30 março, 2021

Custódia: A última grande peleja do século XIX


Em 1900, em comemoração festiva que homenageava São José, em Custódia, cidade vizinha de Carnaíba, se encontraram e travaram uma luta verbal o famoso poeta Antônio Açudinho, carnaibano e Ferreirinha, natural de Caruaru.

Essas festas eram eventos privilegiados pelos cantadores porque reuniam grande número de pessoas que após os atos litúrgicos saiam em busca de diversão.

As pelejas, modalidade de cantoria em que dois poetas disputam o reconhecimento do público através de sua agilidade com as palavras proporcionavam esse entretenimento. Mas, muitas vezes a poesia dava lugar a discussões e brigas como acontece hoje nos estádios de futebol entre as torcidas organizadas.

Não foi diferente em Custódia, há mais de cem anos, naquela festa de São José em que cantavam Ferreirinha e Açudinho, pois cada estrofe improvisada por esse último era seguida de sorrisos e aplausos, enquanto as do outro eram acompanhadas de urros, gritos e vaias.

Criava-se assim, o ambiente propício para agressões físicas que não ocorreram em virtude da habilidade dos poetas que acalmaram os ânimos da plateia.

Vejamos algumas estrofes dessa peleja:

_ Meu colega Ferreirinha,
Seja bem-vindo a esta terra,
Mas me diga se é de paz.
Ou tem intenções de guerra,
pois eu preciso avisar
Os meus caboclos da serra.

_Muito obrigado, Açudinho
E permita que o saúde,
mas você fala com um homem
que a ninguém no mundo ilude,
Eu venho aqui de bem longe,
Só conhecer seu açude.


No meio da cantoria entra no recinto um padre que de certa forma é eleito pelos cantadores o juiz da disputa, como deixa evidente uma estrofe de Ferreirinha:

_Assim você bem parece
Que está com medo de mim,
Porque não me mostra o açude,
Eu fico pensado assim,
Chega agora um sacerdote…
Nos julgue o padre Rolim.


A partir desse momento os ânimos se agitam entre os admiradores de um e outro cantador, pois Ferreirinha afirma em uma estrofe não ser católico e Açudinho sai com essa:

_Valha-me Nossa Senhora,
E bom Deus que tudo pode,
Em meio dessa surpresa,
Um seu ministro me acode,
Com o cordão de São Francisco,
Meu padre amarre este bode.


Material enviado por José Soares de Melo, extraído do blog BRAIÇÃO.

(*) A palavra braiação significa em uma das variantes linguísticas do Sertão nordestino mistura. Nosso objetivo, portanto, é braiar. Diante, entretanto, das inúmeras possibilidades de braias que o Sertão oferece decidimos pela braiação da cantoria e do cordel, sobretudo, a produçao daquelas figuras notáveis como Antônio Açudinho, poeta carnaibano, do final do século XIX, respeitado pelos cantadores e amado pelos seus ouvintes, mas completamente esquecido dos que vivem, hoje, em sua cidade natal.

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