06 abril, 2021

Travessuras do meu irmão - Jussara Burgos

Texto: 
Jussara Burgos
Luziânia-GO
Abril/2021


Houve um tempo, em Custódia, que não havia água encanada. Havia sim, as chamadas “botadeiras de água”. Mulheres guerreiras, de pouca ou nenhuma instrução, que para ganhar míseros trocados carregavam o dia todo e todos os dias, água em latas de querosene com uma ripa na abertura para suspender e abaixar a lata. Faziam um círculo de pano chamado rodilha e botavam em suas cabeças, em cima colocavam uma lata cheia de água, para levar para as casas da sua freguesia. A água era para encher potes e reservatórios que ficavam em cima dos banheiros, permitindo banho de chuveiro. Diga-se de passagem, o cacimbão ficava num baixio e tinha que subir uma ladeira íngreme para chegar à parte mais alta da cidade.

Minha mãe tinha dois gigantescos potes de barro na cozinha, um com água potável para nosso consumo e outro com água do cacimbão para cozinhar e lavar louça. Havia um ritual para despejar o precioso líquido, um pano de saco alvejado era amarrado na boca do pote para filtrar alguma impureza. Periodicamente os recipientes eram lavados com todo cuidado.

Certa vez sumiu a sandália preferida da minha mãe, ela procurou em vão, botou sua prole para procurar e ninguém achou. Até o dia que foi feita a limpeza dos potes. Meu irmão resolveu jogar a sandália dentro de um deles, o de água potável, e lá ela ficou. Só Deus sabe quanto tempo. Dizem que pé de galinha não mata pinto, é verdade, a família sobreviveu tomando aquela água.

Nossa avó materna sempre usava vestido com dois bolsos. Na hora que estava distraída meu irmão costumava por rãs nesses bolsos. Quando ela se deparava com aquela presença estranha era uma gritaria. Hoje ele nega esse fato, mas minha santa mãezinha aos noventa anos afirma que é verdade verdadeira.

A criatura não tinha nada para fazer, saia do banheiro enrolado numa toalha, ia para fora do muro e gritava por uma vizinha que morava numa casa de taipo que fica nos fundo de nossa casa:

- Maria! Vem cá.

- O que você quer? Tô ocupada.

- Faz isso não, vem cá, só um instante.

Na hora que dona Maria Bernardo aparecia o danado abria a toalha. A gente ouvia a gritaria: - Cabra safado, eu vou contar para teu pai.

O pior é que essa cena se repetiu várias vezes, dona Maria gostava dele e sempre que ele chamava era atendido.

Naquele tempo não havia utensílios de plástico e a roupa usada era guardada no saco de roupa suja que ficava atrás da porta de um dos quarto. Exatamente ali ele resolveu colocar uma lamparina e fez um fogueirão queimando toda roupa. Foi pura sorte não ter incendiado a casa.

Em uma tarde fria e chuvosa, com nossos pais no trabalho, aproveitamos as brasas do fogão para assar batata doce. Ele botou uma colher no fogo e colocou nas costas da minha irmã. Ela carrega a cicatriz até hoje.

Apareceram ratos na farmácia o que representava prejuízo na certa. Ninguém compra remédio com caixa ou rótulos roído por rato. Minha avó tinha um enorme baú de madeira muito pesado e atrás dele colocou queijo envenenado, achando que o local era inacessível. Ledo engano, brincando com meu irmão caçula a bola de gude correu para trás do baú e nosso santinho achou o queijo e comeu. O caçula começou a chorar porque também queria comer queijo. A madrinha de mãe quando ouviu falar em queijo desconfiou do que se tratava. Levaram-no para o hospital de Sertânia para fazer lavagem estomacal. Foi o dia que vi minha mãe mais aflita. Quando ele chegou estava com a cara ótima e muito feliz, pois o médico prescreveu picolés e sorvetes.

A mais engraçada foi essa. Meus avós eram donos da Farmácia Pereira situada na praça principal, era um prédio de dois andares, onde na parte de cima era o dormitório da família e no térreo a farmácia, banheiro e cozinha, salas de estar e jantar. Uma prima encontrou um “homem’’deitado em uma das camas. Apavorada desceu as escadas correndo para avisar a minha avó. Esta pediu socorro ao policial que estava passando na praça. O cabo Chico subiu com a arma em punho e, com cautela, puxou o lençol que cobria o “homem”. Meu irmão fez um boneco, vestiu calças e camisas com toalhas e cobertas dando formato de um corpo, colocou sapatos e chapéu, deitou-o na cama e cobriu com um lençol. 

Parecia uma pessoa.

Outra história que aconteceu em sua adolescência foi o dia que ele e uma amiga resolveram espantar uma colmeia de abelhas africanas que fizeram colmeia na Praça, justo na hora que a procissão ia passando.

Acabando assim o cortejo religioso.

Hoje ele cuida da nossa mãe, tenho três irmãos que moram no Recife, moro em Goiás. 

Ele foi o único que nunca saiu do nosso torrão natal.

Foi assim ....

Um comentário: