No retorno do
“nosso” tão querido blog, decidi levar aos conterrâneos um pouco das
minhas reminiscências, lembranças de minha infância que ficaram
impregnadas para sempre na memória.
Nossa memória tem a característica de ser seletiva. Ela guarda
aquelas cenas que mais marcaram na nossa vida, e entre estas, guardo até
hoje lembranças de figuras que marcaram época na nossa Custódia.
Marcaram não por seus feitos, suas bravuras, seus atos elogiáveis, mas
apenas pela simplicidade, pela humildade, pela maneira humana de viver a
vida, apesar de todas as agruras por que passaram.
A partir de agora, sempre que o tempo permitir, e a memória não se
negar a processar esse arquivo inesgotável de lembranças, levarei aos
internautas a minha concepção de algumas figuras custodienses que guardo
na lembrança.
Vamos a primeira figura que despertou nas minhas lembranças.
IOIÔ
Ioiô foi um esmoler que percorria as ruas da pequenina Custódia entre as
décadas de cinquenta e sessenta, sempre com um sorriso aberto,
implorando para a caridade da população, para a sua sobrevivência.
Portador do mal de Parkinson, praticamente não falava, apenas balbuciava
sons ininteligíveis, para pedir a esmola para a sua sobrevivência.
Herdou de seus antepassados, o costume de tratar todas as pessoas por
Ioiô, no caso de homens, razão de seu apelido que apagou para sempre o
seu nome de batismo, ou Iaiá no caso de mulheres. No caso de crianças,
ele usava o diminutivo: Ioiozinho ou Iaiazinha.
Parece ver Ioiô, com seus músculos trêmulos, em uma das mãos um bastão
para se apoiar e na outra uma improvisada tigela, feita da embalagem de
queijo do reino, um “bisaco” à tiracolo para acumular o pouco que
recebia dos piedosos irmãos.
Não sei porque eu sempre sentida por ele um profundo respeito, e me doía
ver o seu sofrimento para se deslocar pelas ruas da cidade, com o corpo
trêmulo, esmolando e agradecendo demoradamente a cada esmola recebida.
Ioiô tinha a faculdade de ser um excelente benzedor, como se fala hoje, ou “rezador”, como se dizia na época.
Naqueles tempos, a maioria das mazelas da comunidade era tratada com
ervas e com rezas. Estas, através de pessoas que tinha o dom da cura,
segundo a crendice popular. Rezava-se pra tudo: mau olhado, olho grande,
soluço, espinhela caída, doenças não identificadas, etc.
Interessante na reza contra o mau olhado, era que, segundo os rezadores,
se após o final da benzedura, os ramos de ervas usadas pelo rezador
ficassem murchos, era sinal de que a criança estava com bastante mau
olhado.
A população de então acreditava piamente nos poderes das rezas. Tanto,
que acreditavam no poder da reza para coisas inacreditáveis, como
extinguir incêndios, curar dor de dente fazendo-o cair da boca, cura
preventiva do veneno das cobras, e uma infinidade de utilidades que as
rezas tinham. Vez por outra surgiam rezadores com poderes
extraordinários na voz do povo. Lembro de um senhor que morava próximo à
Vila de Rio da Barra, que de um momento para outro se transformou em um
verdadeiro mito da benzedura, e com o sucesso perante a população,
passou a residir em Custódia, para melhor atender aos necessitados.
Morava vizinho a nossa casa, na então avenida Presidente Kennedy, e vi
por diversas vezes sua casa se encher de populares em busca da cura para
seus males.
Mas voltando a Ioiô, lembro que ele residia no alto que ficava por trás
das Avenidas Onze de Setembro e Dr. Manoel Borba, próximo de outra
figura emblemática de Custódia (de quem falarei oportunamente), que era
Cari. O local era praticamente desabitado, com a existência de dois ou
três casebres de taipa. Esse local fica exatamente na parte mais alta da
Travessa Heleno Aleixo, hoje importante artéria de nossa cidade.
Todos os dias, religiosamente ele saía ás ruas da cidade fazendo as duas
únicas coisas que podia fazer: esmolar e rezar em crianças acometidas
do mau olhado, da “Dor D’ Ói”, que era como se chamava a conjuntivite, e
de uma série infindável de males que acometiam as crianças da periferia
de nossa cidade.
Com o passar do tempo, a idade foi diminuindo a sua frequência nas ruas
da cidade, até que por fim sumiu das ruas da cidade. Por sua
simplicidade e humildade, caiu no esquecimento da maioria da população
custodiense. No entanto, sua passagem terrena por Custódia serviu para
ajudar a formatar o mesclado riquíssimo que foi a composição da
comunidade custodiense, que vinha desde os mais simplórios e humildes
personagens, aos integrantes de famílias tradicionais e abastadas.
Presto, assim, minha modesta homenagem a essa figura simples, humilde, sofredora mas sempre sorridente, que foi Ioiô.
Zé Melo
Zé Melo
Conheci muito, Ioiô e sua esposa. Moravam na travessa da Gomes de Oliveira, Rua Antônio do Posto.
ResponderExcluirLembro, também, de Pierre, era cego. Os meninos gritavam:
Pierre o caixão tá Pronto! Isso era uma afronta.🤦🏼♀️
Não me é estranho esse nome Ioiô, como também alguém chamar Iaiazinha, mas não lembro da pessoa. Lembro que tinha uns idosos que rezavam na gente para curar doenças e mau olhado. Lembro bem do rezador que morava perto de Rio da Barra, era seu Manoel e dona Margarida, no início só ele rezava depois ela também passou a rezar, íamos um dia toda semana receber a reza.
ResponderExcluirUm homem brilhante como Zé Melo não poderia deixar de ter essa olhar para um homem simples e nobre.
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