Visão do mundo
Naquela noite, que já vai distante
Cheguei cansado, zonzo, sonolento
Com fome, triste, só, sem um alento
Após um dia de faina estafante.
E para me livrar daquele enfado
Tratei, então, de dar ao corpo pouso
E, sem demora, me pus em repouso.
Dormi? Sonhei? Fiquei desacordado?
Não sei. O que sei é que logo ouvi
O brado de Vieira nos Sermões
O canto dos Lusíadas de Camões
Com fundo da Aída de Verdi.
Das cinzas, como Fênix, renasci
E me sentindo leve e renovado,
Vibrante, forte, livre e remoçado
Do meu presente de pronto esqueci.
Saí rondando pelo mundo afora
A ver, ouvir, sentir e compreender
A fim de bem saber, bem entender
As modas velhas, os modos dagora.
E vi nos belos tons da natureza
Azuis celestes e verdor de mares
Dourados dias, noites luminares
Manhãs e tardes de plural beleza.
E vi terríveis coisas, bem marcantes
Tremor de terra, lavas de vulcões
Coriscos e relâmpagos, trovões,
Torós funestos, ventos lancinantes.
Ouvi das aves cantos maviosos
E das crianças o sutil vagido.
Ouvi das águas o voraz gemido
E dos ciclones uivos estrondosos.
Falei com todos: sábios e ignorantes
Vassalos e reis, nobres e plebeus
Titãs e parvos, crédulos e ateus
Heróis, poltrões, nanicos e gigantes.
E com firmeza e sem temor parti
Em busca, como Proust, do perdido
E quase morto tempo despendido
Em coisas vãs e vagas que vivi.
Passei por prados, vales e montanhas
Vivi momentos de total encanto.
Vi muito riso,vi bastante pranto
Vi coisas simples e também estranhas.
E, mesmo assim, em tempo algum, no fundo,
Tal como quem se achasse numa guerra,
Pensei parar. Buscava ver a terra
E conhecer as trilhas deste mundo.
VISÃO DO PARAÍSO
Vi cenas lindas e tudo era riso.
Senti perfume de suaves rosas
E me quedei nas luzes radiosas
Ao ver abrir-se o véu do Paraíso.
Entrei. Fui vendo logo, sem demora,
Ao lado de risonhos serafins
E de sutis e puros querubins
A Mãe de todos nós - Nossa Senhora.
Que bela que ela é!Toda de branco
Olhar brilhante, fronte resplendente
Andar garboso, corpo transparente
Voz dócil e gentil, sorriso franco.
Dos lábios seus ouvi com atenção
Sonoros hinos, cânticos de amor
Singelos versos, brados de louvor
Que guardo vivos no meu coração.
Da FÉ, falando com simplicidade,
Faz ver que dela vem toda a bonança
Que é perene fonte de ESPERANÇA
Fermento, massa e pão da CARIDADE.
E disse mais: que para a salvação
Não basta apenas crer e perdoar
E nem somente orar e meditar
Mas sempre ver nos outros um irmão.
Falou de muitas outras coisas mais:
Do céu, dos rios, da terra e dos mares
Dos pais, dos filhos, dos irmãos, dos lares,
Da flor, das plantas e dos animais.
Ouvi corais em místicas canções
Tratando das belezas naturais
Da bondade e dos dons transcendentais
Da força e do poder das orações.
Vi venerandos santos e anciãos
Anjos mil na mansão celestial
Todos unidos pela fé real
Na mais perfeita vida de cristãos.
Num trono de marfim, sobre um tripé,
De cravos e de lírios enfeitado
Um homem lá se achava bem sentado
Era o bondoso e puro São José...
Pai adotivo de Nosso Senhor
Aquele que nos trouxe a boa nova
Que também nos deu a divina prova
Da verdadeira paz e puro amor.
- Cadê Jesus? Eis minha indagação.
Uma voz, com dulçor, de pronto exclama:
- O Cristo sempre fica com quem ama
Os pobres. E pra vê-Lo olhe o irmão.
E pelo que vi na mansão celeste
Ficou comigo, para minha sorte:
Daqui pra frente já não temo a morte
Pois ela, de paz, a minha alma veste.
Clamar aos quatro ventos eu preciso
Com toda força que poder meu peito
Dizendo com ardor e com respeito
O que vi e senti no Paraíso.
Vi luz e luz, só luz, profusa luz
Clarão, clarão, clarão de muitas cores
Raios vistosos, chispas multicores
Faróis, faróis, faróis de lá da cruz.
VISÃO DO INFERNO
Vi cenas brutas e tudo era pranto.
Só choros e cruel ranger de dentes.
Ouvi horrendos silvos de serpentes
E gritos de terror, de grande espanto.
Em face do que de longe eu ouvi
Não tive nem coragem de parar
E, nem sequer, vontade de olhar
Por causa do tormento que senti.
Andei depressa, rápido, ligeiro,
A fim de me livrar daquele fundo
Daquele charco fétido, imundo,
Que causa tanta dor e desespero.
A frase que li no portal do inferno:
“Deixai ó vós que entrais toda esperança”
Ficou-me, para sempre, na lembrança
Por traduzir cruel castigo eterno.
De aviso tão brutal ninguém esqueça.
Aos que quiserem dele se livrar
Há uma só lição a se tomar:
Doar-se a quem quer que rogue e padeça.
VISÃO DO PURGATÓRIO
Vi cenas simples e tudo era transa
De ramos de roseiras perfumadas.
Havia em toda parte, derramadas,
Folhagens verdes, a cor da esperança.
Em tudo se notava com clareza,
Que se tratava de um lugar sem jaça,
Só para os que viveram sempre em graça
E dando exemplo de cristã pureza.
No centro, num altar, um oratório,
Em volta dele, lindas coleções
De flores. E, com cantos e oblações
Oravam os fiéis do Purgatório.
Olhando o seu fervor logo eu diviso
A grande fé que os une em oração
Na busca da paz e da salvação,
Visão, sinal e luz do Paraíso.
VISÃO INTERIOR
De forma simples, como se contém,
Aqui termina minha narração,
Em que tentei mostrar uma visão,
Embora vaga, que tive do além.
Ficou lá para traz uma saudade,
Pois sei que tudo não passou de um sonho,
Um sonho tão amargo quão risonho,
Mas que, bem eu queria, fosse verdade.
Resta-me no final grato sorriso,
Por me sentir feliz, em ofertório,
Querendo ter por prêmio o Purgatório,
Já que ganhar não posso o Paraíso.
O blog Custódia Terra Querida, a cada dia se supera nos seus informes.
ResponderExcluirTer um colaborador do naipe do Dr. José Carneiro, constitui-se numa aquisição digna dos melhores e mais atuantes informativos do gênero.
Aliás, este Blog sempre primou pela informação, quer seja genérica comum a todos, ou cultural (relativa a poucos), limpa, clara e transparente, imune aos casuais profetas do apocalípse.
Incorporei-me às fantasias oníricas deste relato, viajei com Dr. Zé Carneiro.
Transportei-me com ele neste sonho do mundo,inclinei-me a ficar no PARAÍSO, fui em frente, pensando como seria o PURGATÓRIO. Curioso, pelo INFERNO passei olhando de soslaio, despertei vendo o INTERIOR que inexorável interrompia aquela viagem, como a dizer: Acorda. A realidade chegou.
Abraços,meu caro primo.Abraços meu caro Zé.
Fernando
Ilhéus\Ba