03 setembro, 2020

Viva! Viva! O Bispo Chegou - Jorge Remígio

Texto
Jorge Remígio
João Pessoa-PB
Setembro/2020

Viva! Viva! O Bispo Chegou 

Lá pelos idos de 1968, a minha pequena Custódia agitou-se toda. A notícia impactante que o Bispo chegaria àquela cidade em poucos dias, espalhou-se e contagiou rapidamente toda população urbana, como também quem vivia na zona rural. 

As aulas de catecismo foram intensificadas na Matriz de São José, agilizando-se a preparação das crianças para um acontecimento ímpar em suas vidas, fundamental e necessário a todo católico apostólico romano. O sacramento da crisma 

Finalmente chega o dia tão esperado por todos, principalmente para a criançada, que a todo instante comentava a respeito da figura desconhecida o Bispo. Para nós, era quase um Papa. Pois, todo mundo que eu conhecia não lembrava de ter visto tal personalidade religiosa.
 

A nossa imaginação fluía. Pensávamos em imagens cinematográficas, mas, naquele dia seria muito diferente, iríamos vê-lo bem de pertinho. Criança questiona tudo 


-Será que podemos tocá-lo? 

-Como será a roupa dele?

 
Almocei rápido e logo corri para a Praça Padre Leão. O dia era de festa. A organização da recepção à autoridade eclesiástica ficou a cargo do pároco local, o alemão Padre Luiz Klur, um senhor de cor avermelhada, estatura alta para nosso padrão, barrigudo, cabeça avantajada e careca, usava óculos de armação grossa e ainda tropeçava na concordância da gramática portuguesa.

 Ele fez uma convocação aos proprietários de veículos da cidade, para se dirigirem à praça principal com os seus automóveis e, após concentração, todos partiriam cedo da tarde em procissão motorizada até a zona rural, onde ficariam posicionados em fila à espera da chegada do Bispo.  

A adesão ao pedido do Padre foi total. Todos os carros da cidade estavam concentrados naquela praça, em sua maioria Jeep e Rural Willys, com destaque para o Ford 29 de João Correa. Participar daquele evento era como pagar indulgências. 

Convoquei a turminha, que na época não se chamava galera, para subirmos na carroceria da caminhoneta de Severino Pinheiro o qual se preparava para seguir o cortejo, mesmo esse não sendo muito simpático àquela molecada. Subimos eu, Antônio, Fernando José, Jefferson, Marcelo, Tadeu, Luciano, Otacílio, Savinho, lotação completada com alguns adultos.  

Os carros seguiram formando uma grande fila, serpenteando a estrada de terra e cascalho, tomando a direção sul do município, no sentido do distrito do Ingá. Havia chovido bastante naqueles meses que antecederam o evento, deixando o sertão bastante verdejante. 

Observei a estrada margeada por cercas de varas enfileiradas e infindáveis, de onde alçavam voo, bando de passarinhos assustados com o ronco dos motores. Tudo era uma bonita festa, quase não saíamos da cidade.  

Não lembro de ter havido música, mas o estampido de foguetões e os estrondos dos bacamarteiros ocorria a todo instante. Depois de percorrermos uns quatro quilômetros naquela estrada vicinal, os carros iam parando, manobrando e tomando o sentido do retorno. 

Tudo saía dentro do planejado e dos conformes. O automóvel do Bispo chegaria em pouco tempo, em seguida se posicionaria a frente do primeiro carro, puxando assim, todo o cortejo até a cidade em festa. 

Não foram passando os minutos. Passaram-se horas e nada do Bispo dar as caras. Não tínhamos como inventar mais nada para compensar toda aquela ansiedade da espera. Esgotamos todo o nosso repertório.
 

Não só as crianças, mas também os adultos se impacientaram e muito, sendo necessário a intervenção de uma beata de alguma ordem religiosa presente, que ficou passando para lá e para cá da grande fila de carros, dando uma injeção de ânimo aos fiéis incomodados ao extremo com tamanha demora. 

- Calma gente! Tenham paciência Irmãos, o Bispo está chegando, quem não é paciente não será salvo. 

 A ladainha era essa. O sol, que não esperava Bispo algum, tratou logo de se esconder lá prás bandas de Serra Talhada. 

 À noite chegou e toda aquela população emudeceu. Os apelos da beata já não eram correspondidos por mais ninguém. Sem falar, em dois alarmes falsos ocorridos àquela tarde, quando todas as pessoas ali concentradas e na expectativa, foram traídas pela passagem de uma Rural carregando garajaus repletos de galinhas de capoeira, passou buzinando para todos.  

