O sítio arqueológico Fazendinha está localizado no alto vale do rio Moxotó, sertão de Pernambuco, área rural do município de Custódia e compreende três localidades que se sobrepõem denominadas: Sítio Fazendinha, Sítio do Carvalho e comunidade quilombola do Carvalho. A área foi alvo de pesquisas arqueológicas para o licenciamento ambiental da Ferrovia Transnordestina. Como um empreendimento de grande porte, a ferrovia irá trazer mudanças de ampla extensão, tendo um impacto, no mínimo, reordenador das realidades sociais do território em pauta. E, mais que isso, será um novo elemento na paisagem do nordeste, representação material de uma nova lógica de circulação e organização espacial que chega a esta porção do território brasileiro (MORAESWICHERS,2011).
O sítio Fazendinha começa na Fazenda Tambaú, final do povoado do Cedro e segue até a propriedade de Chico Eliseu. Nesta propriedade começa o sítio do Carvalho que vai até a divisão com o Riacho do Meio. A comunidade quilombola está nos núcleos de casas do Carvalho, sendo que alguns, em conversas informais se reconhecem enquanto quilombola e outros não.
Após quatro etapas de campo (prospecção, intensificação da prospecção e duas fases do resgate) realizadas pela equipe da Zanettini Arqueologia, constatou-se que o sítio arqueológico possui uma área de, aproximadamente, 72.749,84 m² e caracteriza-se como uma unidade multicomponencial abrangendo dois fenômenos distintos no que tange à ocupação humana: um horizonte indígena delineado pela presença de material lascado, artefatos polidos e cerâmicos, localizados em algumas
porções do Sítio, e, outro, caracterizado por áreas de refugo doméstico e edificações dos séculos XIX e XX (notadamente unidades habitacionais, além da Capela de São Luiz Gonzaga18, onde foram identificados e exumados remanescentes humanos)
Atualmente, o lugar é utilizado como moradia, caminho, lugar de encontro, celebrações, obtenção de recursos hídricos por inúmeras comunidades de Custódia.
Entre elas, citamos: as comunidades do Carvalho, inclusive a quilombola; da Fazendinha; do Riacho do Meio; do Cedro; da Boa Vista, da Rua da Areia, do Umbuzeiro, bem como aqueles que moram na rua19. Essas comunidades é que dão significados, se apropriam da capela e do cemitério e os tomam para si, como parte de seu território; e têm, como parte da tradição oral20, a história relacionada ao português mestre-de-campo Pantaleão de Siqueira. Este se casa com Anna Leite de Oliveira no povoado de Jeritacó e toma posse de mais de 20 léguas de terras habitadas por grupos indígenas em meados do século XVIII e, juntamente com Frei Biaquino erguem uma primeira capela, a de São Luiz Gonzaga (LIRA, 2012).
No mesmo período, Pantaleão manda construir em sua fazenda uma capela dedicada a Sant’Ana, em homenagem à sua esposa, em local atualmente coberto pelo Açude Poço da Cruz, em área pertencente ao Município de Ibimirim. No interior da capela, submersa pelo açude, está enterrado o casal (NASCIMENTO, 2014).
A estrutura da grande propriedade de Pantaleão sugere que os escravos viviam nos casebres que cercavam a casa grande sertaneja e que sua morada não era diferente da população livre agregada à terra senhorial, como camponeses e vaqueiros. No século XVIII, a propriedade de terras era ainda dividida em grandes latifúndios. A partir da segunda metade do século XIX, estas passam a ficar cada vez menores, em decorrência da divisão entre herdeiros (DE CARLI, 2007).
A história da comunidade quilombola do Carvalho, localizada cerca de seis quilômetros da sede do município de Custódia registra a existência do Capitão Lili, neto de Pantaleão, a quem se atribui a “alforria” de escravos cativos e a ajuda ao processo de fuga desses escravos para áreas de quilombo, como a do Carvalho. A região era uma fazenda onde havia negros escravizados, de propriedade da família Siqueira, que possuía grandes extensões de terras e era detentora do poder econômico e político na região do Moxotó (CENTRO CULTURAL LUÍS FREIRE, 2008).
Capitão Lili permeia, ainda, o imaginário local na relação que ele tinha com os escravos, tanto que muitos dizem que “tamanha era sua crueldade que nem a terra comeu” e que seu corpo jazia inteiro no interior da Capela de São Luiz Gonzaga. Relatos como estes apareceram principalmente durante a fase do resgate arqueológico que focou na área cemiterial. Muitos moradores da região observavam as escavações, esperando a provável área de sepultamento do capitão Lili.
Em algum momento do final do século XIX, o sítio Fazendinha passou a pertencer à família de Elizeu de Moura Leite (05/05/1882 - †20/01/1963) e posteriormente a seu filho, Chiquinho de Elizeu (30/05/1918 - †18/11/1979), nascido no sítio Fazendinha. (ZANETTINI ARQUEOLOGIA, 2010).
