28 agosto, 2020

O Circo - Jorge Remígio


  
Texto:
Jorge Remígio
João Pessoa - PB
Agosto 2020

O CIRCO 

“Hoje tem espetáculo? Tem sim, sinhô” Era o jargão iniciado pelo palhaço para fazer a propaganda do circo pelas ruas da cidade, munido de um grande megafone e as características pernas de pau, onde a molecada replicava gritando em um coro entoado e unissonante que ainda hoje soa aos meus ouvidos. “Chegou um circo”. Isso era uma informação valiosa, uma notícia retumbante para pequenina Custódia que tinha à época menos de quatro mil habitantes nos meados da década de sessenta. Quando o circo chegava era uma transformação radical, contagiava crianças e adultos ficando todos radiantes, com exceção do dono do pequeno cinema que funcionava aos finais de semana.

Era realmente uma concorrência desleal, até porque o circo era uma novidade, como também, diferente do cinema, a platéia interagia com os artistas. Lembro bem que os palhaços procuravam saber nomes de rapazes da cidade, geralmente muito conhecidos e com algum destaque, para incluí-los no rol de suas piadas e gracejos, levando a plateia ao delírio com sonoras gargalhadas. Até a Rumba, ritmo cubano, ficou muito popular nessa época justamente devido as dançarinas, as rumbeiras como eram chamadas. Era uma cópia do teatro de revista, muito comum nos grandes centros nas décadas de quarenta e cinquenta. 

 Após se exibirem, saiam entre os espectadores e escolhiam alguns para jogar o lenço sobre o ombro do felizardo que diante daquela situação de exposição, ficava feio não contribuir com algum dinheiro. Mesmo considerando a exiguidade do tempo de permanência do circo na cidade, existia uma grande simbiose da população com o núcleo mambembe. Não foi raro o surgimento de amizades e afetividades também. Os circos ficavam geralmente de quinze a vinte dias, mas, teve caso de a própria população apelar para o circo prolongar sua permanência por uma semana ou mais. 

A parte final do espetáculo era chamada de O Drama. Era um teatro, e teve muitos atores e atrizes nos circos de fazer inveja aos globais de hoje em dia. O ótimo circo Arte Palácio, precisou de umas poltronas para compor uma sala onde ocorreriam várias cenas do Drama. A minha tia Maria Eunice emprestou as poltronas da sua casa, e a noite quando fui para o circo, fiquei da plateia observando aquelas cadeiras que me eram tão familiares. Me senti próximo, muito íntimo do circo naquela ocasião. Nós não tínhamos dinheiro para ir todos os dias, mas o desejo prevalecia. 



Então, todas as noites a frente do circo fervilhava de meninos travessos. Sim, no interior naquela época, os meninos não moravam na rua, mas boa parte do dia e também da noite, tinham as ruas como palco de suas brincadeiras. Eram os “Capitães da Areia”. Lembro que na frente do circo, tínhamos que ficar bem atentos, pois qualquer descuido era fatal, você poderia ser vítima da queda da cebola. Era uma bundacanastra. E eu pensei que não tivesse essa palavra no dicionário. 

Eu explico: um menino em situação de descuido, então, vinha outro e ficava de quatro por trás do mesmo. Vinha um terceiro e empurrava o descuidado que caia dando uma cambalhota no ar. Pois suas penas batiam nas costas do que estava agachado. Eram muitas peraltices. Alguns tinham, mas eu não tinha a coragem de ultrapassar a cerca de arame farpado que circundava a empanada do circo e entrar de maneira irregular, burlando inclusive os vigias que ficavam circulando. Era muito perigoso. 

Eu fiz toda essa introdução para narrar um fato muito marcante para mim em relação ao circo da minha infância. Existia um desejo muito grande, acredito que comum a todos os meus amigos, que era “gritar palhaço”. Ah! sair atrás do palhaço pelas ruas da cidade respondendo aos gritos os seus jargões. 

-Hoje tem espetáculo? 

-Tem sim, sinhô! 

-Às oito horas da noite 

-Tem sim, sinhô 

Esse desejo era vetado, censurado mesmo aos meninos que moravam no centro da cidade. As mães achavam que essa atitude era para os meninos que moravam no alto. Termo dado a umas ruas periféricas da cidade. Certo dia eu arrisquei. Tinha mesmo consciência do meu ato transgressor. 

Às duas da tarde estava eu na frente do circo junto a molecada que me olhava enviesada, como se eu fosse um estranho no ninho. Chega o palhaço com uma lata de tinta preta e em seguida fez um breve ensaio para que nós decorássemos as repostas aos seus bordões. 

Terminado, mandou que fizéssemos uma fila indiana e passou a marcar o antebraço de cada criança com um número, e em seguida saímos todos da frente do circo que estava armado nas gramas, local que hoje seria por trás do CLRC, parte baixa da cidade. Ao subir pelo beco da Difusora, já fiquei na retaguarda. 

