21 setembro, 2022

Rock Lane, o cowboy do sertão - por Eraldo Galino



UM HOMEM DE DOCE SORRISO, AFABILIDADE DE GESTOS E PALAVRAS, CORAÇÃO ABERTO À VIDA, ESPÍRITO RECHEADO DE SONHOS. 

Tudo isso caberia numa tela de cinema. Era, no entanto, o desenho de uma longa vida, o retrato de um homem chamado Rock Lane. Nascera José Leite Duarte, na cidade de Custódia, sertão de Pernambuco. Viveu a maior parte da sua existência em Arcoverde. Qual Dom Quixote de La Mancha, o personagem imortal de Miguel de Cervantes, costurou o enredo da sua vida nas tramas dos sonhos. 

Encarnou o cowboy das telas do cinema, Rock Lane. Materializou o Personagem pelos becos e ruas da terra dos verdes arcos, seu campo de batalha, seu cenário idílico, o palco privilegiado onde traçou seu destino, sua história. 

Tal personagem confirmaria o título da peça de Pedro Calderón de la Barca “A vida é sonho”. De sonhos se alimentou ao longo do tempo: sonho de tornar-se ator profissional e, quem sabe, roteirista de filmes. 

Escreveu inúmeros roteiros para acalentados filmes futuros, como, por exemplo, “A Caravana da Esperança”, “Na Trilha dos Bandoleiros”, “Domingo Sangrento”, “Do outro Lado da Colina”, “Terra Sem Lei”, “Lágrimas de um Palhaço”, “A Honra Ferida”, “No Velho Rancho”, “A Muralha da Solidão”, “A Carta Criminosa”, entre tantos outros. Este conjunto de escritos contempla romances, dramas, aventuras e novelas. Um acervo inestimável a ser redescoberto e estudado por todos os que cuidam da memória artística e da cultura histórica de Arcoverde, pois se trata, na 2 verdade, de um documento de uma época, o testemunho de um romântico das artes, o retrato da alma de um homem. 

Como a dura realidade impediu a concretização fílmica de tais roteiros, desenhou-os em vivas imagens no fértil campo da imaginação. Rabiscados em cadernos amarelados pela ação das horas, estas estórias chegaram a alguns poucos amigos. E quem ousaria dizer que os devaneios de um romântico cowboy não são, também, pedaços da verdade de uma vida lapidada pelo amor à arte? 

Em torno de Rock há mil estórias e histórias, narrativas definitivamente solidificadas no imaginário coletivo arcoverdense. Algumas dessas, ouvi dele próprio, como o “histórico” fato de ter parado o trem da Great Western, que semanalmente cruzava o centro da cidade transportando cargas e passageiros. E o fez nas imediações da Praça da Bandeira (local onde se situava o Cine Bandeirante – extensão do seu corpo e da sua alma). Era como se ele, Rock, tivesse saído do interior do lendário cinema para viver a aventura do “assalto” intrépido ao trem. 

Cinema ao vivo propiciado pelo quixotesco cowboy aos estupefatos Transeuntes naquela tarde memorável. Há outros relatos sobre um homem em seu cavalo, vestido a caráter (como se fora um personagem saído dos filmes de faroeste), a transitar com galhardia pelas ruas da cidade dos verdes arcos. 

Amores, aventuras, desilusões, perdas, desencontros, reencontros, sonhos: estes elementos tão comuns à existência humana teceram, também, os fios da vida de Rock. Um homem comum, mas com uma nota excepcional a marcar sua história de vida: a identificação profunda com a figura mítica do cowboy desenhado nas telas do cinema. 

Rock ajudou a construir o Cine Bandeirante: viajou de navio para buscar um projetor no Sudeste; foi seu porteiro, vigilante, projetista, programador, transportador dos filmes em rolo e, por um período, seu morador (num quarto minúsculo situado embaixo do grande palco). O “velho Bandeirante” foi parcela significativa da sua vida. Viveu com desolação sua decadência, chorou seu ocaso e fechamento. Porém, sua memória prodigiosa e relatos apaixonados sobre o 3 majestoso cinema transformou a antiga casa de espetáculos em patrimônio imaterial, um veio a alimentar constantemente a história artística da cidade. 




Foi Rock Lane um homem transmutado em sonho. Rock tornou-se fluido, volátil, virou imaginário filme – a mais rara das peças da história Cinematográfica de Arcoverde, seu palco e sua tela. 

Rock Lane agora é história, é lenda, e as lendas não morrem jamais, se eternizam no tempo.



Por Eraldo Galindo Silva -  eraldoarc@hotmail.com

2 comentários:

  1. Lindo texto.

    Realmente, um homem único e excêntrico, que tem uma história invejável de amor ao cinema.

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  2. homem cheio de sonhos muito inteligente não teve oportunidade para realizar os seus sonhos

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