Até hoje a família Moura Leite continua como proprietária de muitas terras no Sítio Fazendinha e próximas a ele, tais como: Francisco Lima Leite (mais conhecido como Chico Elizeu), Sebastião Batista da Silva e Luiz Gonzaga de Moraes, descendentes de Elizeu de Moura Leite.
Luiz Gonzaga de Moraes herdou terras, inclusive às da área da capela, de sua mãe Maria Isabel Leite de Moraes e tem comprado propriedades de algumas tias. Os limites das suas terras seguem, de um lado, a área de Sebastião Batista da Silva e, do outro, até à propriedade de Francisco Lima Leite, que está localizada na divisa do sítio Fazendinha e o sítio do Carvalho.
Na área cemiterial, Luiz possui um irmão inumado próximo ao cruzeiro, local onde se enterravam os anjinhos. Embora com esse parentesco direto com alguém enterrado no cemitério, Luiz não se contrapôs à ideia de demolição da capela. Em 2010 ele recebeu indenização da Empresa Transnordestina Logística S/A21 pelas áreas desapropriadas para a obra, cujo valor, segundo Luiz, foi aquém do valor de mercado.
Por outro lado, moradores do Sítio do Carvalho e da comunidade quilombola homônima tem lutado para a permanência da capela. Um aspecto comum à grande maioria das comunidades remanescentes de quilombo é que os territórios se constituíram, desde o início, a partir do uso de terras, não apenas para moradia e cultivos de subsistência, mas para diversas práticas – coleta, caça, pesca, rituais sagrados – que pouco a pouco foram criando vínculos afetivos e sentimentos de pertença (CENTRO CULTURAL LUÍS FREIRE, 2008).
O histórico de constituição dessas comunidades remanescentes de quilombo remete a dois processos: um que seguiu até o final do século XIX e outro que ocorreu a partir deste período. Ao primeiro, está relacionada a fuga de negros escravizados, provenientes de fazendas locais e também de regiões mais distantes como o agreste pernambucano ou mesmo da região de Palmares, no Estado de Alagoas, segundo pesquisa realizada pelo Centro Cultural Luís Freire (2008). Ao segundo, a origem das comunidades se relaciona aos fluxos migratórios tanto de comunidades quilombolas já existentes, bem como de fazendas que embora mantivessem o trabalho escravo, também tinham negros na condição de pessoas libertas (muito embora, na prática isso não ocorria); e, ainda, do Arraial de Canudos (Centro Cultural Luís Freire, 2008).
Atualmente, o Estado de Pernambuco possui 129 comunidades remanescentes de quilombos22, sendo que o sertão do Moxotó concentra a maioria dessas comunidades. Apenas no município de Custódia temos onze comunidades quilombolas reconhecidas pela Fundação Palmares, conforme se verifica no Quadro 1
O sítio Fazendinha começa na Fazenda Tambaú, final do povoado do Cedro e segue até a propriedade de Chico Eliseu. Nesta propriedade começa o sítio do Carvalho que vai até a divisão com o Riacho do Meio. A comunidade quilombola está nos núcleos de casas do Carvalho, sendo que alguns, em conversas informais se reconhecem enquanto quilombola e outros não.
Após quatro etapas de campo (prospecção, intensificação da prospecção e duas fases do resgate) realizadas pela equipe da Zanettini Arqueologia, constatou-se que o sítio arqueológico possui uma área de, aproximadamente, 72.749,84 m² e caracteriza-se como uma unidade multicomponencial abrangendo dois fenômenos distintos no que tange à ocupação humana: um horizonte indígena delineado pela presença de material lascado, artefatos polidos e cerâmicos, localizados em algumas
porções do Sítio, e, outro, caracterizado por áreas de refugo doméstico e edificações dos séculos XIX e XX (notadamente unidades habitacionais, além da Capela de São Luiz Gonzaga18, onde foram identificados e exumados remanescentes humanos)
Atualmente, o lugar é utilizado como moradia, caminho, lugar de encontro, celebrações, obtenção de recursos hídricos por inúmeras comunidades de Custódia.
Entre elas, citamos: as comunidades do Carvalho, inclusive a quilombola; da Fazendinha; do Riacho do Meio; do Cedro; da Boa Vista, da Rua da Areia, do Umbuzeiro, bem como aqueles que moram na rua19. Essas comunidades é que dão significados, se apropriam da capela e do cemitério e os tomam para si, como parte de seu território; e têm, como parte da tradição oral20, a história relacionada ao português mestre-de-campo Pantaleão de Siqueira. Este se casa com Anna Leite de Oliveira no povoado de Jeritacó e toma posse de mais de 20 léguas de terras habitadas por grupos indígenas em meados do século XVIII e, juntamente com Frei Biaquino erguem uma primeira capela, a de São Luiz Gonzaga (LIRA, 2012).
No mesmo período, Pantaleão manda construir em sua fazenda uma capela dedicada a Sant’Ana, em homenagem à sua esposa, em local atualmente coberto pelo Açude Poço da Cruz, em área pertencente ao Município de Ibimirim. No interior da capela, submersa pelo açude, está enterrado o casal (NASCIMENTO, 2014).
