30 setembro, 2021

O dia que falei com Rei - por Jussara Burgos


Conto publicado no livro do amigo Carlos Lopes.

A cidade de Custódia cresceu do sítio de dona Nita, um verdadeiro oásis com altos coqueiros no meio do Sertão do Moxotó. Era lá que eu morava. Quando tínhamos de ir ao comércio, costumávamos dizer que íamos à rua. Em uma dessas idas à rua, chegando à Praça Padre Leão, encontrei pouca gente circulando e o chão coberto de panfletos de propaganda eleitoral. Houve um comício, ou melhor, um showmício, e algumas pessoas ainda estavam por lá. Eis que vejo em minha frente: ele! Estava acompanhado por outro homem; os dois andavam em direção a um carro estacionado na praça.

Olhei surpresa sem acreditar no que eu estava vendo e turbilhões de pensamentos invadiram minha cabeça.

– É ele sim. Vai lá. Pede um autógrafo.
– Não, tenho vergonha.
– Pede, porque você não sabe se terá outra oportunidade. Vai!
– Não vou. 

Nisso, ele entrou no carro e bateu a porta. O companheiro era o condutor.

É agora ou nunca. Fui. Com as pernas tremendo feito vara verde, o coração acelerado e a voz embargada de emoção. Corri até a janela do carro, que já estava com o motor funcionando, e disse timidamente: 

– O senhor pode me dar um autógrafo? 

Ele, imponente como todo rei, perguntou-me: 

– Qual seu nome? – Pegou uma caneta e um pedaço de papel no porta-luvas e escreveu: “Para Jussara, um abraço de Luiz Gonzaga”.

Só deu tempo dizer “obrigada” e sair dali correndo com minha nova aquisição.

Fui mostrar para meu pai o que havia conseguido; ele nada falou, mas sorriu bondosamente compartilhando minha felicidade.

Em casa, os meninos estavam no quintal agachados jogando bila. Entrei eufórica dizendo alto o que tinha conseguido. A brincadeira deles foi interrompida, e o autógrafo passou de mão em mão.

Todos examinaram o pedaço de papel e alguém falou: 

– Não sei por que você está tão feliz, isso não serve para nada.

Esbravejei: 

– Como assim não serve para nada? Só eu tenho a assinatura do maior cantor do Nordeste e vocês não têm. Tão é com inveja. 

Eles voltaram para suas brincadeiras e eu fui guardar minha preciosidade em meu bauzinho junto com minha medalha de Nossa Senhora e outras relíquias de meu mundo infantil. E ali o autógrafo permaneceu por muitos anos. 

Em 1976, mudei-me para o Planalto Central. De volta ao sertão anos depois, meu guarda-roupa ainda estava lá e dentro dele, meu baú. Mas o autógrafo sumiu. Lamento muito, gostaria que ele estivesse comigo enquanto eu viver. Sem dúvida, foi um fato marcante para uma menina franzina que venceu a timidez e falou com o Rei do Baião.

Jussara Burgos

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