30 agosto, 2022

Nomes nada armoriais


Casal de origem sertaneja buscou outros idiomas para batizar os filhos que hoje vivem no Recife e aprovam os estrangeirismos

Ariano Suassuna ficará de cabelo em pé. Primeiro, Jessé mudou o próprio nome. Com apenas 17 anos, em 1953, ele foi ao cartório de Custódia, lá no Sertão do Moxotó, e passou a se chamar Washington, em homenagem ao sobrenome de George, aquele ex-presidente considerado "pai" dos Estados Unidos. Depois, achando pouco a mudança, o sertanejo teve um insight. Batizou os nove filhos com nomes de origem hebraica, inglesa, francesa e germânica. Achava arretado. Era uma homenagem aos países que sonhava conhecer. Coisa que Ariano jamais aprovaria, por ser contrário a estrangeirismos e defensor radical da cultura brasileira. Mas Washington não conheceu Ariano. E se tivesse conhecido, talvez não mudasse de idéia. Um rapaz que mudou o próprio nome porque o achava feio não se convenceria facilmente. Washington poderia até ter conversado com Ariano, ou quem sabe arengado. Mas cada um com seu teatro da vida, como deve ser.

Admirador de idiomas estrangeiros, o rapaz que nunca foi à escola e aprendeu a ler de forma autodidata, conquistou o coração de Maria Eunizete dos Santos pela lábia e inteligência. Embora fosse negro e a família da amada não aprovasse o casamento, ela nunca levou em conta a opinião dos outros. Esse tal de preconceito, para Maria Eunizete, era ultrapassado desde aquela época. O love pelo rapaz atraente e cheio das idéias era maior. Prometia um happy end. Uma vida que ela sempre sonhou. Washington casado com Maria. Até que combinava. Seriam virados no mói de coentro.

Não demorou muito e os dois fugiram avexados do Sertão e vieram morar na capital. E assim, no início da década de 1960, vieram os filhos. Quase dois dream team de basquetebol. Foram nove, ao todo. Chamam-se Ellen Angelly, 48 anos, Washington Júnior, 46, Grace Ellen, 44, Charles Wellington, 43, Joan Ellen, 42, Jane Grace, 42, Clavidia Pola, 40, Jean Paul, 39 anos, Any Karen, 36. Os nomes foram escolhidos pelo pai, à exceção de Charles. E eles fizeram fama.

Desde pequenos, os garotos ficaram conhecidos pelos nomes. Na rua, no bairro, na escola. Agora, eles estão grandes. Adultos. Já se despediram do pai tão especial, que faleceu em 27 de fevereiro de 1998. Mas têm orgulho dos nomes, do passado. Nunca tiveram pantim. Nenhum deles sabe a origem e o significado dos nomes, nem contar porque o pai fez estas escolhas. Mas Clavidia Pola explica que nem tudo precisa de explicação. E ela tem autoridade para isso. Pola foi a que mais sofreu com o nome. Nas chamadas da classe, era um deus nos acuda. Eita nome difícil do créu. As pessoas só queriam chamá-la de Cláudia. Very difficult!

"Um dia, eu fui fazer exame de vista e o médico disse que meu nome estava escrito errado, que eu deveria mudar. Ele insistiu e eu dizia que não (risos). Depois, quando eu fui ver, o nome dele era Dídimo. Eu deveria ter dito que ele mudasse de nome também", brincou Pola para, em seguida, acrescentar. "Tenho orgulho do meu nome. Meu pai um dia me chamou e disse: 'Clavidia, você tem que se acostumar com seu nome. Ele não esta errado. É Clavidia mesmo'. Daí, nunca mais eu fiquei chateada", relatou a moça, que disse ter se invocado com a insistência do oftalmologista. "Acho que meu nome é uma mistura de russo com austríaco", acrescentou, sem saber ao certo.

Segundo dona Eunizete, hoje com 72 anos, os nomes escolhidos pelo marido foram fonte de inspiração. Very beautiful. Washington era sempre tampa de Crush. "O nome de Charles Wellington fui eu quem escolhi, mas eu fui na mesma linha do meu marido. Ele gostava tanto de idiomas estrangeiros e olhe que nunca freqüentou escola. Aprendeu a ler na Bíblia, sozinho", lembrou a mulher, com orgulho. "Eu conheci ele desde novinho. Mas, para mim, ele não existia. Um dia, eu percebi que ele era muito inteligente e pedi para me ajudar nos assuntos da igreja. Me apaixonei. Em 1958, fugimos para o Recife e nos casamos", contou Maria Eunizete, com o sorriso nos lábios.

De pai para neto - Jane Grace conta que todos da família acham massa os nomes estrangeiros. Costume passado para outras gerações. Osnetos também têm nomes, digamos assim, diferentes. Os filhos de Charles chamam-se Charles Washington e Leyre Ellen. A filha Ellen Angelly chama-se de Mary Ellen. Joan, por sua vez, botou o nome da filha de Eny Kelly. E isto é só. For now. 

Matéria publicada no Diário de PE (2008)

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