19 janeiro, 2023

Como era o São João em Custódia


foto: Arquivo Célia Barros

Por José Melo
Janeiro/2013

Até os anos oitenta, o São João em Custódia praticamente não existia, restringindo-se apenas a queima das fogueiras, na cidade, e os famosos forrós na zona rural. A partir daí começaram a surgir os arraiais, espalhados pelas ruas da cidade, que juntavam os moradores daquelas ruas, para brincar na beira da fogueira, com muita música, pamonha, milho assado, bebidas, e muitos fogos de artifícios. 

Mas, São João autêntico mesmo, era aquele realizado na zona rural, há muitas décadas atrás. A festa começava na véspera, e durante todo o dia as atenções eram dedicadas a preparação da festa. Colher o milho verde, plantado no dia de São José, para fazer a canjica, pamonha, bolo, pé de moleque. Cortar a lenha, transportar e armar a fogueira; varrer o terreiro, enfeitar com bandeirolas de papel de seda, e aguardar ansiosamente o sinal para o início das festividades: o tiro da riúna, desfechado no terreiro da casa, anunciando assim as homenagens ao santo do nordeste. 

A fogueira era cuidadosamente preparada para ser acesa. A fumaça da lenha verde fazia arder os olhos da meninada. Mas ninguém queria perder aquela noite festiva, que se iniciava exatamente com as brincadeiras dedicadas às crianças: pau de sebo, corrida do ovo, quebra panela, cabra-cega, etc. Tudo isso sem falar nos fogos de artifícios, entremeados pelo espoucar de tiros das riúnas e bacamartes. 

Em determinadas áreas da zona rural, formavam-se grupos de bacamarteiros, com sua indumentária característica: calça e camisa de mescla Alvorada, azul, alpargatas de rabicho, chapéu de palha quebrado na testa, tipo cangaceiro, albornais à tiracolo, cartucheiras completas de munição de festim. Saiam visitando a vizinhança e juntando novos componentes. Por vezes, na manhã seguinte, já dia de São João, eles se dirigiam, cedinho, à cidade, para encerrar as festividades. Era um verdadeiro rebuliço na cidade. Tiros ensurdecedores, a fumaça fechava a rua, e aquele cheiro horrível da pólvora com enxofre invadia as casas. Animados, tocavam sanfona, e dançavam o xaxado exibindo orgulhosamente seus bacamartes. Em alguns grupos chamava a atenção a presença de uma criança ou uma mulher, devidamente paramentados, dando tiros de bacamarte. O interessante é que naqueles tempos, por mais bebida que rolasse, por maior que fosse o grupo, havia a mais perfeita ordem, jamais se registrando qualquer caso de desavença ou confusão. Para isso, o Chefe do bando impunha respeito e mantinha a ordem. Sua palavra era acatada na hora, e quem o desafiasse, estava desligado do grupo. 

Lembro bem de um grupo famoso pelo número de bacamarteiros. Era o de Zé Batista. Certa feita ele chegou a reunir cerca de trezentos bacamarteiros, numa festa de inaugurações promovida por Luizito, e que contou com a presença do Governador da época, Marco Maciel. Dizem que o Governador, que não conhecia grupos de bacamarteiros, inicialmente, ao descer do avião ficou assustado coma recepção: um verdadeiro bando de “cangaceiros”, tão originais eram os componentes do Grupo de Bacamarteiros. 

Um outro grupo famoso – esse não era de Custódia, mas de Sítio dos Nunes, era o de Luiz Andrade. Todos os anos ele comparecia a Custódia, para se encontrar com os grupos da terra. Figura carismática, Luiz Andrade tinha traços dos “galegos” europeus: alto, branco, olhos verdes, corpulento e voz grave.

Com o passar dos tempos, os grupos foram diminuindo, e com a chegada de novos entretedimentos, essa tradição praticamente acabou em Custódia. Creio nem mais existirem os Grupos, apenas aqueles mais fanáticos, que solitariamente ainda fazem ecoar pelos grotões da caatinga de Custódia, o rebumbar dos tiros de bacamartes, talvez como um lamento pelo fim daquela tradição, e um choro de saudade do São João de antigamente.



