Na Custódia de antigamente, havia carnaval, sim senhor. Diferentemente de hoje, que no período momesco a grande maioria dos habitantes só vê o carnaval pela TV, décadas atrás havia carnaval, sim, e muito animado.
A folia começava cerca de 15 dias antes da semana carnavalesca. Eram os papangús que saiam todas as tardes, estalando seus chicotes no ar. Todos devidamente mascarados, com roupas rasgadas, chocalhos na cintura, barcos pintados de preto. Era tradição correr atrás da molecada, estalando o chicote, e ao mesmo tempo invadindo os estabelecimentos comerciais, pedindo dinheiro.
Na semana carnavalesca, era ansiosamente esperado o Zé Pereira, que saía pelas ruas da cidade em cima de uma carroça de burro, abrindo o desfile acompanhado das improvisadas orquestras. Já na madrugada de domingo, a sensação era o Cariri, comandado pelo grandão Alaíde. Era o mais democrático dos blocos carnavalescos da cidade. Se o Bloco de Carirí, muito organizado e bonito era composto exclusivamente de mulheres da vida “fácil”, ou o Bloco da sociedade era elitista, no Bloco do Cariri todos tinham vez: meretrizes, “piniqueiras”, sociedade, enfim todo mundo. Afinal, o horário permitia que todos participassem, sem os olhares reprovadores das damas da sociedade conservadora. Alaíde contribuiu e muito, para a alegria de centenas de foliões, durante muitos anos.
No clube, a animação era contagiante. A orquestra iniciava a alegria, tocando velhas marchinhas e frevos autenticamente pernambucanos.
Certa feita, quando eu ainda era criança, assisti a um bloco inusitado: na calmaria da tarde da terça-feira de carnaval, surgiu na praça padre Leão uma tropa de jumentos, montados por negros, acompanhado de uma batucada. Quando nos aproximamos daquela tropa, a surpresa: todos os cavaleiros eram membros da sociedade local, que devidamente caracterizados de matutos e pintados de preto, inovavam no bloco daquele ano. Recordo apenas de um componente: Dr. Pedro Pereira.
Aliás, o Dr. Pedro era um dos mais animados foliões da época. Certa feita, ele em parceria com Silvio Carneiro, aproveitando um fato ocorrido na cidade, criou uma música que foi sucesso no carnaval. Naquele ano, haviam acontecidos fatos estranhos, decorrentes de um Don Juan, que altas horas da noite, saía para suas aventuras escondido sob um capote. Surgiram versões de que seria um “lobisomem”, tendo Sílvio e Dr. Pedro criado a marchinha “O Carcará”. Lembro de algumas estrofes de seus versos:
Depois, do Carnaval,
Apareceu, um tal de lobisomem,
Uns dizem que é um homem,
Outros dizem que é guará,
É carcará, é carcará.
“Só aparece, depois da meia-noite”,
Lá na Rua da Remela,
Já abriu até cancela
Todos podem acreditar,
Mas quando perguntam qual seu nome
É lobisomem,
Não, é Carcará!
O carnaval nesse ano foi bastante animado, e a música fez tanto sucesso, que no ano seguinte a dupla resolveu fazer outra música, “Volta do Carcará”.
Infelizmente o tempo, a modernidade, a civilização conseguiu extinguir aqueles carnavais, cheios de animação, de alegria, e confraternização. Era interessante ver no domingo de entrudo, as pessoas tentando fugir do tradicional banho. Isso sem falar nos “porres” de lança perfume, cujo odor forte invadia os salões de festas. Tudo na mais completa harmonia e calma.
Texto:
José Soares de Mélo
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