Horas depois, passa um Jeep com uma carga de jerimuns, causando a falsa impressão que seria o carro do Bispo. O desânimo generalizou-se naquele local ermo, só iluminado com a luz vinda dos faróis dos veículos. Tudo isso deu margem às conjecturas. 

-Pode ter havido um acidente! 

-Acho que o automóvel atolou! 

-Floresta é muito distante pessoal, e na estrada tem muitas cancelas, ele chega! 

Eu já havia perdido totalmente as esperanças de ver um Bispo, quando fomos atraídos pelos gritos vindos lá do término da grande fila de carros. “Viva! Viva! O Bispo chegou! Foi uma gritaria geral, todo mundo relevou em segundos aquele atraso secular, derramando-se em alegria e júbilo, ou seja, houve uma transformação radical no estado das coisas.
 

Fiquei atento e de olhos bem arregalados para ver o Bispo passar. Foi uma frustração, o mais visível foram os pneus do Jeep totalmente enlameados, quando este passou um pouco rápido ao meu lado, mas pelo menos deu para ver a mão dele acenando para a multidão entusiasmada. Não me desesperei, teria a chance de vê-lo novamente na cidade. 

O cortejo segue à luz das estrelas e dos faróis, chegando finalmente à cidade em festa. Dar duas voltas em torno da Praça Padre Leão, sob os aplausos das pessoas localizadas em frente as suas residências, acenando bandeirinhas brancas e dando vivas ao Bispo. 

Quando o cortejo parou em frente à Matriz de São José, foi providenciada urgentemente uma cadeira de encosto bem alto, colocada estrategicamente na entrada da porta principal da igreja, onde o Bispo sentou-se para receber as horarias e reverências das pessoas de destaque da cidade acolhedora e receptiva. 

Corri, procurando um local que visualizasse melhor a Vossa Reverendíssima, e tive sorte. Fiquei a poucos metros dele e passei a fitá-lo sem pestanejar, procurando captar todos os detalhes minuciosos do quase santo padre. Percebi que ele tinha meias de cor vermelha, que combinavam com a cor do chapéu pequeno e redondinho que ele usava na parte anterior da cabeça.
 

Lembro de sua batina bem preta, com uma faixa larga na cintura, a qual combinava também com uma infinidade de botões de cor vermelha ou roxa. Indumentária, que dava um ar de imponência à figura do chefe diocesano.  

O impressionante, é que do dia seguinte, não guardei quase nada na memória, a não ser, o meu padrinho de crisma, Zé Vital, casado com a minha tia Jandira. 

Do dia anterior, dois fatos se destacaram e ficaram bem guardados e marcantes na minha memória: Dona Magda Quidute, esposa do chefe político da cidade, Dr. Orlando Ferraz, a qual tinha “status” de primeira dama, se dirigindo ao encontro de Vossa Reverendíssima sentado na grande cadeira que mais parecia um trono, e em sinal de respeito e reverência, se ajoelha e beija o anel do Bispo. 

O outro fato bem emblemático foram os gritos efusivos daquela população à luz dos carros, gritando: 

“Viva! Viva! O Bispo chegou!” “Viva! Viva! O Bispo chegou!” 

Crônica publicada no livro coletânea Gandavos, (Os contadores de histórias) organizado por Carlos Lopes e no livro Foi Assim II de Fernando Florêncio.
 


8 comentários:

  1. Que maravilha seus textos, meu querido irmão Jorge! 😘😘😘❤❤👏👏👏👏

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  2. Muito massa, essas memórias suas. Faço leitor viver o que você viveu. Abraços

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  3. Jorge seus textos sempre bem escritos e impactantes. Parabéns 👏👏👏👏

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  4. Memória privilegiada, primo, foi muito bom reviver nossa adolescência. Bons tempos. Que tal discorrer sobre nossa vida com mãe Nita, dos banhos na lagoa...,

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  5. Memória privilegiada, primo, foi muito bom reviver nossa adolescência. Bons tempos. Que tal discorrer sobre nossa vida com mãe Nita, dos banhos na lagoa...,

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  6. Memória privilegiada, primo, foi muito bom reviver nossa adolescência. Bons tempos. Que tal discorrer sobre nossa vida com mãe Nita, dos banhos na lagoa...,

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  7. SENSACIONAL !
    SIMPLISMENTE EXPETACULAR !
    VIVA O BISPO ! VIVA....!/

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  8. PARABENS JORGE,É MUITO BOM RELEMBRAR OS ACONTECIMENTOS DE SUA MENINICE.

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