Foto: Elba Feitosa

Comemoração de São João entre 1973/74 no Ginásio Padre Leão ou Ernesto Queiroz.

Em pé: desconhecida, Tonho de Duquinha, Crystomeres, Luiz Cláudio Epaminondas, Elba Feitosa, Sérgio Murilo, desconhecida. 

Agachados: Fernando, Ana Cláudia, Fábio (irmão de Fernando), Eliane Remigio, Adilson Veríssimo e Rejane Medeiros

9 comentários:

  1. Zé Melo.

    Que maravilha. Éramos felizes e não sabíamos. Me tire uma dúvida: Lembro bem da "roqueira" (que não tem nada a ver com cançarina de rock). Era feita com um pino de feixe de molas de caminhão.A mistura explosiva, nós mesmos fazíamos com cloreto (de que?) e enxofre comprados na Casa Goes.

    Já da "riúna" não tenho lembranças. Seriam as duas a mesma coisa. Apenas com nomes diferentes nomes?

    Sugestão: Vamos dar uma ressuscitada
    nesta brincadeira? Quem poderia nos ajudar em Custódia?
    Fernando Florencio
    Ilheus/Ba

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  2. Fernando:

    A roqueira era feito de um Pino de mola de caminhão. A pólvora era feita de salitre e enxofre.

    Já a Riuna ou bacamarte nada mais é que uma super espingarda, de grosso calibre, que é carregada pela boca do cano, com pólvora (caseira ou industrial). Provém da guerra do Paraguai, onde foi largamente utilizada como arma.

    José Melo

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  3. Pois é Zé.
    Então a "riúna" é o mesmo "bacamarte".
    Imagina, nas visitas à Custódia, os visitantes fossem convidados a visitar o maior ecervo histórico da cidade. MUSEU MUNICIPAL.
    Creio quje seríamos pioneiros neste aspecto, em todo o interior do estado.
    Vamos à luta. CIDADE SEM HISTÓRIA É CIDADE SEM ALMA.
    Fernando Florencio
    Ilheus/Ba.

    Em tempo: Acho que Severino (do Rádio) poderia nos ajudar, apresentando um projeto na câmara, incluindo a disponibilização de um imóvel.

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  4. Bons tempos! Éramos todos felizes.
    Recordar é viver.

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  5. Essa época boa hoje o são João e compretamente diferente nada a ve

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  6. Definitivamente, é muito prazeroso ler um texto redigido pelo Zé Melo! A gente fica só imaginando, nostálgicos...
    Meus parabéns, Zé! Você nos presenteia a cada postagem!

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  7. Sou da geração 80, Minha infância foi emalada ao som da radiola de Bia de Bio do Taxi em sua bodega nos períodos juninos, as ruas Luiz epaminondas e Major Experidião de Sá, era nosso ponto de encontro .
    O Quadrilheiro mais querido, Silvio.
    Era dele o comando do Anariê! Alavanca!
    Nós, os Brincantes ,crianças jovens e muitos adultos separados em nossas quadrilhas por estas categorias esperávamos ansiosos este período para nele colocarmos nossa expressão cômica e divertida, adereços típicos, personagens caricatos de novas e noivos ,padres e acompanhantes.
    Foi de iniciativa da algum gestor municipal a construção de de pavimento em cima dos paralepipedos para fazer a quadra do nosso arrasta-pé.
    Claro, minha mãe como costureira Babá de Chiquinho Daniel era requisitada a remendar e costurar roupas para animar a festa, nosso curtiço assim como noscreferiamos com carinho no trexo da rua Major Experidião de Sá da esquina de Rildo Rafael com seu empório bodega, era a confluência com muitos da nossa geração.
    É de Custódia a minha mais efetiva e afetiva lembrança e formação do ser que sou hoje, foi a estes eventos que culturalmente tenho o respeito pela diversa cultural do mundo.
    É dos eventos Custodienses os que me fizeram a formação de arquétipo construído em cima deste amor e respeito a cultura do nosso povo da nossa gente.
    Amo os eventos populares da nossa protetora e educadora não atoa que é nossa Custódia.

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  8. Que texto maravilhoso, me senti lá na época das quadrilhas de Bia.

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  9. Quem estar ao lado de Sérgio Murilo é Ironeide Maria Alves.

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