21 outubro, 2020

As festas de fim de ano - por Zé Melo

       

Por José Melo

Por esses dias – início de dezembro veio-me à lembrança a alegria que era aquele período, nos meus tempos de criança. Recordo perfeitamente os preparativos para as noites de natal e de ano-novo, na acanhada cidadezinha que era Custódia. 

Já a partir da tardinha, começavam as chegar os “festeiros”. Vinham em cavalos, que ficavam amarrados nos fundos das “casas de arrancho”, geralmente residências de parentes que serviam de ponto de apoio. Automóveis naquele tempo era uma raridade. Apenas o Ford Vinte e Nove de João Correia e a “barata” de Zé Ferreira compunham a frota de veículos de aluguel na cidade. Além disso, apenas alguns veículos particulares, como a “Barata” de Elpídio Pires, o automóvel de João Miro e só. Caminhões, apenas o de Sêo Olegário, o de Claudionor e o de Livino Ferreira. 

A velha Praça Padre Leão – o “Quadro”, como era chamada, preparava-se para receber a multidão de sertanejos que vinham para “passear” na praça. Aquela multidão passava a noite praticamente toda, dando voltas pela praça. Casais de namorados apaixonados, de mãos dadas, ou os mais “modernos” abraçados, velhos andando lentamente, crianças correndo, outros sentados “nos bancos da pracinha”. 

Vez por outra um dos rapazes se dirigia a um dos becos, para colocar “extrato” no rosto. Extrato era um perfume barato, de cheiro forte e irritante, que os “da rua” chamavam de “Quebra na esquina”, justamente pela forma com os jovens iam colocar o dito cujo. Ainda lembro de duas marcas desses perfumes, que vinham em pequenos tubinhos de vidro, do tamanho e forma de um cigarro. Era o Royal Briar e o Dyrce. Vendi muito desse produtos nas noites de fim de ano. 

No centro da parte da praça que ficava mais próximo à Igreja, era armado o carrocel, se não me engano de João Preto. Na parte de baixo, próximo ao atual prédio do Banco do Brasil, era instalado o parque de “Seu Duda” Ferraz, pai de Adamastor, meu sogro. Ali ficavam as canoas, que nada mais era que pequenos balanços em forma de canoa, destinadas ao mais jovens, fortes para impulsionar as canos e corajosos para subir bem alto nas canoas. Havia verdadeiras disputas para ver quem subia mais. Passava a noite inteira se balançando até com fila de espera. Tinha também o Juju, destinado às crianças, que por isso geralmente encerrava as atividades logo cedo da noite. Para os idosos, um equipamento que nunca vi similar em parque nenhum: a Onda, que era um enorme círculo pendurado por fortes vergalhões a um mastro central, com vários assentos. Quando lotado, era impulsionado manualmente, e ficava girando, subindo e descendo. Louro Zeferino foi um dos últimos empurradores da onda. 

No Bar Fênix, o baile de natal, destinado a sociedade local. Praticamente exclusivo dos moradores da cidade, pois o ingresso era “caro” para os rurícolas, que lotavam os vários forrós espalhados pela cidade. Na “Bomba”, no “Alto”, nas ruas próximas ao centro se realizavam tais bailes. Era o autêntico forró pé-de-serra, com sanfona, zabumba e triângulo. Tinha o “tirador de cota”, que cobrava a taxa para pagar o sanfoneiro. Sempre havia o que hoje aqui na cidade chamam de “baculejo”: Alguns policiais ocupavam todas as saídas enquanto outros “corrigiam” os dançarinos, que era uma revista em busca de armas. 

Não raro ocorriam brigas, geralmente motivadas por discussões tolas, geradas pelo consumo exagerado da “branquinha”, ingerida no “butiquim”, que era improvisado barzinho num recanto do salão de danças. Também motivo de briga, era o “cavalheiro” ser “cortado” pela “dama”. Explico: o rapaz chamava uma donzela para dançar. Se ela não quisesse, isso era considerado uma ofensa, chamada “Corte”. Se o rapaz fosse “brabo”, ele não permitiria que ela dançasse com outro. Isso era o estopim para inúmeras brigas. Tais brigam por vezes deixavam feridos à faca, arma mais comum naquela época. 

Por toda a extensão da primeira parte da praça, ficavam as barracas de guloseimas. Barraquinhas que vendiam bolo de milho, tapioca, doces, café etc. Nenhuma dessa seduzia a meninada tanto quanto a de dona Aurora, uma senhora obesa que fazia verdadeiros quitutes para delírio da molecada. Bolo de goma, suspiros e salgadinhos faziam a festa dos meninos e meninas de então. 

