Jornal Quatro Cantos
Olinda-PE
Janeiro/1992
Texto:
Jovenildo Pinheiro de Souza (Historiador)
Custodiense colaborador do Blog Custódia Terra Querida
A historiografia oficial falsificou e falsifica todos os fatos de nossa história, tentando ocultar e manipular o fato de que o nosso povo sempre lutou e foi derrotado por uma minoria dominante. Segundo José Honório Rodrigues, em discurso pronunciado na Academia Brasileira de Letras, no dia 5.12.1969, por ocasião de sua posse como imortal, a história do Brasil “sempre glorificou os vitoriosos, baniu os derrotados, esqueceu o trabalho do povo, memorizou o desgoverno, louvou Caim, desamou Abel, hostilizou Benjamim. E conclui: “Sempre uma liderança soturna e aterradora impôs ao povo grandes medos, desfez seus sonhos, aniquilou suas aspirações e esperanças".
Ao contrário do que afirmam os historiadores de fancaria, os tartufos de província e os covardes aduladores do poder, o povo brasileiro sempre lutou ao longo de sua história, uma história de lutas continuas e sem desfalecimento e que tem sido deliberada e criminosamente falsificada pela historiografia oficial, a qual tenta apagar de toda as formas a palavra luta da memória coletiva de nosso povo.
Lampião mais do que qualquer outro combatente, sintetiza o significado da palavra luta em todas as suas implicações. Optato Gueiros, ex-comandante das forças militares que combateram Lampião ao longo de anos, escreveu o seguinte no seu livro de memórias: “A argúcia de Lampião e sua sorte, a par da admirável resistência física e lucidez de raciocínio, valeram-lhe a reputação de ser considerado como o único guerrilheiro da sua espécie, que fez o maior número de vitimas e que empenhou-se em combates sem conta, não havendo outro que o igualasse nos anais do crime, não somente no Brasil e na América do Sul, mas também nas outras Américas”.
A historiografia oficial tenta escamotear os feitos militares de Lampião, suas brilhantes vitórias contra as forças militares do Nordeste, afirmando que tais combates não passaram de simples escaramuças, sem maiores significados. A história oficialesca não gosta de mencionar dois combates, nos quais a estratégia e a valentia pessoal de Lampião ficou demonstrada de forma soberba e magistral. Foram as batalhas de Serra Grande, nos arredores da atual cidade de Serra Talhada, em 1926 e o combate de Maranduba, em Sergipe, no ano de 1932, no qual foram quase que totalmente aniquilados os terríveis nazarenos.
A rebeldia social de Lampião, opõe-se a tese cavilosa de que ele não passava por duas décadas foi o palco onde surgiram e desenvolveram-se antigas raças indígenas, tais como os tapera, os tremembe, os potiguara, os atikun, os pankarard, os kukurú, os fulniô e os kariris, para cintar somente estas.
Portanto, a região percorrida por Lampião já tinha sido palmilhada por gerações e gerações de índios, antes da chegada dos colonizador português. E Lampião soube ler, genialmente, o que estava escrito na natureza e na sociedade, onde lhe tocou viver seu drama e sua epopeia.
A esse respeito, poderíamos ilustrar a relação de Lampião com a paisagem tórrida e desértica do Raso da Catarina, uma das mais estranhas e curiosas regiões do país.
Considerando como sendo o grande deserto brasileiro, o Raso da Catarina tem cerca de 5 mil km² e é uma área praticamente desabitada, a não ser pelos caboclos-índios, como eles mesmo se denominam. São descendentes diretos de uma antiga nação indígena - os pankarakú - que se miscigenaram há muito tempo com negros e quilombos da região e formaram um tipo peculiar de sertanejo, bem marcado pelos costumes e tradições dos seus ancestrais. Foram eles que mostraram os caminhos do Raso da Catarina a Lampião e seu grupo, que ali se abrigavam da policia, que não tinha condições de persegui-los no interior do Raso, tornando-o numa espécie de santuário para o lendário chefe guerrilheiro.
As forças militares, depois de 50 anos da morte de Lampião, foi que atentaram para o fato de que as roupas dos guerrilheiros eram as mais apropriadas para enfrentar a rudeza dos sertões. E assim foi que em 1987 o ex-presidente José Sarney, durante as comemorações do Dia do Soldado, conheceu o primeiro uniforme genuinamente nordestino e que passou a ser utilizado pelas unidades baseadas na caatinga. Muito semelhante a vestimenta tradicional do sertanejo, o uniforme da caatinga é composto por um chapéu de couro, blusa caqui com proteção em couro, como um jibão, calça caqui com perneiras em couro, cinto verde com fivela preta, luvas e coturnos especiais. (Fonte: Jornal do Brasil, 20.8.1987).
A morte de Lampião pode ser ilustrada pela poesia feita por um guerrilheiro basco, horas antes de ser fuzilado pelo antigo regime do ditador Franco:
“Amanhã me enterrarão
Não venham chorar por mim
Eu não estarei ali
Serei vento de liberdade..."
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