróquia de Custódia e a tudo que lhe dizia respeito. Posto que, passando toda infância e boa parte da adolescência em Custódia, onde fui batizado, crismado, catequizado, tendo cursado o primário e feito a primeira comunhão, nela plasmei minha personalidade e temperei meu caráter. Como acólito do Pe. Duarte, ajudava a missa em latim e com ele convivend o tive oportunidade de usufruir bastante de seus múltiplos talentos, o que muito contribuiu na minha formação religiosa, dando-me a certeza de que Deus é o princípio e o fim de todas as coisas. Daí não entender o homem sem espírito religioso, sem uma vida voltada para o alto e pautada nos ensinamentos cristãos. Dizia com sabedoria Mons.Thiamét Tót:” A ciência da inteligência sem a bondade do coração é um entorpecente que aliviando mata”. Deus seja louvado!

A Festa de São José, padroeiro de Custódia, era o maior acontecimento do Município. A cidade se transformava, ganhando foro de cidade grande. A meu ver, salvo melhor juízo, as festividades mais marcantes foram as daquela era. Relembro com ternura de tudo que acontecia naqueles já longínquos anos, a ponto de sentir o marejar dos olhos e o estremecer do coração. Quanta saudade! Como seria bom se o tempo parasse ou voltasse. Mas ele, na sua incessante marcha, não faz uma coisa nem outra e nós padecemos muito com isso. Sem alternativa, só nos resta caminhar com ele.

Naqueles dias a cidade mudava como num passe de mágica. Já não era Custódia, mas um reino encantado cheio de enfeites e entretenimentos. Bandeirinhas de papel farfalhando ao vento nos becos e ruas. Barracas de palha de coqueiro catolé por toda parte, oferecendo iguarias próprias da gastronomia sertaneja, sobressaindo a palhoça de Botinha, um preto velho, baixo, franzino, muito alegre, bonachão e querido das crianças, com diversidade de quitutes, com destaque para os ponches de capilé e jinjibirra, a especialidade da casa e de fama regional. Um parque de diversão para a alegria da meninada, composto, entre outras distrações, de carrossel, canoas , onda, sombrinhas e até roda gigante, afora a casa de farinha, a casa mal-assombrada, a moç a que virou cobra e outras atrações. Havia, também, o espaço reservado à jogatina, com bancas de jogos de dados, bacará, esplandim, víspora, rifa e, notadamente, a grande roleta, vistosa, com o desenho de todos os animais do jogo do bicho, a banca mais frequentada pelos aficionados do mais danoso dos vícios.

Eram nove dias de festa. Ao alvorecer, por volta das cinco horas da matina, a cidade acordava sob estampidos de bombas, espocar de foguetões e toques de pife da zabumba de Zé Biá, um patrimônio da terra, cena que se repetia ao meio dia e na hora do ângelus. À noite, a novena – o ponto alto dos festejos!

Os noiteiros, escolhidos entre famílias, comerciantes, industriais, fazendeiros e categorias outras, empenhavam-se em apresentar o melhor, numa verdadeira competição católica, apostólica, custodiense, mas, numa batalha sadia e evangelizadora.

Assim é que, na parte religiosa, cada um cuidava de arranjar com capricho a igreja, em particular o altar, propiciando aos fiéis bonitos cânticos, a cargo do orfeão composto por Neuza, Genedite, Dulcília, Neuma e José Florêncio, Maria Emília, Noeme Sá e Genésia de seu Mariano, entre outros. Até hoje não tenho notícia de melhor coro. Após a novena, a parte profana, não menos competitiva, consistia, basicamente, de apresentação pirotécnica, com fogos de vista, girândolas, balões, pistolas, foguetões e, sobretudo, rodas de arte. Cada noite com novidade.Todos os anos, para confirmar o sucesso, vinha de Pesqueira o fogueteiro João de Barros, de grata memória. Não fosse o fumaceiro que me perturbava os olhos e a garganta, e eu diria que se constituía no maior espetáculo a que assisti na vida. Em seguida, movimentado leilão, com prendas ofertada s pelo povo e pelo mesmo povo arrematadas, cujo resultado financeiro era revertido à igreja. Mas, do que mais me lembro é da figura simpática e bondosa de seu Floriano Pinto, o eterno leiloeiro das festas de São José. Muito alegre, brincalhão e criativo, seu Floriano, quando sorria seus olhos de tão miúdos se fechavam completamente, lembrando Papai Noel. Tudo que dizia era engraçado e provocava riso geral. Recordo o velho pregoeiro com admiração e respeito. O leilão terminava com um inflamado discurso de Catonho Florêncio.

Enfim, 19 de março! Apoteótico encerramento da festa de São José.

De manhãzinha, cinco horas, além do costumeiro foguetório, Custódia despertava ao som de dobrados da banda musical de Vila Bela, hoje Serra Talhada, desfilando pelas principais ruas da cidade. Ao meio dia, bombas, foguetões e zabumba. Por volta das quatro horas da tarde, a procissão! Muita gente, quase todo povo de Custódia, além dos visitantes, em fila, contrita e caminhando silenciosamente, ora rezando ora cantando, percorrendo muitas ruas da cidade. Na frente o andor de São José, ladeado pelas alas das Filhas de Maria e das Zeladoras do Sagrado Coração de Jesus, todas de véu à cabeça e terço na mão e, curiosamente, muitas mulheres descalças. Os homens, na maioria, de paletó. De quando em quando estouros de fogos e música sacra da banda. Nas janelas, por onde passava o cortejo, jarros de flores nas janelas sobre colchas rendadas. Caminhando, na dianteira do andor, o Padre Antônio Duarte, a alma das festas de São José nos mais de dez anos como vigário da paróquia.

Por derradeiro, o povo concentrado em frente da Igreja Matriz, o ato mais solene de toda liturgia católica, a celebração da Santa Missa, com o celebrante concluindo a homilia dando viva a São José e os fiéis uníssonos respondendo com fervor: Viva! Viva! Viva!

Era a antevisão do Paraíso! 

Texto: JCarneiro



Um comentário:

  1. Fique enocionada lendo esse excelente texto. Como diz sua magestade "O Rei do Baião": Quando vim da minha terra foi com dor no coração, pois lá deixei meus pais, meus parentes, meus irmãos...
    Saudades do meu, do nosso torrão. Grata, doutor por sua poesia...

    Jussara Burgos
    Luziânia-GO

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