A FEIRA
Puxo a rédea
de “Charuto” e o cavalo estanca no meio da ladeira. O caminho estreito
se estira entre juremas e catingueira, galgando a serra do Mandacaru.
Em baixo, está
a planície, cortada pela fita cinzenta da rodovia, onde a todo instante
os “Volks” chispam, velozes, e, madrugada afora, pesados caminhões, com
cargas gigantescas, rolam surdamente, estremecendo o agreste
adormecido.
Vejo a casa da
fazenda aconchegada à sombra das árvores. O sol faísca no azul e
rebrilha na água do açude, em cujas margens distingo as crianças. Devem
estar brincando à volta d’água, os pés metidos na correnteza do sangra-douro, pescando de anzol, fazendo cacimba e ilhas na areia grossa.
Foi assim a minha infância na fazenda “Cangalha”, na antiga vila de Custódia.
E, hoje, num
milagre, me revejo nos filhos, soltos ao sol, na festa da manhã radiosa,
derramada sobre a fazenda, onde, fiel às raízes, reencontro os caminhos
que ficaram perdidos na geografia da infância.
Ajeito o loro
da sela. Levanto um pouco mais os estribos. E, a um pinicado de espora,
sacudo as rédeas e recomeço a viagem.
Logo depois
da várzea que está à frente, onde o capim ondula, feito um mar verde e o
gado pasta, mansamente, aparece a ruazinha do povoado. Na singela torre
da igrejinha estão abrigadas centenas de inquietas e barulhentas
andorinhas, vindas com as primeiras chuvas, ninguém sabe donde. A
matutada vai chegando para a feira com as cargas de cereais e frutas.
Vou comprar carne de sol, correias para uns chocalhos, pólvora e chumbo para espingarda. Atravesso o borborinho,
me sento no banco da Farmácia (era assim, na farmácia do meu pai, em
Custódia), para saber das pobres notícias daquele mundo humilde, parado
no tempo, distante do progresso, onde a vida escorre, simples e lírica,
como um riacho.
À tarde,
quando o sol esfriar, arreio o cavalo para a viagem de volta. E,
novamente, do alto da serra, olho a paisagem aberta como num anfiteatro
imenso e que se desenrola na direção do horizonte, fechado em círculo
pelas montanhas, que azulam, ao longe, para os lados da Paraíba.
A volta é mais
rápida pois a descida apressa os passos. Estaco à sombra do umbuzeiro,
bem na frente da casa. Então a meninada me cerca. E, entre beijos e
abraços, ouço a amorável pergunta de sempre, que me enternece e comove:
- Que foi que trouxe prá mim, paizinho?
Crônica de Luiz Cristóvão dos Santos.
Extraído do livro Caminhos do Sertão. 1970
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