12 agosto, 2020

Zé Preto

José Melo
Recife-PE
Março/2013


Antecipadamente devo dizer que do fato que passo a narrar a seguir, não posso afirmar ser verdadeiro ou não. Garanto apenas que era contado por muitas pessoas que conheceram os personagens. Logo, verdade ou mentira, eu nada tenho a ver com isso. Apenas repasso o que muitos comentavam.

Zé Preto era um negro idoso, magro, lábios grossos, tipicamente um afro descendente. Todo o dia saía de casa com o seu pé-de-bode – harmônica, ou sanfona de oito baixos. Em cada bodega que chegava sentava e punha-se tocar seu fole de oito baixos, em troca de algumas bicadas de cana.

Assim era durante todos os dias da semana, uma rotina que só era quebrada nas festas de ruas, quando João Preto armava o carrossel e Zé preto passava a tocar nele, todas as noites.

Contam que todos os dias ele chegava em casa mais melado que corda de amarrar porco, pelas bicadas sorvidas durante toda a sua peregrinação pelas bodegas da cidade. E todo dia seguinte queixava-se de dores no corpo, a Joana, sua mulher, que sempre respondia:

-“Isso é essa cachaça miserável que você bebe e sai caindo por aí!”.

Acontece que um dia um vizinho resolveu revelar o Zé Preto o mistério das dores no corpo. Chamou ele em particular e contou tim-tim por tim-tim:

- “Zé Preto, todo dia que você chega bêbado em casa, Joana baixa o sarrafo em você, sempre reclamando. Até de cabo de vassoura ela bate em você!”.

Zé Preto nada disse, apenas agradeceu ao vizinho, pegou o fole e partiu em direção as bodegas.

Só que nesse dia conseguiu o que parecia impossível: passou o dia todo pelas ruas, andando, sem beber nenhum gole. No final da tarde retornou pra casa.

Quando dobrou a esquina da Avenida Manoel Borba, chegando na antiga Rua da Remela, passou a cambalear e tombar, como qualquer bêbado que se preze.

Chegou em casa e foi gritando, com a língua enrolada:- “Ô Joana, bota meu almoço que eu tô com fome!!!”.

Ao que, como fazia rotineiramente, ela pegou o cabo de vassoura e foi esbravejando:

- “Tu já vem de novo nessa situação, né cachorro?”.

Nisso Zé Preto deixou de se fingir de bêbado e retrucou:

- “Ah! Quer dizer que meu corpo doído era das quedas que levava bêbado?”.

E de agredido Zé Preto passou a agressor, devolvendo os tabefes que Joana lhe dera tantas vezes. E a partir daquele dia, Zé Preto nunca mais amanheceu com o corpo doído depois de uma carraspana.

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