28 outubro, 2020

Um concerto sertanejo - por Miguel Lopes


Por Miguel Lopes da Silva

Como eu gostaria de voltar a ouvir o som daquele pífano, entrecortado de modulações as mais variadas dependendo do local e do momento. 

Ali, na procissão de São José no seu dia especial, notas reverenciais e compassadas como a querer suscitar estados de devoção e respeito. Os instrumentos de percussão em batidas moderadas, estabelecendo os espaços exatos numa espécie de diálogo no qual os instrumentos sempre estavam em completo acordo. A procissão caminhando neste ritmo... o ritmo estabelecido pela banda de Zé Biá. 

 Mais adiante, o cenário se modifica com relação ao espaço, pois o tempo continua estabelecido dentro das mesmas festividades do padroeiro. Um espaço no qual pode-se retratar a irreverência permitida para os momentos de alegria. Não mais a reverência cheia de religiosidade daquela outra ocasião, mas os sons e os requebros desenvolvidos sob o incitamento de uns bons goles de cachaça. Estamos no terreiro de uma “budega” na rua da várzea. E o povo aplaude, e o povo dança. 

 Uma pequena pausa e a caixa rufa numa sucessão de vibrações anunciando que algo diferente vai acontecer. E o pífano entra forte despertando a sensação de uma aproximação de perigo. Um dedo calejado percorre o couro do surdo produzindo um ronco grave. É o ronco da onça. É a caçada que começa. É um entendimento que se produz entre o pífano e os instrumentos de percussão fixando o cenário. Homens e cães encurralando o perigoso animal. 

Latidos angustiados e decididos, urros do felino acuado, e eu menino, ali assistindo aquele milagre em que os sons rústicos de uma bandinha de pífano se transformavam, em minha imaginação, em cenas de perigo. O meu cérebro recebia tudo aquilo como sendo real, determinando esguichos de adrenalina em minha corrente e fazendo meu coração disparar de ansiedade, ao mesmo tempo em que a musicalidade dos instrumentos me seduziam a cair na dança. 

Tenho assistido a grandes concertos envolvendo solos de flauta doce, orquestras sinfônicas, fanfarras e bandas marciais. Mas nada que tenha ficado em minha lembrança como o clássico da “Caçada da Onça”, executado pela Banda de Pífano de Zé Biá num dia longínquo de minha infância numa festa do Padroeiro São José na cidade de Custódia.

(*) filho de: Pedro Lopes da Silva (policial militar ) e Olívia Pedrosa Lopes.
Profissões: Radialista, professor de oratória e terapeuta holístico.
Nossa família morou em Custódia entre 1947 e 1953

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