31 dezembro, 2020

Reminiscências de um fim de ano - José Melo

 

REMINISCÊNCIAS DE UM FIM DE ANO
Recife, 31/12/2020
J.Melo



Neste último dia do ano, acionamos o replay da vida e revivemos todos os acontecimentos do ano que se finda. Mais que isso, voltamos aos primeiros tempos que a memória gravou, para que rememorar tudo como num filme. E nessa volta no tempo, vejo um cenário inesquecível: a Majestosa Matriz de São José, sentinela vigilante da cidade, contempla as poucas ruas do lugar; a frente, a modesta Praça, que chamávmos de Quadro, a qual se resumia a dois quadrados circundados de calçadas cimentadas, divisões da área em formas geométricas diversas, bancos sem encosto e só; a seu lado esquerdo, a pracinha, com seu Coreto, seus bancos toscos, o obelisco - que chamávamos de Pirulito, e a direita uma vista fabulosa do síitio que dava um aspecto rural àquela paisagem: altos coqueiros, mangueiras, bananeiras, goiabeiras e todos os tipos de frutas adaptadas à região. 

O quartel general da criançada da época era o Coreto. Alí, iam chegando aos poucos, até formar um bando barulhento de meninos que discutiam as regras das brincadeiras da hora: Bola de gude, mas para nós apenas “jogo de bila”; futebol jogado com uma bola de meia, o “toca”, “Mandrake”, pião, jogo de castanhas, e muitas outras opções, por vezes inventadas na hora. Os jogos geralmente eram apostados, usando-se como dinheiro cédulas feitas com maços de cigarros vazios cujos valores variavam de acordo com a marca do cigarro. Ou as próprias castanhas utilizados nas diversas modalidades de jogo de castanha. Lembro do “Encosto”, onde ganhava que jogasse uma castanha e essa ficasse mais próximo da parede. Uma outra consistia em jogar uma castanha a uma certa distância e o parceiro tentar acerta aque com outra castanha, para ficar comas duas. Outro tipo era o “Pitelo”, que consistia em tentar derrubar, jogando castanhas, uma castanha maior equilibrada sobre um montinho de areia. 

O Coreto, como disse, era o quartel general, da criançada. Uma das brincadeiras mais comuns que eram iniciadas no Coreto, era a do Mocinho e Bandido, que chamávaos de “brincar de render”. 

Mas o Coreto tinha uma função mais nobre: era reservado para os grandes momentos da vida social da pequena cidade. Ali apresentavam-se bandas de música, nas principais festas do ano, especialmente a Festa do Padroeiro São José. A retreta ocorria sempre no finalzinho da tarde e reunia muita gente para apreciar a boa música. Já em outras ocasiões, era a banda de Pífano de Zé Biá, ou os ensaios do Pastorial, cuja apresentação oficial ocorria na calçada da igreja. 

São cenas que ficaram gravadas na mente de centenas de crianças da época, alguns deles hoje rememorando tais cenas no descanso da idade. Muitos deles revoltados porque não se preservou tais cenários como eles os guardam na memória. Mas, convenhamos, o tempo passa, nós passamos, e o hoje pertence a quem o vive. O progresso tem a fama de vilão destruidor do passado, mas é ao mesmo tempo o construtor do futuro. O presente será no futuro apenas uma lembrança para os personagens do hoje. E estes lamentarão a transfiguração das paisagens, exatamente como a nossa geração o faz agora. E assim o ciclo da vida vai moldando as memórias das gerações. Devemos dar graças por termos muito de bom a lembrar. E isso nenhum progresso conseguirá apagar. Nossa memória sempre nos dará momentos de devaneios, de sonhos, de lembranças saudáveis e inesquecíveis. 

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