Havia na época, um costume interessante (para a meninada): era permitido a toda criança pedir “as festas” aos adultos, que geralmente davam moedas que serviam para comprar desde os quitutes de Dona Aurora, até “bolas de encher”, o Japonês de Zé Benício, até pagar as “carreiras” no carrocel ou nas “Canoas”

Também havia um verdadeiro “cassino”, com jogos de azar espalhados pela Praça: “Maior Ponto”, “Explandim” “Caipira”, “Roleta”, Tiro ao alvo (com espingardas de ar comprimido) etc. Nos fundos do Bar Fênix, ouro cassino. Mesas de jogo de baralho disputavam a preferência dos jogadores em busca de lucro fácil. Tudo isso sem falar nos espertalhões de plantão com suas arapucas para enganar os tolos, na Praça, demonstrando como era fácil ganhar no jogo do “essa perde, essa ganha”, da correia, do dedal entre muitos outros. Fiquei impressionado neste final de ano (2011), ao observar que ainda existe alguns tipos desses jogos em pleno centro da cidade. 

A partir das três horas da manhã o movimento ia diminuindo, até o raiar do dia que encontrava a praça deserta, apenas alguns “bêbos” retardatários caídos nas calçadas, aqueles que trabalharam durante a noite na festa, tomando uma cerveja para encerrar o expediente, e mais ninguém. Todos se recolheram aos seus leitos, ou enfrentaram a volta para casa, na zona rural, em lombo de cavalos, burros e jegues. Cansados, mas felizes. E já fazendo planos para a próxima festa em Custódia.

6 comentários:

  1. Zé.
    Realmente no fundo do Bar Fenix ocorria uma jogatina muito bem frequentada. Incluindo as segundas feiras. Dia da feira livre.
    Jogava-se um carteado chamado de "Pocker".Alguém que vinha do mato,amarrava no quintal do Fenix uma égua manga larga,arisca, que dava coice até no vento.
    Evitava-se passar perto da traseira da bicha.Só se passava longe dos cascos aonde a perna da égua não alcançava.
    Numeriano, naquela segunda, as cartas não lhe favoreceram. Arretado da vida por ter perdido o dinheiro da feira no jogo, quando Numeriano foi saindo, alguém falou: --Cuidado com a égua.
    Revoltado e como que para provar que a égua não era lá essas coisas, Numeriano abraçou e enroscou-se nas pernas da bicha, deu-lhe tapas de mão aberta nas ancas,e a égua nem "tchum".
    Numeriano desmoralizou a égua que dava coices até no vento.
    Fernando Florencio
    Ilheus/Ba

    ResponderExcluir
  2. Andei muuuito no Juju de Teia, adorava, a onda era a sensação.
    Kelly Feitosa

    ResponderExcluir
  3. Não obstante já ter efetuado um comentário sobre esta excelente "viagem" do Zé, um fato novo me levou a voltar a este espaço.
    Recentemente "conversava" no "Face" com um menino custodiense, e ele interrompeu o papo, alegando que se tratava de CONVERSA DE VELHO.
    Este garoto pertence a uma das famílias pela qual tenho o maior respeito e admiração, até porque existe, mesmo distante, algum laço familiar.
    Jayr (de Magaly), quiçá Deus lhe proporcione a oportunidade de relatar futuramente sua vivência e experiência como tão bem fazem Zé Mello, Célia Feitosa(Barros)Jorge Remígio, Zé Carneiro e tantos outros.
    Fernando Florencio
    Ilhéus\Ba

    ResponderExcluir
  4. Parabéns Ze Melo. Espetacular esta viagem cheia de saudades e lembranças inesquecíveis. Obrigada mais uma vez por estes momentos de recordações da nossa CUSTÓDIA QUERIDA. Lucia G.Verissimo

    ResponderExcluir
  5. Ze Melo, você é um escritor FANTÁSTICO.Fico fascinada com os seus textos. Lucia Góis Verissimo.

    ResponderExcluir
  6. Parabéns, José Melo,pelo seu relato.Algumas coisas trago na memória : o parque, as festas de Natal quando a gente saia pedindo. Falar do parque de seu" Duda " era para ser tombado, pois é um relíquia que atravessou várias décadas, sem sofrer alterações. Ione Miro

    ResponderExcluir