1-Como surgiu o convite para o “Cristo da Paixão lV”? Já conhecia Humberto Guerra, outro ator participante ou amigo em comum?
R: Participar do evento “Cristo da Paixão lV” não constituiu-se em um convite propriamente dito, mas partiu do ator, amigo e aluno Salmo Silva em sugestão ao diretor geral Humberto Guerra. Eu ainda não conhecia o trabalho deste último até encontrá-lo no Espaço Cultural Correia Lima (onde prestava serviços ocasionais, em meados de outubro passado) com o propósito de escolher dois integrantes para a referida apresentação. E, recentemente, o vi em breve aparição na novela “Amor à Vida”, de Walcyr Carrrasco, exibida pela Rede Globo de Televisão. Quanto aos outros atores envolvidos, apenas tinha contato esporádico com Ivan Marttins e Antonio Ysmael.
2-Seu papel na quarta edição foi um dos mais marcantes; como se preparou para o papel de Judas Iscariotes?
R: No meu entendimento, preparar-se para um papel significa dedicar a vida pela criação da personagem. É ter sempre que partir do ‘ponto zero’ porque me vejo diante de uma nova vida sobre a qual nada sei. Não acredito em atores que trazem as personagens “prontas” como cartas na manga, tendo como base uma reles leitura ou um conjunto gestual pré-definido. A isto chamamos composição e teatro é construção. Esta, a de Judas, deu-se gradativamente, em paralelo às pesquisas, exercícios e ensaios com o ator Salmo, este como Pôncio Pilatos. Tendo Judas uma personalidade única, tão diferente da minha, primeiramente pedi a Deus orientação sobre o caminho a ser traçado e Ele colocou em meu pensamento a importância de descaracterizar Judas apenas como um traidor e retratá-lo como um ser humano em total desespero e arependimento tardio. Além das passagens bíblicas que o incluem estudei o livro “Eu, Judas”, de Taylor Caldweel em parceria com Jess Stearn, onde ele é apresentado como protagonista, amigo e melhor discípulo de Jesus. Estes escritos perpassam todos os acontecimentos do livro sagrado desde o batismo, milagres, morte e ressurreição do Mestre. Nele, Judas explica suas causas e motivações para a traição, como queria ver Jesus desafiado para poder enfrentar os romanos e triunfar sobre eles. Assistimos vídeos, filmes e depoimentos que nos auxiliaram a alicerçar nossas posturas cênicas através de gestos e inflexões. Há que se acrescentar que o trabalho de investigação de um ator de teatro foi, é e deverá ser sempre contínuo. Passa-se até mesmo, subjetivamente, a pensar, falar , agir e brincar como a personagem; d’outra forma, a interpretação deixa de ser verdadeira e assume o posto de mera representação.
3-Como começou sua carreira de ator? Nos conte um pouco de sua história.
R: Minha carreira talvez deva ser chamada de rota, porque entende-se por carreira uma profissão da qual sobrevive-se por toda uma vida. E, a grande maioria de atores de teatro tem que ter uma atividade paralela para garantir sua sobrevivência. Minha rota de ator iniciou-se aos dez anos de idade, na época da formatura do primário (ensino fundamental) com a montagem de “Os Três Porquinhos”. Ali ficou nítido o caminho que construiria independente de tudo. Seguiram-se outras apresentações em escolas, igrejas das mais variadas denominações, praças públicas, festas e feiras. Infelizmente, em cidades do interior, ainda não se tem o hábito de estabelecer temporadas de teatro, de “entrar em cartaz”, como se diz. Meu real despertar cênico deu-se no final dos anos 80, ao integrar-me ao Grupo Mandrágora, ainda em minha cidade natal, Passa Quatro, no Sul de Minas. A partir daí comecei a compreender um pouco mais do interessante universo teatral e sua duplicidade. Nos anos 90, já no Rio de Janeiro, estudei na Escola de Teatro Martins Pena, onde me aprimorei na teoria e na prática, conheci companhias de teatro e me profissionalizei. De lá pra cá trabalhei como ator e técnico em cenários, figurinos e adereços em mais de cinquenta espetáculos, em várias companhias e em escolas de teatro como a CAL (Casa de Artes de Laranjeiras) e UNI-RIO – além de fazer adaptações de textos, criação de ‘banners’, maquiagem, contrarregragem e assistência de direção. E, confesso, até hoje ainda estou aprendendo, a cada novo desafio.
