17 março, 2022

[Conto] Que futuro nos aguarda - por Cristiano Jerônimo Valeriano

 


Cristiano Jerônimo
Recife-PE
Março/2022

Os fluxos e os refluxos das marés da nossa terra tupiniquim fizeram com que um sábio Pajé, à beira do mar, abrisse uma janela no céu para entender que o Brasil seria a repetição das culturas de guerras e domínios do Velho Mundo, o qual ele não conhecia. Mas via que, no planeta, as forças antagônicas do subir e do descer da qualidade de vida das tribos da cidade faziam com que os invasores da América se dividissem em progressistas e conservadores, da esquerda e da direita, numa miscigenação de brancos, negros e índios. A roda gigante que o ameríndio não conheceu também não pararia de girar e pagaria para morrer. Foi então que, no ano de 1501, naquela mesma praia, o Pajé teve uma visagem melhor do futuro do Brasil. Ele arregalou os olhos como se tivesse dado conta de um pesadelo que o arrematou e guardava a futura humanidade, mesmo ele já estando acostumado com animais ferozes nas selvas do tempo. Só não esperava a pólvora cobrindo de fumaças tribos inteiras.

Dois anos depois, o Pajé saiu da praia deserta onde sempre meditava e subiu até um monte rochoso. Do alto, no céu, abriu-se outra tela mostrando que, a partir de então (1503), a tal “roda gigante sem futuro” não mais pararia de girar. Na montanha, o índio acessou visões dos anos de 1917, 1945, 1964, entre outros marcantes, e viu que, toda vez que a dita civilização avançava 20 anos, voltava logo outros 30. O índio olhou para os dois lados e não viu diferença entre eles, os europeus e os africanos, apesar do início de um genocídio, a escravidão e execuções sumárias se agravarem quando eles partiam para defender o que lhes pertencia de fato e de direito. Foi quando o Pajé viu, do futuro do céu do mar, uma intrigante manchete de jornal vinda do ano de 2021: “300.000 quilômetros quadrados da cobertura vegetal da Amazônia foram devastados nos últimos 20 anos”.

Perto do fogo, os líderes perguntavam em uníssono, naquela época:

– Qual o futuro que vamos enfrentar, então? – Enfatizou o Cacique dirigindo-se ao Pajé, em 1742.

– Há notícias de que eles vêm massacrando nosso povo cada vez mais e usurpando as nossas terras, avançando do litoral para o interior, oeste inteiro –, respondeu o velho índio visionário, com semblante de tristeza.

O diálogo e as reflexões dos representantes do povo “ameríndio” primitivo e a condição de povo colonizado geográfica e culturalmente também levaram os negros à escravidão, refletia o Pajé. Foi quando o líder negro Zumbi facilitou a vinda de irmãos de outra galáxia para tentar explicar o que estava acontecendo nas “Américas”. Os misteriosos seres do futuro levaram o Pajé do ano de 1545 para se encontrar com Zumbi, no Quilombo dos Palmares, no ano de 1685, no estado de Pernambuco, onde hoje é o estado de Alagoas. Era uma avançada tecnologia de viagem no espaço e no tempo, inexplicável, que somente os irmãos intergalácticos usavam.

A oportunidade era de saber como seria o futuro daquele turbilhão de bandeirantes e caçadores de escravos, matadores de índios e degoladores de árvores, de florestas, de gente, rios e bichos. E o Pajé falou mais uma vez:

– Irmão, em dois séculos eles já terão formado cidades, coisas urbanas, e reclamarão muito da vida, sendo tão escravos como os negros, num sistema de trabalho herdado da escravatura. Não haverá saídas para estas cidades... Elas ficarão cada vez mais mortas. O que vai sobrar e parecerá vida serão apenas resquícios da vida indígena que por muito tempo habitou estes espaços. A consciência dos povos de que você pode viver, habitar, a salvo do inferno de automóveis é fundamental para se criar cidades saudáveis; e a consciência popular é que pode contribuir para isso.

E o Pajé continuou. Presente, Zumbi permanecia ouvindo o sábio índio:

– Nesta terra de tanta riqueza, homens portugueses, espanhóis, aventureiros e mouros vão passar por vários governos, vários regimes e parecerão não saírem do mesmo lugar. Os humanos vão viver mais e o Estado, no final do século XX e início do século XXI, irá transformar num tormento o sistema de saúde pública; desmontarão o trabalho, a assistência social e a previdência, das quais todos precisarão de alguma forma um dia. Escravos de um trabalho cada vez mais escasso, os humanos terão que se reinventar muito. 2021. País em crise, pandemia, o deboche ganhará status de liderança. O futuro é de reivindicação, de mais lutas pelos direitos que tentarão sempre usurpá-los e nos oprimir em prol do capital. 2022: o planeta em pé de guerra.

E os dois foram transportados novamente aos seus lugares e tempo, ambos esquecendo aquele encontro. Ficaram, no entanto, com a consciência de lutar pelos seus próprios direitos e contra a opressão sobre a parte mais fraca desta equação, para imprimir no DNA do povo brasileiro o gene da luta, da resistência, do espírito de avanços sociais.

Cristiano Jerônimo é custodiense, escritor, jornalista e professor assistente do curso de Publicidade da Universidade de Taubaté (UNITAU) – SP.


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