10 outubro, 2025

O Medo e o Respeito de Seu Dede pelo Sargento Jorge Arruda



Lá pras bandas de Custódia, no coração quente do sertão pernambucano, quando o sol rachava o chão e o vento trazia cheiro de terra molhada, vivia um menino magricelo de uns sete anos de idade — curioso e cheio de imaginação. Era eu mesmo.

Naquele tempo, a cidade era pequena, mas cheia de personagens grandes, daqueles que a gente nunca esquece. Um deles era o Sargento Jorge Arruda. Homem de presença!

Barrigudo, bigode grosso, farda apertada, revólver na cintura e uma conversa que prendia qualquer um do começo ao fim. Quando ele começava um “causo”, ninguém arredava o pé.

Eita homem que gostava de contar história!
Dizia, com a maior firmeza do mundo, que tinha brigado com Lampião, o cangaceiro mais temido do Nordeste.

— Eu meti foi taca em Lampião, menino! — dizia ele, batendo no peito. — E quando ele tava se levantando, eu gritei: “Aqui é família Arruda, aprenda a respeitar!”

E o povo, mesmo duvidando, ficava quieto… porque o Sargento Jorge falava com tanta convicção que até o vento parava pra ouvir.

Meu pai, seu Dede do Sítio dos Nunes, era o que ele chamava de “inimigo número um” do sargento. Ninguém sabe direito o porquê — talvez política, talvez orgulho de homem sertanejo.

Mas o mais engraçado é que, mesmo dizendo que não tinha medo, quando tomava umas pingas a mais, chegava em casa e soltava a pérola:

— Tô todo cagado de medo de Jorge!
E ria, completando:
— Jorge, vem me limpar!

Era o jeito dele de tirar onda do medo que não queria admitir.

Diz o povo que um dia o Sargento Jorge prendeu meu pai, mas não durou muito. Parece que até a cadeia respeitava o humor de seu Dede.

E mesmo com essa “inimizade” dos grandes, lá na Rua da Várzea, nós, os pequenos, éramos amigos dos filhos do sargento — o Bebé, Edmilson e mais uma porção deles.

Brincávamos juntos, correndo no barro, dividindo bola, pão e segredo. Porque, no sertão, as rixas dos adultos não impediam as amizades das crianças.

No fundo, o Sargento Jorge era um homem justo, desses que pareciam ter nascido pra fazer justiça com as próprias mãos e com o coração.

Diziam que ele não era de Custódia, que tinha vindo lá de Triunfo, mas acabou se enraizando ali, entre as histórias e o respeito do povo.

E até hoje, quando lembro dele, imagino o homem de farda, com o revólver pendendo na cintura e a voz grossa dizendo: Aqui é família Arruda!

E fico pensando: se ele brigou mesmo com Lampião, ninguém sabe…

Mas que ele brigou com o destino e venceu na memória da gente, ah, isso ele venceu.


Por Jânio Queiroz
São Luis-MA
Outubro/2025