31 março, 2021

O voo do Ícaro - por Fernando Florêncio



Fernando Florêncio
Ilhéus/BA
 22/11/2008


Fernando chegou a Custódia procedente de Ibimirim, por força da transferência do seu Pai, que soldado da Policia Militar de Pernambuco, viera “servir” por aqui. Chegaram em cima da carga de um caminhão, carregado com fardos de algodão, debaixo de um sol de rachar. Vieram via Betânia. Estrada de chão.

Lembro de ambos descendo do caminhão. Quando pularam, ficaram alguns bons segundos “sumidos” envolvidos que foram por uma nuvem de uma poeira vermelha acumulada nas roupas durante a viagem. Mais parecia um “redemunho” .

Na bomba, mais precisamente em frente ao Hotel Sabá, onde aconteceu o desembarque, demorou algum tempo para sabermos o que “era aquilo”. O Fernando pisava assim, tipo: “AQUI TÁ FUNDO E AQUI TÁ RASO, AQUI TÁ FUNDO, AQUI TA RASO.”porque tinha uma perna maior que a outra.

O Pai de Fernando, devidamente fardado, com a gandola abotoada até o pescoço, foi aparecendo aos poucos de acordo com a dissipação do pó. Portava na mão o inseparável Fuzil/Mauser 1908, comumente chamado de “MOSQUETÃO’. Arma potente. Precisa. Matava um boi a mil metros de distância. Arma respeitada. Bala de aço. Fernando se adaptou logo ao novo ambiente.

Tentou de todas as formas jogar bola com a gente, mas, com as pernas tortas, ainda por cima finas e descalibradas, tipo assim, “DEIXA QUE EU CHUTO”, não levava jeito. Por ser filho de soldado, e como naquela época todo soldado, não sei por que, andava com um apito, e como o silvo do apito era bonito, diferente, arranjamos para Fernando ser o juiz de nossas peladas, desde que apitasse o jogo com o apito do soldado. Aquele apito era de mais. O Fernando, sendo juiz da pelada e filho de “otoridade” era respeitado.

Certa feita Fernando apareceu com uma geringonça fabricava umas pipocas que mais pareciam isopor. O sabor era indefinido. Mas com sal e manteiga “de gado” até que a tal pipoca era comível. Fazia a nossa alegria, principalmente nos dias que tinha “cinema”.

O soldado, pai do Fernando, fazia gaiolas com tal esmero, que eram conhecidas até na Feira de Caruaru, e o Fernando era encarregado pelo pai a pegar os passarinhos, já que as gaiolas seriam vendidas mais cara e mais fácil, com um pássaro dentro. Como todos nós, o Fernando também passou a “freqüentar” o sítio de “Sêo Arnou” pois lugar melhor pra “pegar” Golinha, Pintasilgo, Papa-Capim, Galo de Campina..etc não tinha, pois era numa cacimba onde esses passarinhos iam beber que nós armávamos os alçapões.

Sêo Arnou até que não ligava muito. Desde que não mexesse nas frutas, tudo bem. Ao contrário do irmão, Ananias. Esse sim, se pegasse um de nós, o cipó comia no centro. Mas, começou a sumir alguns cachos de coco, de uns pés que Sêo Arnou tinha nos fundos do sítio. Os coqueiros eram nativos e altos . Alguns com mais de 30 metros de altura. Tanto que poucos se atreviam a trepar neles. Os cocos caiam já secos. Foi em cima de um desses gigantes que Sêo Arnou flagrou Fernando roubando cocos. Não pensou duas vezes.

Com Fernando lá em cima, pedindo pelo amor de Deus “– Sêo Arnou num faça isso, é muito alto, eu vou morrer –“ e Sêo Arnou num tava nem aí para as súplicas do lalau. Quanto mais Fernando pedia, mais Arnou brandia o machado no tronco do coqueiro.

Vendo que não tinha saída, a disposição de Arnou era mesmo derrubar o coqueiro, o larápio, que era de uma magreza extrema, sacou da cintura uma pequena foice que sempre carregava para tirar madeira de fazer gaiolas, cortou uma palha do coqueiro, botou embaixo de um braço, cortou outra, colocou no outro braço, apertou nos sovacos e se jogou lá de cima.

Quem viu, disse que Fernando deu um rasante sobre o bar de Sêo João Miro, arremeteu, subiu, desceu, passou raspando a antiga Tambaú que ficava ali perto da ponte, e se não fora uma rajada de vento que o jogou na direção do pé de tamboril de Sêo Luiz Mataverde, aonde ficou enganchado, Fernando teria aterrissado lá pras bandas do Texaco.

FERNANDO DO SOLDADO, MORREU (?) SEM SABER QUE INVENTARA 
A ASA DELTA

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