20 setembro, 2020

Retalhos de Lembranças I - Arribando (José Melo)

 

Texto: José Melo
Recife-PE

Mais ou menos uma hora da madrugada. Zeca é acordado pela mãe, e levado até a pequena sala de visitas, sob a luz amarelada de um candeeiro. Ela explica que seu pai estará viajando para longe, e é preciso se despedir. 

Sem compreender a razão daquela viagem, Zeca nos seus inocentes cinco anos tem mais vontade é de voltar a dormir. Sua cabeça ainda não poderia compreender que aquela viagem, antes de viagem era mais uma fuga. Uma fuga da crise que permanentemente assolava aquele seu pequenino mundo, que se resumia a sua pequena casa, na rua de acesso ao centro da cidadezinha acanhada que era Alvorada da década de cinquenta. 

Só dias depois é que Zeca entendia aquilo. A bodega se resumia a quatro garrafas empoeiradas sobre a prateleira quase vazia, a balança enferrujada, enfim, um cenário de penúria que se abatia naquele pequeno estabelecimento comercial tão típico das pequenas cidades sertanejas. 

Em casa, praticamente nada. A velha petisqueira com espelhos desgastados pelo tempo abrigava alguns copos, poucas xícaras e pratos. A mesa descoberta. Cadeiras que já pediam aposentadoria há muito tempo. Na sala de visitas, apenas algumas fotografias ampliadas, com retoques feitos grosseiramente, um pequeno rádio elétrico encimando uma pequena prateleira a que chamavam de Atajé, algumas cadeiras envernizadas circundando uma pequena mesa de centro cuidadosamente forrada por minúscula toalha feita de renda branca. 

Praticamente mais nada restou de lembranças daquela fase. Apenas o dia em que o empregado da loja de eletrodomésticos ao cobrar e não receber as prestações do pequeno rádio, o levou para sempre. 

E como se acordasse de um sonho esquecido, Zeca se vê agora na casa do Avô materno, no sítio Estrada Nova, na Serra da Xícara, pés descalços, calça segurada por suspensórios feitos do mesmo tecido da calça, sem camisa, correndo pelo terreiro do velho casarão. Sempre as manhãs, acompanhava o avô ao curral, para observar a ordenha, ou como o velho Juvêncio dizia olhar ele “tirar” o leite das poucas vacas, mansas, que pacientemente aguardavam o final da ordenha, quando o bezerro que se mantivera preso à sua pata dianteira esquerda, era solto e, faminto, dava verdadeiros socos com a cabeça no úbere da vaca, em busca do pouco leite que sobrara.


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