Fui administrando estrategicamente as áreas minadas, pois as pessoas amigas dos meus pais poderiam me denunciar Todo o percurso no centro eu fiquei meio que afastado e não gritava. Tinha que me desdobrar, pois o palhaço sempre dava uma olhada para sua plêiade mirim, querendo empenho dos mesmos. Quando saiu do quadro, como chamávamos o centro, me engajei de corpo e alma aquela maravilha. 

-Ô raio o sol suspende a lua 

-Olha o palhaço no meio da rua 

No retorno, usei dá mesma estratégia. Ufa! Foi difícil administrar tudo isso, mas felizmente deu tudo certo e a noite já estava garantida a entrada no circo. Fui para minha casa correndo, pois já passava da hora do banho. Me dirigi para o banheiro e os irmãos já estavam lá. Nesse tempo a água era muito escassa, a caixa era enchida lata por lata na cabeça, vinda do chafariz público, então, eu e os irmãos tomávamos banho juntos. Levei uma bronca da minha mãe pelo atraso, a qual ficava inspecionando o nosso banho. Verificava depois orelhas, cotovelos, calcanhar e as costas. Se deixasse por nossa conta, imaginas o resultado. Quando minha mãe pegou no meu braço, instantaneamente eu o revirei. Ela insistiu e eu tentava de toda maneira esconder a marca censurada. Ela pegou com força já desconfiada de alguma coisa errada e viu. Estava lá o número cinco em tinta preta. Eu já sabendo qual seria a sua reação, pensei em milímetros de segundos. “Tudo em vão”. Ela transformou-se na hora. “você gritou palhaço”. Eu tomei uma pisa ali mesmo e ainda fiquei de castigo. Não iria para o circo no final de semana. Realmente foi desesperador. Mas, depois de um certo tempo, vi que tinha valido a pena, eu tinha realizado um desejo, um sonho, e as coisas boas não se consegue tão facilmente na vida, portanto, valeu a pena “GRITAR PALHAÇO” 



12 comentários:

  1. Jorge muito o bom o seu texto. Lembrei-me de um circo que chegou em Betânia. Na hora da seleção fui barrado pelo palhaço "Fuzaca" eu era muito pequeno. Morri de inveja de meus irmãos Maninho e Zé, que fizeram parte da seleção. Acompanhei tudo do lado de fira, inclusive o drama O"ébrio."

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  2. Kkkk inesquecíveis lembranças 👏👏👏👏. Logo lembrei da minha irmã, dançando Rumba no palco, só q os momentos de glória duraram micro de segundo. Eis q passa na porta da minha mãe ,umas das futriqueiras e parabenizou-a pela excelente dançarina q tinha em casa. Só sei ,que nessa noite ela foi dormir com o couro todo lapiado do fio ,do ilustre ferro Tupã. Lá se foi o sonho da gde estrela.

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  3. Muito bom relembrar os circos da nossa época. Eu adorava ir ao circo. Tempos inesquecíveis. Estas história nos leva de volta a nossa infância em Custódia. Obrigada Jorge.
    Marta

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  4. Excelente!

    Li e voltei no tempo.

    Como é bom ouvir falar da nossa Terra Querida.
    Da infância vivida e que deixa tantas saudades.

    Obrigada, Jorge!
    Você retrata a infância de todos seus conterrâneos, mesmo que não contemporâneos.
    Era mesmo assim...

    Muito bom mesmo!!!

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  5. Que maravilha de texto, meu querido irmão. Sei que sou suspeita, mas acho que já era pra ter uma cadeira na Academia de Letras reservada pra você, rsrs

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  6. Você mais uma vez nos presenteia com este belo texto. Os circos ficaram nas lembranças de todos nós do interior. Quando li sobre as rumbeiras...o riso chegou fácil...tem Lucia Góis nós já ensaiamos passinhos de rumba???? Kkkkk....doces recordações

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  7. Rapaz voltei no tempo me lembrando do palhaço pinocolino 🤣🤣🤣 que vinha sempre em Custódia.

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  8. Jorge seus textos sempre me faz voltar no tempo,nunca esqueci de um circo. Era conhecido como o CIRCO DE SEU ALEGRIA. Era ótimo, meus irmãos devem lembrar.

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  9. Meu pai fazia a festa da meninada pagando ingresso. Uma fez uma rumbeira de biquíne e rebolativa jogou lenço no meu pai, ele meio sem graça deu dinheiro. Eu não gostei daquilo nem um pouco rsrsrs

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  10. Esse texto nos transporta ao passado, faz relembrar a nossa infâcia.

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  11. Meu cunhado você me fez voltar aos tempos da minha infância e adolescência.Faziamos circo na casa de Graça Melo,Irmã de Mabel.Eu era uma das dançarina de zumba .Denilson meu irmão,era o trapezista .E cobravamos entrada das crianças vizinhas para assistirem o espetáculo kkkkkkkkkkkkkk

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