28 novembro, 2022

Padre João Rodrigues, o semeador de templos por Orlando Calado


Padre João Rodrigues, o semeador de templos

A freguesia de São Bento foi criada em maio do ano de 1853 por uma lei provincial. Desde então, são 157 anos de pleno funcionamento. Vários foram os párocos que estiveram à frente dela. Todos tiveram uma parcela de contribuição para o seu desenvolvimento, tanto material como espiritual, porém nenhum deles teve um desempenho que pudesse ser comparado à grande obra espiritual e material do padre João Rodrigues de Melo. 

Homem empreendedor ao extremo, ele logo conquistou a amizade, a confiança e o respeito dos seus paroquianos. Nunca na nossa histórica eclesiástica, um sacerdote disseminou, no território de sua paróquia, tantos templos os quais visitava constantemente dando o conforto necessário aos fiéis, moradores nos sítios e povoações, que antes precisavam se deslocar para a matriz a fim de tomar parte nos ofícios religiosos, como missas, novenas, batizados e casamentos.

Nosso saudoso pastor nasceu em Custódia, sertão pernambucano, no dia 16 de maio de 1897. Era filho de Nemésio Rodrigues de Melo, nascido em 12 de dezembro de 1866 e falecido em 10 de junho de 1931, e de Justina Pereira de Melo, nascida em 26 de setembro de 1871 e falecida em 26 de setembro de 1931 com exatos 60 anos. Seus pais eram pessoas exemplares e amigos fiéis que sempre tiveram, em Custódia, suas portas e muito mais seus corações abertos a todos quantos solicitavam auxílio ou uma palavra de consolo num momento de dor e de aflição. 

Naquele tempo, as famílias mais esclarecidas incentivam um filho a seguir o sacerdócio católico, pois era uma maneira de demonstrar toda a sua fé. João, criado em ambiente de religiosidade, sentindo-se com vocação para o serviço religioso, atendeu ao pedido dos pais, tendo sido ordenado no dia 8 de dezembro de 1922. O ano de 1931 foi um ano particularmente de grande tristeza e dor para o jovem sacerdote João Rodrigues de Melo, pois que num lapso de pouco mais de três meses perdia o pai e a mãe, seus esteios na fé e na religiosidade. 

Esse triste episódio fez com que o sacerdote redobrasse suas forças e partisse para realizações em que se entregou de corpo e alma em benefício dos mais necessitados, assim como do progresso material de sua gente por demais sofrida pela escassez de recursos.

Iniciando a carreira sacerdotal, João Rodrigues serviu como vigário de Cimbres, Barão do Rio Branco (hoje Arcoverde) e de Belém de Maria. Tomou posse como pároco de São Bento no dia 11 de fevereiro de 1934, encontrando no território de sua paróquia apenas cinco capelas. Foi um construtor de templos como a grande igreja de São José da então vila de Capoeiras e mais as capelas de Mulungu, Espírito Santo, Campo Limpo, Papagaio, Queimada Grande, Pimenta, Cacimbão, Beira-Mar, Maniçoba, Alegre e Jurubeba, reconstruindo as de Feijão, Pindorama e Salobro.

João Rodrigues, homem dinâmico e empreendedor, foi o fundador e presidente da Cooperativa dos Produtores Agropecuários de São Bento do Una, tendo erigido a sede e armazéns da entidade, hoje em ruínas. Ele foi um homem muito querido e admirado não só pelo seu elevado espírito público, mas pelo carinho que devotava a todos, ricos, remediados ou pobres. Fazendeiro e criador de gado bovino tornou-se homem de recursos. Sabedor de que em São Bento havia carência de habitações, construiu, com recursos próprios, ruas de casas, onde cobrava simbólicos aluguéis que logo eram consumidos pela inflação dos meios de pagamento.

