foto: Paulo Fonseca
As andorinhas da minha infância moravam na torre e nos beirais da igrejinha de São José, que o Padre Leão Pedro Verzeri levantou com tanto sacrifício, no meio da praça da antiga vila de Custódia.
Elas chegavam, ninguém sabia de onde, aos milhares, num alvoroço ruidoso, mal o inverno aparecia, depois do ribombo das trovoadas do fim-de-ano, quando as primeiras chuvas caíam, perfumando o sertão, com o cheiro volutuoso de terra molhada, cobrindo de folhas o chão duro e revestindo de brotos as árvores desnudas.
Eu ficava, pela manhã, horas a fio, sentado na calçada de casa, sob o olhar vigilante de mamãe costurando na sua “Singer”, a olhar enternecido para o céu, onde milhares de asas, entre chilreio e evoluções, traçavam voos caprichosos, e, de súbito, em descaída rasante, baixavam, quase ao solo, por sobre a praça quieta.
Depois, subiam rumorosamente, fendiam os ares num barulho ensurdecedor, pousando depois, aos magotes, nos fios dos telégrafos que transmitiam as mensagens de Kepler Lafaiete e de “seu” Isaías, ou se afastavam em busca dos açudes próximos, onde, sobre a lâmina de água barrenta se atiravam, em voo de flecha, molhando os bicos e as penas.
Até que um dia, de repente, lá se iam as andorinhas, numa fuga misteriosa, abandonando a vila e a igrejinha humilde que as hospedara, emprestando-lhes os beirais para o calor dos ninhos
Para onde fugiam?
Ninguém sabia explicar.
Nem “seu” Joaquim, de bodega vizinha, que dava notícia de tudo: de “coiteiros” que aparecessem, disfarçadamente, ou de volantes que pernoitassem na rua, na perseguição ao grupo de Lampião.
O velho Numeriano, no caldo-de-cana de seu Zé Tomaz, dizia que as andorinhas tinham voltado para as beiras do São Francisco, em cujas margens e ilhas elas viviam e se multiplicavam.
O negro “Bezouro”, por sua vez, com os olhos raiados de sangue, a voz roquenha de tangedor de gado, que batia as estradas poeirentas levando boiadas para Alagoa de Baixo, Vila Bela, Salgueiro e outros lugares, afirmava, entre duas “bicadas” de aguardente, na venda de seu Leopoldo Mafra, que as “indurinhas” vinham dos rochedos da Serra do Araripe, e, para lá voltavam, quando se acabava o inverno e o calor chegava para o sertão.
´É lá que elas “assiste”, pois “indurinha” é “passo” de frio e ali tem mata que o sol não atravessa, e furna, prá elas viverem, onde só moram morcegos e onça pintada.
Ninguém, no entanto, sabia, com precisão, o destino das aves que enfeitavam, por algum tempo, o céu azul do sertão.
O certo, (sei-o eu, tantos anos passados), é que elas fugiram.
E levaram nas asas ligeiras, para o distante e misterioso país onde se esconderam, os dias ensolarados da infância descuidosa, passada na “ribeira” ardente do Riacho do Cupiti, enfeitada de juazeiros e de quixabeiras e recendendo, nas noites de lua, ao suave perfume dos pereiros em flor.
Crônica de Luiz Cristóvão dos Santos, extraída do livro Caminhos do Sertão.
Edição 1970.
Creio que como eu, muitos custodienses se sentirão protagonistas dessa história.
(*) Enviado ao Blog pelo colaborador Jorge Remígio.
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