Avistados de
longe, os coqueiros do sítio de Dona Anita Remígio indicavam que
Custódia era ali. Plantada no sertão bravio de Pernambuco, banhada pelo
Rio Moxotó, na região homônima, foi lá onde nasci e passei a infância e
juventude. Um lugar aprazível em que vivi os mais risonhos e felizes
dias de minha existência.
Dela guardo
muitas e gratas recordações. É bom e faz bem volver ao passado, pelo
prazer da volta e pela necessidade de rever atitudes e refazer decisões.
E mais, por que dá gosto falar das coisas belas do mundo e das
passagens alegres da vida. E mais ainda, por que as coisas boas devem
ser lembradas e revividas. Daí a razão deste escrito, que tem como
escopo lembrar fatos, lugares e pessoas de minha terra, para a
preservação da sua história. A história é a vida e a alma de um povo.
Antes de tudo
me vem a imagem da Igreja Matriz de São José, considerada um dos templos
mais belos da região. Nela iniciei minha caminhada católica,
apostólica, romana que continuo até o presente momento. Não entendo um
homem sem espírito religioso e sem Deus no coração. A fé é um dom divino
e deve ser e alimentada permanentemente pela esperança e caridade.
A Fonte de
Sabá, vertente da Serra da Torre, é o ponto culminante do Município. Sua
água pura e cristalina, rica em sais minerais é, segundo análise do
Departamento de Saúde do Estado, uma das mais completas de Pernambuco.
Um fato curioso, que chama a atenção de todos, é que, um pouco acima da
fonte, em torno de uns duzentos metros, há uma outra fonte de água
magnesiana. Até hoje, em que pesem as inúmeras tentativas, a fonte nunca
foi explorada devida e convenientemente. Não sei se pelo seu difícil
acesso, se por deficiência de vazão ou se por falta de meios
financeiros. É lamentável, sob todos aspectos, especialmente pela
frustração da bíblica rainha que a ela emprestou o nome. Que o diga o
sábio rei Salomão.
O Bar Fênix, de
propriedade do competente e empreendedor tabelião Né Marinho, era o
principal ponto de atração da cidade, onde se realizavam os bailes e a
rapaziada se reunia para comes e bebes, jogar sinuca, falar das
aventuras amorosas, ouvir as lorotas de Jovino Costa Leão e os discursos
de Catonho Florêncio. Mas o que mais empolgava a turma da fuzarca eram
os bailes, mormente pela oportunidade de ter as moças nos braços,
sentindo o arfar dos seus seios e as batidas dos seus corações. E, para
completar o quadro, no sereno, as vitalinas, com olhares maliciosos,
acompanhavam os dançarinos nos seus rodopios. Outros tempos! Outros
costumes!
Um lugar
bastante movimentado era a Farmácia Pereira do farmacêutico licenciado
Joaquim Pereira, onde havia o único rádio da cidade, que se enchia de
gente todas as noites para ouvir o Repórter Esso, programa radiofônico
de maior audiência nacional, com as notícias da 2ª Guerra Mundial (1939 a
1945), deflagrada pela Alemanha nazista sob o comando do sanguinário
Adolfo Hitler, com o holocausto de mais de vinte milhões de judeus e que
culminou com a deflagração dos bombardeios atômicos pelos Estados
Unidos, destruindo as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, que,
ainda hoje, causam danos.
E, nas noites
das quintas-feiras, a farmácia se enchia novamente de gente para
assistir ao consagrado programa de rádio de Jararaca e Ratinho. Joaquim
Pereira, como um bom pedreiro, de compasso e esquadro à mão, sabia como
conservar intactas as colunas que sustentam as obras do Grande Arquiteto
do Universo. Rendo as minhas homenagens ao velho farmacêutico pelo
espírito de benevolência e solidariedade.
Houve uma época
em que os estudantes de Custódia tinham predileção pelo Aprendizado
Agrícola de São Bento. Ficava localizado no Município de Vitória de
Santo Antão-PE., em meio a campos verdejantes e floridos. Era um colégio
agrícola, constituído de quatro imponentes prédios, com linhas
arquitetônicas de rara beleza, entre os quais dois com mais de um
pavimento, neles funcionando diretoria, cozinha, refeitório,
dormitórios, salas de aula, sanitários e banheiros, enfermaria,
gabinetes médico e odontológico, aposentos dos professores, quartos para
internamentos, sapataria, rouparia e um suntuoso parlatório. Sua
entrada, de fino gosto, era uma bela alameda margeada de palmeiras
imperiais.