No dia 11 de fevereiro de 1959, quando completou vinte e cinco anos à frente da paróquia são-bentense, foi agraciado com o título de cônego. Em São Bento do Una, homem de hábitos simples, foi amado, idolatrado e respeitado por toda a população e tido como o maior pároco de toda a nossa história eclesiástica e pessoa que influenciou positivamente várias gerações de paroquianos. Seu dinamismo era tanto que conseguiu colocar a paróquia de São Bento em primeiro lugar em movimento religioso na diocese de Garanhuns, composta, na época, por mais de duas dezenas de freguesias, conforme deixou assinalado, com propriedade, a historiadora municipal Ivete de Morais Cintra em seu livro: “São Bento do Una: formação histórica”.

O cônego João Rodrigues de Melo faleceu relativamente moço, aos 66 anos de idade, no domingo, 7 de julho de 1963, deixando a cidade consternada com tão grande perda, pois o povo tinha certeza de que outro pároco de fibra e empreendedor como ele dificilmente surgiria. Os sinos de sua igreja dobraram em sinal de pesar pela grande perda. A cidade parou. O povo chorou. 

O sepultamento ocorreu no mesmo dia do passamento. Uma incalculável multidão o levou à sua última e definitiva morada no cemitério municipal ao som de tristes marchas fúnebres executadas pela centenária Banda Musical de Santa Cecília. À beira da sepultura, vários oradores se fizeram ouvir. Palmas, soluços e vivas ao grande homem partiram da multidão emocionada com tão grande e inestimável perda, pois João Rodrigues foi uma personalidade central e parte integrante da vida da cidade, durante os mais de 29 anos que esteve à frente da paróquia.

Na missa de réquiem pelo primeiro aniversário da morte do cônego João Rodrigues, o celebrante, padre Antônio Barbosa, emocionado, recordou a saga do homem que honrou como ninguém o múnus sacerdotal a que se obrigou, ou seja, o encargo da orientação e da defesa do seu rebanho:

“Uma palavra de prontidão sempre esteve em seus lábios e um transbordamento de alegria sempre presente, com quem se encontrava pelas longas caminhadas. A queixa de um sol queimante ou de frio impertinente não lhe fazia resistência, por uma travessia em busca da ovelha necessitada. Mesmo que, fanhosamente, criticasse o cavalo trotão do matuto carrancudo nem assim se fazia omisso no cumprimento do dever. 

Amigo de todas as horas, serviçal a toda prova, generoso, hospitaleiro, atencioso para quem o procurava. A agilidade e prontidão em servir se converteu em paralisia e quietude sobre o leito de sacrifício. Com voz sumida ainda perdoava os pecados; no recanto da dor ainda celebrava o santo sacrifício, nos braços dos amigos ainda regenerava o batismo. Quis morrer como vigário de São Bento. Desejava completar o sacrifício de sua vida como pai da grande família e como pastor do amado rebanho”.

João Rodrigues de Melo, o sertanejo forte e destemido, filho de pais exemplares, dedicou toda sua energia vital em prol das causas que dignificam a pessoa. Foi o semeador de templos, o pregador firme e resoluto na defesa da fé, da esperança e da caridade. Foi um homem do seu tempo, tendo trocado o cavalo trotão do matuto por uma baratinha Ford 29, com a qual muitas das vezes esteve em Mulungu, enfrentando estradas carroçáveis, chuva, poeira, calor, riachos a transbordar, mas sempre trazendo uma palavra de amor e de solidariedade aos enfermos. 

Ele foi um edificador, um semeador e não merecia jamais sofrer o que sofreu no leito da morte. Amou sua paróquia como um pai extremoso ama os seus filhos. O seu sacrifício não terá sido em vão porque jamais será esquecido por todos aqueles que tiveram a felicidade de com ele conviver e receber dele os conselhos que forjaram cidadãos resolutos e solidários. Ele se foi, porém está eternizado num busto na praça são-bentense que tem o seu venerável nome.

Texto de Orlando Calado, publicado no Portal São Bento do Una, em 05/04/2011. Contato: e-mail 

O Padre João Rodrigues de Melo é tio da Senhora custodiense Etelvina Rodrigues, (Dona Teté) esposa do Sr. Nivaldo Gonçalves.

Nenhum comentário:

Postar um comentário