Texto
Fernando Florêncio
Ilhéus-BA
Fevereiro/2014
Sempre fui avesso a qualquer tipo de
comportamento que servisse de chacota humilhante para o nordestino, muito
embora muitos deles, principalmente aqueles que migraram para São Paulo,
caíssem numa postura beirando o ridículo e por isto eram, e ainda são ridicularizados,
via de regra hostilizados, devido ao comportamento de capacho subserviente.
Contei no primeiro FOI ASSIM, que num domingo
qualquer, assistia na casa do Tio Catonho, em Nova Iguaçú a um programa de
televisão cujo título exprimia bem a necessidade dos participantes: TOPA TUDO
POR DINHEIRO.
Naquele programa tinha de tudo. Do sério ao
hilário.
Certo domingo apareceu um candidato participante
bastante desinibido, trajando uns andrajos, cujo paletó indicava que o “defunto
era maior”.
O apresentador perguntou o que ele fora fazer
ali. O que ele se propunha a apresentar para ganhar os cem cruzeiros.
--“VOU
IMITAR UM JEGUE.”
Quando o cara perguntado de onde era, de onde
tinha vindo, respondeu:
--SOU DE
SERRA TALHADA, PERNAMBUCO!
O mundo desabou sobre mim, para não ver até aonde
iria parar aquela presepada, fiquei rubro de raiva e desliguei a Tv. Não quis
ver o desfecho daquele quadro imoral.
Depois me disseram que o candidato que imitou um
Jegue, ganhou o prêmio do programa pela perfeição da apresentação.
Relinchou, coiceou e conseguiu a proeza de
murchar as orelhas tal qual faz os nossos jumentos quando se sentem acossados.
Essa do cara murchar as orelhas, deve ter sido
patético. Já vi alguém mexer com as orelhas, mas murchá-las...!
Com a chegada da nossa família ao Rio de Janeiro,
Zé Daniel, Dona Laura Florêncio, as minhas irmãs, Dulcilia e Darcira, além dos dois
sobrinhos, todos tiveram que passar por um aprendizado de como proceder em
“Terras Alheias”, teriam que ter muito cuidado nos termos usados para que
fossem entendidos. Mesmo assim, aconteceram alguns “acidentes” que deixaram
muitos deles numa saia justa daquelas.
Quando meu pai entrou numa farmácia para comprar
um comprimido e pediu um “ENVELOPE DE
CACHETE” pra dor de cabeça, os balconistas olharam-se entre si, a seguir
olhavam pra cara do meu pai e riam,
perguntavam-lhe se ele tinha certeza que aquele tal de CACHETE se comprava mesmo em farmácia. Se não seria produto vendido
em loja de ferragens. A coisa clareou quando meu pai, já irritado falou de CACHETE MELHORAL.
Foi então que a ficha caiu, os balconistas
entenderam, venderam um envelope de Comprimido Melhoral (ácido acetil
salicilico) pra Zé Daniel que voltou para casa para curar a dor de cabeça, arretado
da vida, imaginando que tinha sido feito de palhaço pelos atendentes da
farmácia.
A história se repetiria quando Darcira foi
comprar num armarinho, uma caixa de “BILIROS”.(Grampos
para prender cabelos.) A balconista fez cara de espanto, perguntando o que era
aquilo e se Darcira estava querendo comprar aquela coisa no lugar certo. Aquilo
não seria coisa para ser comprada em padaria, ou mesmo em casa de produtos de
macumba. Foi preciso Darcira retirar do cabelo um daqueles grampos e quase
enfiar nas fuças da atendente. Desta vez a gozação foi tal que Darcira disse
poucas e boas para as balconistas que já eram três. Por pouco não sai tapas e
puxões de cabelos.
Ainda pude comprovar outra pérola do dialeto
nordestino.
Uma nossa vizinha estava com uma filha grávida em
vias de ir para a maternidade parir. Regina era seu nome. Quando minha mãe,
Dona Laura, encontrou na rua outra
moradora da vizinhança que perguntou por
Regina, Da. Laura respondeu que
Regina havia “DESCANSADO”, a mulher
ficou penalizada:
“COITADA DE
REGINA. MORREU TÃO NOVINHA. FOI DO PARTO, FOI?
Dona Laura não entendeu nada.
