29 abril, 2016

[Diário de PE] Igreja impede avanço de obras da Transnordestina em Custódia

Foto: Ricardo Fernandes/DP

Quem pensa que a igreja abre caminhos pode até ter provas legítimas de que é verdade, mas a “fé” do governo federal não deve funcionar muito bem, principalmente em Pernambuco. A obra da ferrovia Transnordestina é o retrato claro. A construção está parada por conta da Igreja São Luiz Gonzaga, que já virou famosa em Custódia por “travar” o trem de passar.

Há pelo menos dois anos, e desde então, não há oração que faça essa obra andar e quebrar a ironia de integrar o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). 

Especialistas alertam para os equívocos do planejamento da obra até a execução e garantem que o simbolismo da igrejinha representa a falta de prioridade com o projeto. Além disso, pela importância para o país, reforçam que não deveria ser tratada como item político. O Ministério dos Transportes não apresenta sequer uma previsão de conclusão nos últimos relatórios do PAC.

“A obra estoura todos os orçamentos previstos e não tem qualquer utilidade para a economia. O custo partiu de R$ 4,5 bilhões em 2006 e chegou a R$ 11,2 bilhões atuais. A previsão de entregar em 2010 também foi ignorada. A última previsão era 2018, que eu não acredito que ocorra”, destaca o presidente da Associação Nordestina de Logística do Nordeste (Anelog), Fernando Trigueiro. “Até o percentual de conclusão é questionável. Se tivesse 55% concluídos teria algum trecho pronto, seja de Salgueiro a algum porto (Pecém ou Suape) ou na integração do Piauí. E nada disso é apresentado”, acrescenta.

A construção em Pernambuco tinha tudo para ser a primeira a engrenar. O estado foi o primeiro a concluir o processo de desapropriação das áreas que serão impactadas pela construção. O traçado passou por quatro mudanças no trecho pernambucano para livrar áreas de barragem (para evitar inundações) e centros urbanos (que encarecem as indenizações), além da igreja de Custódia, protegida pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) por ter restos quilombolas sob a construção do tempo. Depois de anos de entraves para definição da manutenção da igreja, foi planejada e entregue à Agência Nacional de Transportes Terrestres a mudança, com a construção passando 14 metros ao lado do templo. Uma nova igreja chegou a ser construída em 2011 para que os cultos fossem transferidos, mas não houve adesão da comunidade. Nesse embróglio, a obra estacionou.

De acordo com o professor do departamento de Engenharia Civil da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Maurício Pina, o agravante do atraso é que chega a um ponto em que, quanto mais atrasa, mais cara a obra fica para os cofres públicos. "Tratar como política é problemático. No fim, ninguém ganha. Principalmente no estágio atual, como projeto pronto e obra na metade. Não dá para recuar e desistir. Dá para concluir, se colocar como prioridade", assinala. Segundo o professor, além do caráter político, os problemas que uma obra encontra é pela falta de atenção que se dá ao projeto. "Não se prioriza a elaboração e a importância do projeto. Trabalha-se como prazos inexequíveis de elaboração do projeto para que a obra comece logo. Isso é um erro grave porque dá margens para custo imprecisos, por exemplo", pontua.

RESPONSABILIDADE
A construção é responsabilidade da Transnordestina Logística S.A (TLSA), concessionária responsável por implantar os 1.753 quilômetros de malha ferroviária, mas que, atualmente, não trabalha em Pernambuco, apenas no Ceará e no Piauí. A TLSA foi procurada pelo Diario, mas não informou quando deve voltar a mobilizar equipamentos no estado, não apresentou calendário de entrega do projeto, nem informou orçamento à disposição para tirar o projeto do papel. O Ministério dos Transportes, apesar de ser o órgão do governo vinculado à obra, disse que qualquer assunto é tratado com o agente privado.

Nos trilhos do desenvolvimento

Foto: Ricardo Fernandes/DP

Especialistas afirmam que cada paralisação de obras interfere diretamente no custo. Obras já estiveram mobilizadas em Pernambuco, em 2012, mas não avançaram. 

Os ganhos de integrar uma malha ferroviária à logística do Nordeste e do estado representam mais que a economia na redução de custos, hoje altos por depender de caminhões em estradas para movimentar a produção na região. De acordo com o presidente da Associação Nordestina de Logística (Anelog), Fernando Trigueiro, representa desenvolvimento em todas as cidades cortadas pelos trilhos, além de uma forma real de colocar nossa produção em eixos de competitividade. E assegura: se a Transnordestina sair, colocará o Nordeste em outro patamar.

