Há momentos, na vida, em que não se consegue escrever ou falar – pode-se apenas viver. Grandes são aqueles que na literatura, na dança, no teatro, nas artes em geral tocam, engenhosamente, alguns acordes da experiência do amor e da dor.
A música me parece ser mais fiel, delicadamente nascida para nada dizer, mas para sugerir à alma os acordes do sentimento de amor ou revelar-lhe a sonoridade sufocante do sofrimento. Sua fidelidade será tanto mais próxima, quanto mais irmanada alguém se fizer do artista, com o seu próprio momento de vida...
Isso me reporta, mais uma vez, ao grande escritor uruguaio, Eduardo Galeano, que inventou o verbete“sentirpensador”.
Escrevi essas pequenas ideias há anos atrás, quando me parecia rever, tal como um filme ao revés, uma história que, então, se eu não a tomasse nas mãos e não lhe desse um nome e um destino, poderia deixá-la tornar-se mais uma estúpida novela, com cenas repetidas e infiéis ao roteiro e ao autor.
Tomar a própria história nas mãos é graça, é coragem de conhecê-la até onde se viveu e, talvez, reconhecê-la mesquinha. É perceber que não se sabe claramente o para onde, embora o para quê reclame atitude e esperança.
A história nas mãos é assumir a liberdade de escolha do rumo do próprio caminho, que não exclui o aprendizado adquirido na convivência com o outro, o diferente de si, nem o desejo de realizar, um dia, a experiência da reciprocidade.
A realização da liberdade de escolha não é coisa tão simples, especialmente quando a nossa atitude recai em uma história que se realizara a dois, no exercício do afeto, da atenção pelo outro, da cumplicidade.
É na cumplicidade que a liberdade individual adquire o seu maior impulso, para deitar-se em espaços mais amplos e auspiciosos. É assim que a liberdade deixa de significar, na vida de cada um de nós, apenas poder realizar o que se quer.
A minha liberdade atinge o seu próprio sentido, quando consigo engendrar valores que promovam, para mim, e também para os outros, situações de bem-estar e serenidade. Sem deixar que esvaeça o que mais importa: a nossa fidelidade, no silencioso cuidado, que nutre abenevolente compreensão, na convivência com o outro.
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