São Paulo como cidade eclética, berço
involuntário de pessoas provenientes de todo o Brasil, migrantes carentes de
necessidades diversas, sejam brasileiros ou estrangeiros, São Paulo sempre os
acomodou. Alguns mais, outros menos. Cidade cosmopolita.
Uma queixa estava sendo prestada por um
transeunte na Delegacia de Policia da Praça da Sé. Alegava o queixoso que
terminara de ser assaltado por um turista, e pelo que se depreendia, seria um
turista estrangeiro.
O Dr. Delegado acolhia a queixa, mas estranhava:
Um assalto praticado por um turista, se questionava.
Teria sido mesmo um turista? Impossível. Turista
não assalta, pelo contrário: É Assaltado
Pediu mais detalhes ao queixoso: Tipo físico,
arma usada para perpetrar o assalto, enfim, como teria sido.
O assaltado passou a descrever o assaltante:
Baixinho, 1,50 de altura mais ou menos, cabeça
proeminente, ou seja, cabeça grande achatada que dava ao rosto uma forma triangular,
coberta por um chapéu tipo solidéu de bispo e uma faca tipo peixeira na mão,
sacada do cós das calças.
O delegado identificou logo de quem se tratava.
Pela descrição o assaltante tinha tudo para ser o Severino Paraíba. Severino
aprontara mais uma. Chegado da Paraíba, fugido da seca feroz, não dera sorte em
São Paulo, perdera inclusive o endereço dos primos que o chamara para enricar
em “Sum Palo”. Severino passou a cometer pequenos delitos com a finalidade de
amealhar o dinheiro e comprar a passagem de volta para Patos Espinhara, sua
terra natal. Severino não levava jeito para aquele procedimento, por isso o Dr.
Delegado da Primeira Delegacia de Polícia da Praça da Sé, sempre se fazia de morto diante das queixas
contra Severino. A peixeira era um pedaço de serra de aço, que quebrada ficava
pontiaguda. Severino começou usando o ardil do falso revólver que consistia em
fechar a mão, esticar os dois dedos-indicador e médio-, cobri-los com um lenço
sujo, fingindo ser uma arma de fogo e anunciar o assalto como se armado
estivesse. Usou este método até um lutador de luta livre reagir com um “rabo de
arraia” acertando-lhe o queixo jogando Severino longe. Depois disso, Severino
levou um tempão sem aparecer na Sé.
Baixinho, barriga grande, com um chapeuzinho de
couro enterrado na cabeça tinha um barbicacho, uma tirinha de couro que descia
até o queixo para que o chapeuzinho não caísse numa eventual escapada. Como
disse lá atrás, o Dr.“Delega” tinha alguma intimidade complacente com Severino,
já o detivera e o aconselhara algumas
vezes. O delegado era gente fina. Talvez até paraibano como Severino.
Apenas para dirimir as dúvidas e certificar-se, o
Delegado esticou a conversa perguntando ao queixoso:
--Cidadão, em que o Senhor se baseia para afirmar
que foi assaltado por um turista?
E repetiu a máxima:
TURISTA NÃO
ASSALTA. PELO CONTRÁRIO, EM SÃO PAULO, PRINCIPALMENTE AQUI NA PRAÇA DA SÉ,
TURISTA É ASSALTADO.
Portanto relate o acontecimento.
Pois é Doutor, foi assim:
--No meio do povão, o assaltante aproximou-se de
mim, encostou a ponta de uma peixeira enrolada num papelão na minha barriga e
foi ameaçando:
- ISBARRE AGORA E PERA AÍ SEU BIXIGUENTO!
- ARRIBE OS
BRAÇO E NÃO SE BULA.
- DEIXE DE
PANTIN E NUM FAÇA MUNGANGA.
- ME DÊ LOGO
ESSA BRUACA SE NÃO FAÇO DO SEU BUCHO UMA ARUPEMBA.
Diante deste dialeto o Dr. Delegado que não tinha
intimidade e não conhecia este idioma, foi obrigado a concordar, registrando a
queixa como a vítima relatava.
Fora mesmo um turista.
Tempos depois Severino Paraíba mandava para o
Delegado da Sé, notícias da sua cidade. Notícias agradecidas procedentes de
Patos Espinhara, na Paraíba.
Aos trancos e barrancos Severino amealhara a
passagem de volta.
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