4-Quais foram os papéis mais marcantes? Quem são suas maiores influências na vida?
R: Todo papel que me coube foi de certa forma marcante, porque todos, invariavelmente, pontuaram um determinado momento de minha vida, bom ou ruim. Mas relembro com carinho de personagens como um caipira mineiro, um cego, uma mago, uma empregada francesa, alguns palhaços, arlequim, um promotor público e, como não dizer, de Judas Iscariotes. O último papel é sempre o mais forte porque define nosso amadurecimento enquanto ator e ser humano e nos reporta ao que, de fato, somos, queremos e conseguimos transmitir ao próximo. Levo comigo, enquanto artista, as influências de outros artistas, autores, atores, diretores, professores e muitos técnicos que convivi e sobre os quais li , neste 35 anos de palco. E também de pessoas comuns do dia a dia, conhecidas ou não. Afinal, como cita Exupery: “Aqueles que passam por nós não nos deixam sós; deixam um pouco de si e levam um pouco de nós!” E, no campo espiritual, sou bastante econômico: tenho apenas Jesus Cristo como Senhor, Mestre e Amigo!
5- O que acha do panorama teatral desde século?
R – Enquanto que, no século XX surgiram múltiplas alternativas teatrais no intuito de aprofundar os aspectos da realidade social , com a presença determinante do encenador, neste século o teatro segue sua trajetória a partir de paradigmas e propostas de experimentação. Alia-se a este fato o reconhecimento de sua suma importância como ferramenta pedagógica fundamental à formação de opiniões e de um público mais exigente e, consequentemente, de cidadãos mais preparados que contribuam, eficazmente, para a evolução das comunidades – ao nível de organização de pensamentos e das mentalidades. É de bom tom pincelar aqui o meta-teatro (o teatro visto como é feito) como potencializador do desenvolvimento de um aluno-ator consciente da utilização e da combinação de diversos elementos poéticos próprios à cena e essenciais ao desenvolvimento humano. Atualmente celebra-se os 450 anos do nascimento de William Shakespeare e estão em voga os teatros musicais e espetáculos biográficos. Sob a ótica de simples espectador e sob o prisma de um ator conectado com seu tempo, conscientizo-me cada vez mais que aqueles que fazem teatro precisam rever os conceitos dramáticos no que tange à capacidade de representar o espírito humano sem fazer prevalecer a forma estética em si – ainda que esta vigore como chamariz comercial. Tal qual o proposital e quase infalível recurso de ‘marketing’ de se veicular a fama de um nome à certeza de lucro nos ingressos ou recorde de audiência. Ganha-se pouco pra fazer muito ou fatura-se muito pra fazer tão pouco! Há uma arrastadiça concepção de se recriar clássicos (adultos e infantis) há muito enterrados que, se não forem eficientemente propícios a quaisquer mudanças sociais, deveriam servir-nos apenas como literatura e objeto de laboratório. “Assim caminha a humanidade” e, sequentemente, ao mesmo compasso, o teatro nosso de cada dia. Grato sou a Deus, Nosso Criador, que a cada um destinou uma missão em especial, a meus pais, irmãos, amigos da jornada e a todos os que acreditaram e acreditam no meu potencial; que não sub-jugam sem antes conhecer o trabalho de um ator e dar a oportunidade que pode vir a mudar uma vida ou, provavelmente, milhares de pessoas com um ato. Obrigado, amigo Paulo Peterson, por mais esta rica chance de me expressar a esta gente que transpira vida: o povo de Custódia Terra Querida!
“Já que de arte nesta terra não se vive, que a arte ajude a fazer viver” (Ezra Pound)
Entrevista realizada por Paulo Peterson
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