Os eucaliptos,
altos, lisos, linheiros, perfumavam o ambiente. Tudo muito bonito e bem
cuidado. Havia um extenso pátio, inteiramente gramado e cheio de rosas e
flores. Um lugar verdadeiramente encantador. Estabelecimento federal de
ensino, gratuito, propiciava aos alunos, além de estudos teóricos e
práticos, comida, roupas, calçados e tudo o mais necessário a uma boa
formação educacional.
De
características militares e rígida disciplina, tinha uma banda marcial
completa e primava pela ordem unida, proporcionando desfiles
espetaculares. Fundado por Apolônio Salles, Senador por Pernambuco, um
político atuante e de grande prestígio, que teve ativa participação no
funcionamento da hidrelétrica da Cachoeira de Paulo Afonso. As
atividades desenvolvidas pelos alunos eram de uma magnitude fora do
comum.
Na parte
agrícola havia extensas áreas de terras massapé, com cultivo de milho,
feijão, melancia, abóbora, mandioca, macaxeira e, especialmente, uma
estação experimental de cana-de- açúcar com predominância das variedades
caiana, demerara, p.o.j. e fita, a qual, pela reconhecida importância,
era alvo, todos os anos, de aulas prática para os alunos de agronomia do
Recife. Um apiário modelo, de abelhas italianas, com cerca de duzentas
colméias, produzindo o mais puro mel centrifugado.
Um aviário bem
estruturado, com criação de galinhas das raças leghorn brancas,
poedeiras, e ligtht sussex vermelhas, de corte, chocadeiras e pinteiros,
com um plantel de mais de mil aves, considerável produção de ovos e
pintos comercializados na capital do estado. Um estábulo, com criação de
gado das raças holandesas e red-poli.
Uma pocilga que
primava pelo asseio. Uma horta, com cultivo de flores, verduras e
hortaliças de várias espécies. Um verdadeiro festival de operações. Com
um agrupamento em torno de duzentos alunos, tinha como matérias
principais as cadeiras de Veterinária e Zootecnia, lecionadas por Dom
Agostinho Ikas, frade beneditino alemão do mosteiro local, de
reconhecida cultura humanística.
Dispondo de um
serpentário, o estudo do ofidismo era a preferência dos alunos, com
muitos deles criando cobras e mantendo intercâmbio com o Instituto
Butantã de São Paulo.
Ao lado do
colégio o Mosteiro de São Bento da ordem dos Beneditinos. O prédio e a
capela de tamanha imponência lembravam os similares da Europa. O
carrilhão, composto de enormes sinos, era um número à parte, cuja
sonoridade era ouvida a léguas de distância. Até hoje não vi em lugar
nenhum algo do gênero que o igualasse.
Os alunos
tomavam parte nas cerimônias religiosas do convento, muitos deles
pertencentes à Congregação Mariana, dos moços, movimento católico
correlato à Associação das Filhas de Maria, das moças. Fazia gosto ouvir
os piedosos cantos gregorianos pela voz dos velhos frades.
Entre os alunos
de Custódia, cito José Florêncio, Murilo Remígio, Valdemar Pires,
Milton Aleixo, José Carneiro, Expedito Maranhão, Demócrito Queiroz, José
Lopes, Alcântara e Amadeu Gonçalves, salientando que somente José
Florêncio, Murilo Remígio, Milton Aleixo e José Carneiro conseguiram
concluir o curso de Técnico Agrícola.
Assim era o
velho e tradicional Aprendizado Agrícola de São Bento, do qual guardo
grandes e inesquecíveis lembranças. Nunca entendi a razão da demolição
daquelas obras para a construção da barragem de Tapacurá. O Aprendizado
tinha ares de universidade.
Na mesma fase o
Ginásio Cristo da Diocese de Pesqueira, na época sob o pastoreio do
Bispo Dom Adalberto Sobral e dirigido pelo Padre João de Sousa Lima,
natural de Tacaratu-PE., sacerdote à frente do seu tempo, depois Bispo e
Arcebispo, foi outro centro de atração dos estudantes de Custódia.
