Foi assim...
O Fernando já havia dito que estava escrevendo as suas memórias, o que
me deixou ansioso, pelo que conhecia da sua vida, e por sabê-lo
sertanejo, dos bons, como o mandacaru, que florando lá na seca, é sinal
de inverno farto. E eu não estava enganado. Ave de arribação, da região
do Moxotó, mais precisamente de Custódia, saiu um dia, ao encontro do
“seu norte”, quando o “homem que via longe” apontou o caminho do mar:
“Vai menino, você merece coisa melhor”.
Recife e Olinda foram a escola, o aprendizado pra viver em cidade
grande, buscando o seu intento, na Escola de Aprendizes de Marinheiros,
onde ficou “agregado”, até passar no exame, e se tornar o 147. Tempos
duros, de provações para o menino que de tudo tirava boas lições de
vida. A saudade de casa, os primeiros namoricos, a carência afetiva, e a
“mãe de leite” ali pertinho, sem que soubesse...
A 23 de junho, jurou Bandeira, engajando-se na Marinha do Brasil. Agora
dentre os 512 que chegaram, já era o 15º, posição de honra para o
“custodianense”. O
E a “cidade maravilhosa” despontou no horizonte para o jovem que
desembarcou mareado no cais do Arsenal da Marinha, brindado com a visão
do Cristo Redentor, e do Pão de Açúcar, um encantamento à parte, é
verdade. Estudos, e mais estudos, se realmente quisesse crescer, como
aconselhou o tenente. E aí, o meu bom Fernando com suas histórias, me
trouxe de volta a situações que em muito me emocionaram: o golpe militar
de 64, e os anos duríssimos que todos da nossa época vivemos, e ele, em
particular, no “olho do furacão”, vendo a “batata esquentar”. Os
momentos dramáticos que tão bem conhecemos, tem aqui uma narração eivada
de detalhes, a nos mostrar o outro lado da história. A angústia, as
incertezas com relação ao futuro, e todos os sacrifícios em busca de
dias melhores, e os sonhos subitamente boiando nas águas fétidas da Baia
da Guanabara... A prisão nos porões de um velho navio atracado a uma
bóia - uma esperança ainda.
– Homem à terra! – gritaram os poderosos. Mas agora era um EEP-Elemento
Extremamente Perigoso - vigiado, sem tostão, e com ambas as mãos à
frente, e muitos olhos ocultos atrás de si. Desembarcado, sim, senhor,
mas vivo e solto. E onde estava o “seu norte, afinal? Ali, perdido na
cidade grande, mesmo sendo ela maravilhosa, ou lá, em Nova Iguaçu, aonde
chegaram quase mortos por 5 longos dias de viagem, a Laura, e o Zé
Daniel, seus queridos pais adotivos?
Lá se foi o Fernando, começar tudo de novo, aportando na cidade
fluminense, em busca da sorte grande. E ela veio, sim, com sacrifícios,
boas oportunidades de trabalho, criatividade, e um encontro marcado com
Maria Apolônia, que ele nem sabia que existia. Casamento feito, nova
vida.
Dalí de Nova Iguaçu, para Maceió, Salvador, Vitória da Conquista, e
depois de algum tempo, Ilhéus, no sul da Bahia, onde lançou âncoras, e
criou os filhos. Fernando agora tinha um “porto seguro”, e chegara ao
“seu norte”, como profetizado pelo “homem que via longe”.
Mas leiam as histórias contadas em tom informal, com a graça e o jeito
nordestino, que Fernando tão bem representa. Tenho certeza de que vão
gostar tanto quanto eu, que fiz a leitura de “cabo a rabo”, sem tomar
fôlego, para chegar à página final, acelerado, como o seu coração
ansioso no dia do retorno a Custódia, com todos os ventos soprando a
favor.
Boa leitura.
Anísio J.S. Cruz
Anísio J.S. Cruz
Ilhéus, Bahia
Maio/2010
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