José Soares de Melo
Recife-PE
Março/2012
Anteriormente já falei de Carí, de sua participação no Bloco do Cariri. Como disse ali, efetivamente ela chefiava as mulheres de vida fácil no Sepitinga. Eram inúmeras, que viviam basicamente do faturamento que obtinham nos dias de feira, nas festas de São José, ou em incursões por outras cidades.
Mas
o tempo foi passando, o crescimento da cidade foi aumentando, as
habitações se aproximavam do Sepitinga, que era relativamente afastado
do resto da cidade – ficava por trás das Avenidas Manoel Borba, Onze de
Setembro, e da Rua Dr. Fraga Rocha. Com o passar do tempo as construções
invadiram o que um dia fora a zona, e a profissão mais antiga do mundo
teve que se render ao progresso: acabou a zona. As mulheres
espalharam-se pela periferia, outras mudaram de cidade, e a chefe tomou
uma decisão: abandonou a vida fácil e foi ser fazendeira, num pedaço de
terra no sítio Catolé.
Lembro
perfeitamente do visual adotado por Carí, quando passou a cuidar de seu
rebanho caprino: calça e camisa masculinas – coisa rara naquela época,
botas de vaqueiro, chapéu de couro, transformando-se assim numa
autêntica sertaneja masculinizada.
Dava duro, plantava sua lavoura, cuidava de seu rebanho, enfim, levava uma vida igual a de milhares de bravos sertanejos.
Não
se sabe como, surgiu no seu rebanho de caprinos, uma raça de bode com
uma característica absurdamente estranha: os Bodes, apesar de Machos e
bons reprodutores, davam leite! Sim, davam leite, sim senhor. É verdade
que era pouco leite, mas dava. Isso chamava a atenção de quantos vissem,
e não raro, muitos faziam questão de ir conhecer aquela coisa estranha
para todos dali.
Recordo
que em frente a sua casinha, à beira da Estrada que ia para Maravilha,
havia uma cancela, que obrigavam os veículos a parar para poder abrir a
cancela e passar. Sempre que passava lá eu ficava imaginando como é que
Carí se adaptara a uma vida tão difícil como aquela. Hoje, creio que
entendo porque ela se adaptou: é que a “as mulheres de vida fácil” que é
como chamavam as profissionais do sexo, na verdade tinham uma vida
muito pior que a dura vida do homem do campo.
Não
sei o final dessa história. O tempo se encarregou de apagar o roteiro
de uma vida que marcou tantas pessoas naquela cidadezinha. Talvez porque
essas pessoas não quisessem ser lembradas como alguém que viveu àquela
época, como se aquela vida fosse amaldiçoada. Ela foi uma líder coerente
com sua condição de prostituta enquanto ralou na chamada “vida fácil”, e
foi uma cidadã perfeita quando resolveu deixar aquela vida para trás.
José Soares de Melo
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