16 junho, 2023

Paulino "Caititu" - por José Melo


Texto: José Soares de Melo

Parece que estou vendo aquela cena, repetida tantas e tantas vezes, à beira da cacimba, escavada as margens do Riacho Custódia. A longa fila de latas, a meninada pintando o sete, as “ botadeiras d’ água” fofocando, enquanto aguardavam a vez de encherem suas latas da água que serviria para beber nos lares da cidadezinha que mal acordara. A grande maioria dos meninos vinha buscar água, em pequenas carroças improvisadas de caixotes, para o consumo doméstico, pois a água do Banheiro, como era chamado o chafariz público, era imprestável para beber, pelo alto teor de sal. Além deles, as “botadeiras”, com suas rodilhas e latas que equilibravam com maestria na cabeça, e alguns homens que ganhavam algum dinheirinho abastecendo os lares mais abastados, com seus galões, equipamento composto de duas latas dependuradas por cordas em um pau – pau-de-galão, que eles carregavam sobre os ombros.


Entre estes, um era a diversão da garotada. Paulino, caboclo de pele curtida pelo sol, que tinha uma mão deformada, consequência de um acidente em um equipamento das antigas fábricas de Caroá. Equipamento esse que era conhecido por Caititu, o que rendeu a Paulino esse apelido, que ele detestava e quando algum garoto gritava esse nome próximo dele, ele ficava literalmente louco. Jogava pedras, paus, o pau-de-galão, a cuia, o que estivesse próximo servia de arma.

Nessas ocasiões eram comuns as brigas entre os usuários da cacimba. Um dos motivos de constantes brigas, era o desaparecimento de cuias, que serviam para captar a água da cacimba e levá-la para a lata. Numa dessas, um gaiato botou a culpa do desaparecimento da cuia em Paulino e ele ganhou mais um apelido: “Ladrão de Cuia”. Não se sabe com qual apelido ele se enfurecia mais, se “Caititu” ou “Ladrão de Cuia”. Qualquer um dos dois era motivo para carreiras, pedradas atiradas a esmo, gritos enfurecidos, xingamentos às pobres mães dos trelosos garotos. Muitas vezes, não satisfeitos, eles seguiam Paulino, e em cada esquina gritavam os apelidos, corriam, se escondiam e esperavam ele se acalmar para em seguida voltar a provocar o pobre coitado.

E assim viveu Paulino até o dia em que o progresso acabou com a profissão dos “botadores d’água”: a chegada da água encanada encerrou aquele ciclo de vida em Custódia. E Paulino ficou na dependência de familiares até que o advento da aposentadoria do trabalhador rural trouxe para Paulino – acredite a sorte e o azar. A sorte porque ele pode viver durante algum tempo independente, com seu dinheirinho próprio para se manter. Azar porque a mesma aposentadoria que lhe dava o sustento, fez com que numa madrugada após o dia do pagamento do FUNRURAL, seu corpo aparecesse estirado sobre seu sangue numa ruela escura da cidade, vítima da violência que o progresso trouxe. Segundo dizem, foi morto pelo dinheiro da aposentadoria.


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