O Cristo Rei,
pela capacidade e dedicação dos seus professores e, notadamente, pela
qualidade do ensino, era apontado como um dos melhores educandários do
estado. Por ele passaram Ernesto Queiroz Júnior, José Elídio de Queiroz,
José Carneiro, José Veríssimo e Carlos Pires, evidenciando que José
Pereira Neto e suas irmãs Noêmia e Joany Pereira foram estudar no
Colégio Americano Batista do Recife. Sílvio Carneiro, Pedro Pereira,
Adalberto Lopes, Antônio Medeiros, Jovenildo Pinheiro, Fernando
Florêncio, José Melo, Fernando José, Paulo Peterson, Jailson Vital,
Jorge Remígio, Airton Bezerra, Hélio e Herbet Pires, Assis Moura, João
Elizeu, Luizito Epaminondas e Zezito Caju, entre outros, vieram depois.
Quanto às
moças, das quais menciono Djanira, Maria do Carmo e Dondom Pires, Neuza,
Neuma e Darcira Florêncio, Elizete e Zefinha Lopes, Zezita e Gracinha
Queiroz, Leny, Vanise e Laíse Pires, Cacilda Andrade,Terezinha Amaral,
Dineuza Carneiro, Sevy Gomes, Jussara Burgos, Maria José Amaral (Zezé),
Odete Andrada, Ednalva Marinho e Sila Veríssimo se distribuíram pelos
colégios de Triunfo, Pesqueira, Caruaru e Vitória de Santo Antão.
Como se vê, os
jovens de Custódia já naquela longínqua época deixavam sua terra e
ganhavam o mundo em busca de novos horizontes, numa demonstração de fé e
esperança no porvir.
O Aprendizado
Agrícola de São Bento e o Ginásio Cristo Rei de Pesqueira foram os
melhore sonhos e as maiores realizações da minha existência. Daí a razão
destas manifestações sentimentais, que são, antes de tudo, um
depoimento do muito que representaram e ainda representam na minha vida
pública e privada.
Não resisto à
tentação de prestar merecida homenagem a Carlos Alberto dos Santos Lopes
pelo seu nobre idealismo, em se dedicando de corpo e alma na feitura e
publicação de livros, os melhores amigos.
Embora não seja
ele filho de Custódia é, no entanto, um custodiense de coração, tendo
nela vivido boa parte de sua vida e a ela oferecendo o que de melhor um
filho pode dar à terra mãe. Tenho-o, assim, como o novo Mecenas caboclo
das caatingas do Pajeú e Moxotó. Pois que,”bendito o que semeia
livros... livros à mão cheia e manda o povo pensar”, como pontificou
Castro Alves.
Apraz-me
encerrar este arrazoado mostrando Custódia na melhor fase de
desenvolvimento econômico da sua história, na década de 1935 a 1945, em
que era o município maior produtor de algodão e mamona da região.
Contava com duas bolandeiras, uma fábrica de tanino, única da espécie no
país, exportando o produto para o exterior, cinco usinas de caroá,
pioneira no ramo, sobressaindo-se a Fazenda São Gonçalo de propriedade
do caruaruense Aurélio Vasconcelos, com grande extensão de terras,
explorando a agricultura e o criatório, além da maior e mais bem
aparelhada usina de caroá do território, dando-se ao luxo de dispor de
um teco-teco e de uma moderna aparelhagem de transmissão radiofônica.
Custódia sempre
foi uma cidade em constante desenvolvimento social e econômico. Rica em
folclore e afeita à prática do saber e da cultura, tem dado filhos
ilustres, muitos deles ligados à literatura como escritores, poetas,
artistas, além de bons profissionais nas mais variadas áreas do
conhecimento. De clima ameno e agradável, com gente simples e
hospitaleira, é uma terra boa de se viver em paz e sossegadamente.
Custódia, sou um feliz escravo do teu passado!
José Carneiro (In Memorian)
Que descrição mais linda desta minha cidade ,Custódia. Não nasci aí mas sou Custodiense de coração. Com muito amor pelos anos que aí vivi e nunca esqueci.
ResponderExcluirLucia Marta Assis.❤️
Parabéns minha terra amada custodia quimtimbu Pernambuco Brasil
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