A estrutura da grande propriedade de Pantaleão sugere que os escravos viviam nos casebres que cercavam a casa grande sertaneja e que sua morada não era diferente da população livre agregada à terra senhorial, como camponeses e vaqueiros. No século XVIII, a propriedade de terras era ainda dividida em grandes latifúndios. A partir da segunda metade do século XIX, estas passam a ficar cada vez menores, em decorrência da divisão entre herdeiros (DE CARLI, 2007).
A história da comunidade quilombola do Carvalho, localizada cerca de seis quilômetros da sede do município de Custódia registra a existência do Capitão Lili, neto de Pantaleão, a quem se atribui a “alforria” de escravos cativos e a ajuda ao processo de fuga desses escravos para áreas de quilombo, como a do Carvalho. A região era uma fazenda onde havia negros escravizados, de propriedade da família Siqueira, que possuía grandes extensões de terras e era detentora do poder econômico e político na região do Moxotó (CENTRO CULTURAL LUÍS FREIRE, 2008).
Capitão Lili permeia, ainda, o imaginário local na relação que ele tinha com os escravos, tanto que muitos dizem que “tamanha era sua crueldade que nem a terra comeu” e que seu corpo jazia inteiro no interior da Capela de São Luiz Gonzaga. Relatos como estes apareceram principalmente durante a fase do resgate arqueológico que focou na área cemiterial. Muitos moradores da região observavam as escavações, esperando a provável área de sepultamento do capitão Lili.
Em algum momento do final do século XIX, o sítio Fazendinha passou a pertencer à família de Elizeu de Moura Leite (05/05/1882 - †20/01/1963) e posteriormente a seu filho, Chiquinho de Elizeu (30/05/1918 - †18/11/1979), nascido no sítio Fazendinha. (ZANETTINI ARQUEOLOGIA, 2010).
Até hoje a família Moura Leite continua como proprietária de muitas terras no Sítio Fazendinha e próximas a ele, tais como: Francisco Lima Leite (mais conhecido como Chico Elizeu), Sebastião Batista da Silva e Luiz Gonzaga de Moraes, descendentes de Elizeu de Moura Leite.
Luiz Gonzaga de Moraes herdou terras, inclusive às da área da capela, de sua mãe Maria Isabel Leite de Moraes e tem comprado propriedades de algumas tias. Os limites das suas terras seguem, de um lado, a área de Sebastião Batista da Silva e, do outro, até à propriedade de Francisco Lima Leite, que está localizada na divisa do sítio Fazendinha e o sítio do Carvalho.
Na área cemiterial, Luiz possui um irmão inumado próximo ao cruzeiro, local onde se enterravam os anjinhos. Embora com esse parentesco direto com alguém enterrado no cemitério, Luiz não se contrapôs à ideia de demolição da capela. Em 2010 ele recebeu indenização da Empresa Transnordestina Logística S/A21 pelas áreas desapropriadas para a obra, cujo valor, segundo Luiz, foi aquém do valor de mercado.
Por outro lado, moradores do Sítio do Carvalho e da comunidade quilombola homônima tem lutado para a permanência da capela. Um aspecto comum à grande maioria das comunidades remanescentes de quilombo é que os territórios se constituíram, desde o início, a partir do uso de terras, não apenas para moradia e cultivos de subsistência, mas para diversas práticas – coleta, caça, pesca, rituais sagrados – que pouco a pouco foram criando vínculos afetivos e sentimentos de pertença (CENTRO CULTURAL LUÍS FREIRE, 2008).
O histórico de constituição dessas comunidades remanescentes de quilombo remete a dois processos: um que seguiu até o final do século XIX e outro que ocorreu a partir deste período. Ao primeiro, está relacionada a fuga de negros escravizados, provenientes de fazendas locais e também de regiões mais distantes como o agreste pernambucano ou mesmo da região de Palmares, no Estado de Alagoas, segundo pesquisa realizada pelo Centro Cultural Luís Freire (2008). Ao segundo, a origem das comunidades se relaciona aos fluxos migratórios tanto de comunidades quilombolas já existentes, bem como de fazendas que embora mantivessem o trabalho escravo, também tinham negros na condição de pessoas libertas (muito embora, na prática isso não ocorria); e, ainda, do Arraial de Canudos (Centro Cultural Luís Freire, 2008).
Atualmente, o Estado de Pernambuco possui 129 comunidades remanescentes de quilombos22, sendo que o sertão do Moxotó concentra a maioria dessas comunidades. Apenas no município de Custódia temos onze comunidades quilombolas reconhecidas pela Fundação Palmares, conforme se verifica no Quadro 1
Como se verifica, a comunidade quilombola do Carvalho foi reconhecida como tal em 16 de maio de 2007 (Certificada sob o processo nº 01420.000884/2007-0723). Das 91 famílias que residem na localidade, aproximadamente 20 dispõem de terras para o plantio do roçado e, as demais, sobrevivem como arrendatárias. Carvalho é uma comunidade que vive basicamente da agricultura familiar de subsistência (CENTRO CULTURAL LUÍS FREIRE, 2008).
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