Por Miguel Pedrosa
Juazeiro-BA
Agosto/2012
Eu sei que tive um sonho,
mas não me lembro de quando. Também não sei de que tempo era esse sonho, pois
os sonhos não tem tempo. Sonhos são apenas sonhos. Uma experiência que insiste
em aparecer na tela de minha consciência com uma força tão grande, como algo
gritando, dizendo: não me esqueça, não me
esqueça, eu também quero ser lembrado. E esse “eu também”, foi a chave,
pois que as coisas desse sonho estavam relacionadas dentro de um contexto
maior, ou seja, dentro de um outro sonho.
Então acessei os arquivos do
sonho maior, e lá dentro, num cantinho da psique reservado às memórias ditas
traumáticas, encontrei o meu sonho menor. Menor apenas pela ausência de
importância que se dá as coisas que mexem com as nossas zonas de conforto. Pois
fiquei chocado pela grandeza do seu
miserável cenário. Principalmente por reconhecer o quanto este sonho tinha sido
real e que, a mim que estava lá dentro, criança sem entender muita coisa, me
diziam: não, não passe por ali. Você não
pode passar por ali. É muito perigoso! Multidões de mosquitos esvoaçavam
procurando o alimento purulento e farto naqueles olhos inchados. Eram olhos de
seres humanos, principalmente de crianças. Crianças sujas e seminuas dividindo
os espaços com porcos, galinhas e cabritos.
Também adultos de rostos
sofridos, e entre eles mulheres grávidas de andar cambaleantes e fortes sinais
de desnutrição na pele ressequida. O mundo deles era separado da outra parte do
contexto, daquele mundo colorido onde a fartura e a alegria se mostravam em
cada expressão de seus habitantes cheirosos e saudáveis. Das frestas do limiar
entre aqueles dois mundos, uma cerca
verde de avelóz encarregada de manter isolada aquela casta de infelizes, eu
ainda não sabia que estava diante de uma das mais antigas situações que sempre
fustigara os humanos desde sua aparição no planeta. Hoje eu sei que este sonho
foi real e que ele estava dentro de um tempo também real. Que os olhinhos
inchados e purulentos eram reais e de crianças reais e que toda aquela
comunidade de homens e mulheres de ares sofridos existiram dentro de um cenário
verdadeiro.
As nuvens de mosquitos que
esvoaçavam dentro do cenário eram os responsáveis pela manutenção dos inchaços oculares, manifestação de um
mal cíclico, mas que ali se tornara permanente, popularmente designado como “dordói”
e que a medicina chama de conjuntivite, uma inflamação da membrana que recobre
a parte externa do globo ocular e a parte interna da pálpebra. A falta de
higiene em face das precárias condições gerais fazia com que os mosquitos
encontrassem o sustento de sua sobrevida, ao mesmo tempo em que transportavam
os vírus e as bactérias na colheita da rica safra patogênica.
Eu sei que tive um sonho e agora me lembro de
que o sonho era real. E por ser real estivera contido dentro dos parâmetros de
tempo, espaço e sub-espaço: um tempo real do ano de 1950, contando os eventos
históricos no espaço de uma cidade de nome Custódia no estado de Pernambuco,
pertencente a um país rico e belo chamado Brasil. E o cenário de minha dantesca
experiência, o *sub-espaço do meu
sonho real chamava-se rua da **remela.
*Sub-espaço: figura de retórica
usada para destacar a situação humilhante daquela área da cidade naquela
década. ( observação do autor )
**REMELA s.f. Secreção viscosa, às vezes purulenta, que escorre das
pálpebras; lipitude.
Li A uma certa rua de Custódia, fiquei muito comovido. Parabéns Miguel Pedrosa, você tem uma mente muito fertil.
ResponderExcluirExcelente seu texto Miguel Pedrosa. Fazia anos que não lia um texto igual a A uma certa rua de Custódia. Confesso que fiquei curioso em conhecer seu trabalho.Ah! Parabéns ao blog por esta publicação. Cultura pura!
ResponderExcluirMeu nome é Garrafinha, filho de Lilica/Bogotá/Colombia.
Não obstante o excelente trabalho de memória literária, aliado a um saudosismo massacrante para quem viveu a época; o autor esqueceu de mencionar um importante detalhe, que peço "vênia" para mencioná-lo até porque faz parte da história remota da rua:
ResponderExcluir"Certo trecho da Rua da Remela era habitado pelas moças alegres que iniciaram muitos de nós nos caminhos fugídios do amor precoce."
Fernando Florencio
Ilheus/Ba
Impossível traçar um cenário mais real daquela artéria. Vivi muito tempo perto daquela rua, e tudo relatado no texto é incrivelmente real. Conheci várias pessoas da comunidade, como Zé Preto, tocador de oito baixos, Pedro Doutor, que viveu seus últimos dias se arrastando pelas ruas da cidade, sem falar nas meninas que iniciavam os jovens na vida sexual. A ex - Rua da Remela - hoje Rua Major Esperidião Sá, faz parte da história de Custódia.
ResponderExcluirJ.Melo
Eu morava na rua da cadeia minha vó morava na rua da remela eu ia pelo menos uma vez por dia levar comida pra ela que buscava lá embaixo onde morava os ricos que doavam o almoço e eu ia buscar só para comer com o resto que mãe veia dava pra gente eu e minha irmã Dulce às vezes dona Corina dava um pouco mais, aí sim era uma festa comia todos nós eu e meus irmãos Manoel Maria. Sim lembro muito bem dessa rua tinha até uma música que o povo cantava para certa mulher de nome sebinha
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