02 dezembro, 2021

Traços e Retraços - por José Carneiro


Por José Carneiro

Aqui vão alguns traços e retraços do tempo da infância e adolescência vividos na minha terra natal. São vozes do passado ecoando no presente. São lembranças antigas, agora revividas. São vozes e lembranças de ontem, hoje repassadas de saudade. São auroras e crepúsculos a que assisti da janela do meu mundo interior. São, enfim, imagens de um tempo encantador, que se foi e não volta mais, mas permanece na minha memória e no fundo do meu coração.

Nasci em Custódia nos idos de 1929. Já lá se vão oitenta e duas primaveras! Nela vivi, intensamente, até 1955, quando parti em busca de outros mundos. Agora, depois de tanto tempo, por obra e graça da força telúrica, eis-me de volta ao meu lugar. Doce reencontro!

Dos preparativos e realização da primeira comunhão, sob o ministério do padre João Amâncio, guardo uma das maiores emoções de minha vida, conservando, no fundo da alma, a magnitude daquela bênção sacramental. Padre Amâncio, como era chamado, é personagem completamente esquecida na história de Custódia. Era um homem corpulento, de feições grosseiras, sisudo por natureza, mas exemplar sacerdote e de uma fé inabalável.

A minha primeira professora, Veneranda Goes, tratada carinhosamente por Sinhá Goes, era uma mestra inata e dedicada ao magistério. Sentia-se orgulhosa em dizer que foi minha primeira professora e responsável pela minha alfabetização. Alta, vistosa, esbelta, andar garboso e, sobretudo, elegante no trajar. Foi uma das mais bonitas vitalinas da cidade. Lamentava não ter casado e disso não se conformava. Eu gostava muito dela e fazia questão de demonstrar meu afeto e gratidão.

A escola foi o centro da minha infância. Gostava verdadeiramente da vida escolar e das atividades letivas. Não obstante, nunca fui um aluno estudioso, embora qualificado acima da média da classe. Era mais afeito a leituras não didáticas e inclinado à literatura, escrevendo e declamando poesias. Lembro-me de algumas professoras primárias, destacando: Jucy, de Vitória de Santo Antão, baixinha, rechonchuda, graciosa, alegre e simpática. Ensinava bem; Irma, do Recife, alta, magra, morena, feiosa, de pouca conversa e estrábica. De uma austeridade fora do comum. Tinha como dama de companhia sua prima Lurdes, de linguajar, trejeitos e comportamento fora dos padrões do tempo e do nosso meio social; Ivete Matos, de Pesqueira, alta, magricela, morena, calada, carrancuda e indiferente a tu do e a todos. Teve hospedagem na casa de Dona Anita Remígio. Num dos magníficos dramas de Padre Duarte, fez dueto com Nildo Nino numa bela canção matuta, que falava numa casa bonitinha lá no alto dos oiteiros; e, por fim, Corsina, de Pesqueira, de todas a mais formosa. Alta, alva de olhos azuis, elegante e com características aristocráticas. Intelectualmente preparada e de educação esmerada. Usava óculos. Caiu na simpatia de todos. Era tia do Desembargador Fausto Freitas. Também me lembro de alguns colegas de classe e contemporâneos, mencionando, entre muitos: Milton Aleixo, filho de Heleno Aleixo e Dona Ernestina, minha tia pelo lado materno, magro, rosto anguloso, nariz adunco, canhoto, feioso mas simpático, inteligente e dos primeiros da classe. Foi o companheiro de infância com quem mais convivi, pois, além de primo, tínhamos muita coisa em comum. De forma inusitada deixou Custódia e partiu para São

Paulo, onde vive em completo anonimato, sem dar notícia a ninguém deste mundo;

José Neto, Noêmia e Joany Pereira, filhos de Joaquim Pereira e Dona Corina, formavam um trio harmonioso em comportamento, educação e formação doméstica. Zé Neto foi outro companheiro com quem sempre mantive um vínculo forte de amizade, apesar do seu exótico temperamento, e, quanto a Joany, há muito a se contar; Ernesto Queiroz Júnior (Ernestinho), José Elídio de Queiroz (Zito), filhos de Ernesto Queiroz e Dona Maria Josefina, sempre se destacaram dos demais, não tomando parte direta na vida simplória da meninada da fuzarca; Francy Moura, irmã de Maurina e Elvira Moura, filha de seu Nequinho Moura, a finura em pessoa. Calma, modesta, simpática, era a mais inteligente da classe, disputando o primeiro lugar com Joany Pereira; Elizeu e Osmaldo, filhos de José Marinho e Dona Olívia, eram de comportamentos arredios, sem nenhuma ligação com os modos e costumes da época, talvez por conta da rigidez educacional adotada pelo pai, Zé Marinho, como era conhecido, irmão de Né Marinho. Era um homem retraído, tendo se mudado de Custódia repentinamente, por razões ignoradas pela população, não se sabendo do seu paradeiro; Valdemar Pires, filho de João Pires e de Dona Candóia, era um menino que fugia à regra geral, notadamente por não se misturar aos demais; José Lopes e Zefinha Lopes, filhos de Manoel Lopes e Dona Isaque Lopes, modestos e reservados; Zélia Sá, filha de Zé Major e Dona Firmina, irmã de Socorro e Nizinha Sá, morena, prestativa, a bondade e simplicidade em pessoa; Cacilda Andrade, filha de Dona Olindina, morena, farta cabeleira, olhos vivos e brilhantes, de hábitos simples e serenos; e, para encerrar, Odete Ferreira, filha de Chico Ferreira e Dona Loló, irmã de Ceci, Eliete e Netinha, graciosa, risonha e calma, parecia que estava fora do mundo. No mais, fiz o que era comum à maioria dos meninos da mesma faixa etária naquela época: soltei balão, empinei papagaio de papel, joguei pião e castanha, cacei passarinho com baladeira, brinquei de peia queimada, fiz açudes nas enxurradas, esquipei em cavalo de pau, etc.... etc....etc...., mas, para ser franco, o que mais eu gostava era de tomar banho de chuva com o bando em alvoroçada disparada.

Da minha terna cidade
Onde vivi toda infância
Eu guardo ainda a fragrância
Do verdor da mocidade
Hoje lembro com saudade
Dos sonhos que sonhei nela
Naquela quadra tão bela
Que trago sempre presente
De Custódia vivo ausente
Mas nunca me esqueci dela.

A mocidade vivi toda ela em Custódia e, excetuando a política, me envolvi, emocionalmente, de corpo e alma, em todas as manifestações artísticas, sociais e populares, evidenciando: representações teatrais, serenatas nas noites de luar, namoradas sem conta, danças a valer, folias carnavalescas, festejos de toda ordem, enfim, tudo aquilo que era bom e proporcionava alegria e prazer. Mas, do que mais eu gostei, foi do primeiro beijo da primeira namorada. Ainda hoje sinto o gosto dele!

Saudade doce lembrança
Do tempo da mocidade
Quando tudo era alegria
Amor e felicidade
Agora no fim da vida
Como é amarga a saudade!

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