“Mais de 60% do escoamento de produção do Nordeste usa rodovias. Ter o acréscimo dos trilhos reduziria o custo do frente em 30%, porque só usaria as rodovias em rotas finais ou iniciais e deixaria os grandes percursos por trem”, explica, reforçando a necessidade da integração dos modais. “O gesso do Araripe, por exemplo, perde mercado para o gesso importado, pelo custo. É mais barato importar do que trazer de Araripina até o Porto de Suape, de onde segue por navio, outro modal de integração logístico.”

Ainda segundo Trigueiro, para um país com as nossas proporções, o ideal é usar mais ferrovias do que estradas e, no Nordeste, a malha disponível é zero. “Mas a falta de envolvimento nesse aspecto frustra o setor. A obra anda somente no Ceará, o que se caracteriza um caráter político e não técnico. Qualquer que seja o governo, é preciso priorizar essa obra. São dez anos de defasagem”, ressalta.

O professor do departamento de Engenharia Civil da Universidade Federal de Pernambuco, Mauricio Pina, reforça que é necessário cessar esse círculo vicioso sobre a Transnordestina. "Afirma-se que não se faz infraestrutura ferroviária porque não tem demanda para sustentar o fluxo e depois rebate-se assegurando que só não existe carga porque não tem ferrovia. E ninguém avança. É preciso superar esse círculo e perceber que a Transnordestina é importante para a economia, já tem parte executada e precisa ser concluída. OS atrasos são péssimos", ressalta. "Terraplanagem, por exemplo, é uma etapa de obra muito exposta. Se fizer essa parte e parar, o próximo recurso que chegar vai ser usado para refazer em vez de avançar. Terrível para uma construção e uma forma muito improdutiva de tratar recurso público", complementa.

Mobilização em outros estados

Com status de 100% parada em Pernambuco, a obra tem sinais de mobilização nos demais estados. Ainda assim, sem grandes expressão de engenharia. O governo federal apresenta um balanço de 55% de conclusão na obra total, mas não consegue informar quais os trechos que têm todas as etapas da montagem de trilhos realizadas. No Piauí, por exemplo, o trecho que possuía canteiros de obra em operação demitiu mais de mil pessoas há um mês e a obra parou. Há uma semana, o último lote resistente também parou, pouco mais de seis meses depois de iniciar. Ninguém foi recontratado para retomar as atividades, segundo o Sindicato dos Trabalhadores da Construção pesada lotada no Piauí. No Ceará, a obra reúne o maior volume de obras.

Hoje, a obra emprega mais de três mil operários, maioria no Ceará. Missão Velha-Pecém reúne o maior volume de trabalhadores. O trecho possui atividades e mais de 2 mil trabalhadores na construção. O governador do Ceará, Camilo Santana, teria solicitado um repasse de R$ 3,5 bilhões para entregar a rota no estado. Sobre a possibilidade de voltar as atividades no Piauí, a TLSA não informou qualquer data para a obra ser retomada. A concessionária não deu prazos para resolver o impasse da igreja em 

Pernambuco, nem se será garantida a continuidade da obra no Ceará. Conforme o projeto, a ferrovia poderá transportar 30 milhões de toneladas/ano, com destaque para granéis sólidos (minério e grãos).

Entenda as mudanças na obra

- Entre 2005 e 2006, na fase de tirar o projeto inicial do papel, a ferrovia teria 800 quilômetros de novos trechos ferroviários e 1.100 seriam aproveitados de malhas já existentes da Rede Ferroviária Federal, que passariam por remodelação.

- O projeto passou por fortes intervenções em 2011 e passou a ser 100% rota de trilhos novos, sem trechos a serem recuperados.

- Para evitar áreas de inundação com a construção da barragem de Serro Azul, iniciada em 2015, o traçado foi readequado em 2011.

- Outra alteração ocorreu para que o centros urbanos das cidades de Escada, Gameleira e Ribeirão não fossem “cortados” pelos trilhos. A proposta foi apresentada em 2012.

- O projeto sofreu intervenção em 2014 para desviar o centro do Cabo de Santo Agostinho, onde, inclusive, está sendo implantado o projeto Convida Suape, cidade planejada para 100 mil habitantes.

- Em 2015, uma nova mudança inclui, além de atualização e reajuste, uma incorporação de novos pontos de engenharia, que inclui os pontos de mudança de rotas, postos de acessibilidade, adequações e custos com medidas socioambientais.

- O prazo de entrega do projeto, atualmente, é 2017.

Mudanças no custo:

O orçamento para a obra já foi reajustado três vezes

Começou em 2007 com R$ 4,5 bilhões
foi reajustado em 2010 para R$ 5,4 bilhões
e revisto em 2013 para R$ 7,5 bilhões
A última revisão de custo foi em 2015 e levou o valor da obra para R$ 11,2 bilhões.

Fonte: Transnordestina Logística S.A. (TLSA)/Ministério dos Transportes

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