19 dezembro, 2021

Onde estão os dessalinizadores de Arraes? - Autor Cristiano Jerônimo

*Cristiano Jerônimo é custodiense, jornalista, escritor e mestrando em Desenvolvimento Humano: Formação, Políticas e Práticas Sociais, na Universidade de Taubaté, UNITAU, São Paulo.

Quando eu era pequeno havia muito mais água do que agora nos grotões sertanejos.

Nitidamente, eu me lembro de todas as cercas devoradas pela força da tromba d’água alimentando o Riacho do Mimoso que, temporariamente, ficaria perene até o próximo inverno.

No sertão nordestino, clima semiárido, com áreas em processo de desertificação, a paisagem substituiu a tática e os benefícios o trabalho, ambos aquém da condição humana e sanitária que deve estar disponível a todas as pessoas. Lembro que quando eu era pequeno – há cerca de 40 anos – todos os invernos enchiam os riachos de forma volumosa, atolavam-se carros-de-bois, a safra chegava a se perder por não haver como secá-la. Por décadas havia um ou dois anos de seca.

Hoje, nós estamos com uma seca estrutural. Em Custódia, a 342 quilômetros do Recife, não corre mais água nos riachos do Mimoso, Quitimbu, Barra, Lamarão, entre outros afluentes que abastecem o Açude do Dnocs, próximo ao centro da cidade. Tomando como referência o Riacho do Mimoso, por experiência própria, ele está praticamente morto há mais de 20 anos. Não corre nem mais aquele fio d’água típico da seca. Agora chove, e até chove bem (muito sazonalmente e de forma inesperada). Eu sempre tenho perguntado ao pessoal que vai ao sítio no sertão: - E riacho? Botou água?

- Não, a chuva só deu para molhar a terra.

- E o barreiro, o açude enchegaram?

- Pegou uma aguinha.

Uma aguinha é muito pouco para o Sertão do Nordeste, que tem um dos maiores graus de evaporação de água do planeta. Uma aguinha é muito pouco para eu conseguir outra vez entrar no riacho rebelde e ser levado pela correnteza até por trás da casa de Marães, em frente à casa do meu tio-avô Pedro Raimundo Rezende. Aliás, havia um ótimo local, com riacho mais calmo, por trás da Bodega de Zé Lopes, ali próximo. Quando secava, não ficava esturricado, mas deixava correr aquele pequeno leito com pedras para as pessoas passarem sem se molhar. Tratávamos as caças ali (minha avó Marina Rezende e Madrinha Etelvina não deixavam fazer na cozinha delas). Depois íamos para os fundos da casa de Tio Toinho Rezende e assávamos nas pedras. Havia muita caça (há décadas não como caça e sou contra a caça, incluindo as onças que comem nossos bobes). Aliás, da quantidade de bode que se cria, 20% fica com a tal dessa onça que ninguém vê.

Voltando à sede, sou um dos que defendem que a principal solução para a convivência com a seca (por não mais usar o termo “combate à seca”), é a dessalinização da água abundante que corre no subsolo sertanejo. Nunca se furaram tantos poços quanto nos últimos anos. Só que a água que jorra é muito salobra, imprópria para o cultivo de lavouras. Apenas algumas espécies da flora se dão bem com a água semi-subterrânea do Moxotó.

No dia em que a água que jorra para a superfície, vindo de uma profundidade de cerca de 100 metros, for dessalinizada, as terras férteis do sertão poderão parir muito feijão, milho, abacaxi, goiaba, mandioca, batata doce, algodão, hortaliças e tudo o que o sertanejo sabe extrair da terra. Lembro que, em 2001, encontrei uma iniciativa que achei fascinante. O governador era Miguel Arraes e, dentro das suas ações no interior do estado, o Governo havia instalado dessalinizadores comunitários e eu fui lá ver. Tinha uma caixa d’água grande, sempre cheia, abaixo um sistema que não parecia complexo e o melhor de tudo: havia um local para colocar uma ficha de dez centavos, que processava a liberação de duas latas d’água, destas do tipo Querosene Jacaré. Água doce, água de beber. Fiquei maravilhado. Antes disso, as caixas d’águas de Quitimbu criavam escamas de sal, o sabonete e shampoo sequer faziam espumas, devido ao alto teor salobro.

Eis que em 2002, Jarbas Vasconcelos vence as eleições para governador e modifica as políticas públicas voltadas para o semiárido. Em 2003, fui visitar o ilustre Dessalinizador de Arraes e encontrei o campo mais limpo. Perguntei a um dos meus primos: - Cadê o aparelho? -, Ele disse que “levaram para consertar e não trouxeram mais”. Andando pela zona rural (minha praia) fui apresentado ao prêmio de consolação: um poço com motor e uma cisterna com torneira. Que bom! Bebi da água e achei purgante. Grossa, salgada, me deu mais sede depois que eu tomei. Mais uma vez nega-se o passaporte para o sertanejo plantar: a água dessalinizada. E a transposição do Rio São Francisco não resolveu nada. O aqueduto corta Custódia sem deixar uma gota d’água na cidade. A transposição, na verdade, está levando a água para encher açudes no interior do Rio Grande do Norte, da Paraíba, do Ceará. E se alguém se atrever a pegar um lata d’água no canal, vai preso por ter usado o próprio instinto de sobrevivência. Quanto custa investir nos dessalinizadores que Arraes implantou? O riacho continua seco. Os barreiros e os açudes também. Agora veja o quanto vale um voto, além de 10 vinténs? 2022!


(*) Todo e qualquer texto publicado não reflete necessariamente a opinião deste blog. Refletem apenas a opinião do autor

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