15 junho, 2025

[Bilhetes do Sertão: Luiz Cristovão dos Santos] O Roteiro Perdido


Imagem Internet


De repente. Custódia me apareceu na curva da contra seca. A noite havia me surpreendido em plena viagem. E a luz das estrelas sobre o mágico céu dos sertões, sentindo cheiro agreste da terra revestida de pereiros e de quixabeiras, todas engalanada no milagre do inverno. Na noite embalsamada de junho eu vinha evocando passado, os itinerários da infância tão cheia de marcos indeléveis de fatos de acontecimentos que nunca mais saíram da lembrança.

Ali estava diante dos meus olhos a Vila de Custódia, hoje cidade recolhida ao seu sono, sem rumor nem agitação como eu amava, que a noite ia alta e as estrelas esmaeciam.

Lembrei-me de Proust. Dos roteiros perdidos e dos caminhos ausentes, riscados no mapa do país da infância.

Em verdade amigos, eu não passo de um sentimental. Quem pode matar o garoto que vive no coração de cada homem?

Quem pode fazer silenciar a canção distante vinda do fundo dos tempos, doce canção de embalar que as mães cantam junto aos berços nota suavíssimas de ternura que se destilam no coração, como o orvalho das madrugadas nas corolas abertas?

Por isso eu estava ali, que minha terra era aquele "sertão brabo" de baraúnas e seriemas e quixabeiras e chapéus de couro do pajeú e do moxotó. Eu vinha para romaria ao passado. Para olhar novamente a paisagem amiga que os meus olhos ficaram, quando os abri para o mundo.

A "Fazenda Cangalha", as águas do Bebedouro, a casa grande de "seu"  Né da Barra, o alto do Preto Fogo-Pagô, do velho Benício, que fazia o chapéu de couro como ninguém. Muita coisa havia mudado. O tempo destrói. A vontade dos anos tem fome e tudo devora. Onde estava a igrejinha branca do padre Leão Verzeri ,onde as corujas gemendo de madrugada e mal assombradas passavam sobre as telhas escuras e o sargento Goiana rifle à mão, autoridade até debaixo d'água? E Erasmo de seu Samuel, alfaiate de ventre redondo e sopro macio no bombardinos?  E o fogueteiro João de Barros, de voz rouca contando "causos", caçadas de onça, encontros com Lampião, visitas ao meu padim "Padre Cicero" e tanta história que ele colocaria com a imaginação, fértil, trepado nos fardos de algodão de seu Antônio do Junco?

E o soldado Mané Galo, sentado no tamborete e descascando cana caiana com a faca de ponta, dizendo a Lampião, num rasgo de audácia - "Vossa senhoria só entrou aqui na vila sem dar tiro, porque eu sou um sordado destacado e tomo conta de seis preso, mas se tivesse outro, eu deixaria ele aqui vigiando os detido e antes de entrar na rua, nós ia ver quem era mais homem" 

Evoquei os meninos de "seu" Joaquinzinho da Cangalha", do açude da Rua da Várzea, criados ao sol e chuva companheiros de travessura e dos bancos de escola da professora dona de seu Serapião, senhoras do mundo e da vida nos longos passeios pelas fazendas vizinhas e nas retiradas dramáticas de seu Antônio Junco, pedindo dinheiro e jurando bala de papo-amarelo e de rifle cruzeta. Evoquei os amigos primeiro das travessuras banhos de açude, caçadas de arribaçãs, nas quais Catonho Florêncio era o rei da pontaria e das mentiras de arrepiar. Por certo que já não existiam mais moirões das porteiras onde trepados, vimos o gado recolher a tardinha. E as novenas do mês de maio?

Festa de São José com as zabumbas roncando e o foguetórios espantando os cavalos da matutada, alguns dos quais amarrados ao pé do coco catolé, que havia de fronte a casa do velho Gomes e do tamarineiro de seu "Joaquinzinho".

Grande e estranho mundo de aventuras de liberdade de sol ardente. As vezes passavam as redes dos defuntos, enfiados em caibros longos, gotejando sangue, que o morto "brigará até morrer", como diziam os acompanhantes. Então a meninada seguia o enterro, subia a encosta ao nascente da vila, penetrava no pequeno quadrado do cemitério e via depositarem na terra vermelha, o corpo dos que morriam por dá-cá-aquela palha". Tomava-se parte da vida, em tudo: nas suas dores, nas suas amarguras, nas suas alegrias

Luiz Cristovão dos Santos
Arcoverde,-PE
12 de Fevereiro de 1950
Bilhetes do Sertão, coluna no Diário de Pernambuco

13 junho, 2025

[Bilhetes do Sertão: Luiz Cristovão dos Santos] Evocação de Custódia



Este recorte de Jornal, foi encontrado por Fernando José nos arquivos pessoais de Osminda Carneiro. Foi escrito por Luiz Cristovão dos Santos e publicado na Revista do Agreste (Arcoverde, 1949). Também foi publicado em 
Bilhetes do Sertão, Poemas e versos sobre o sertão Nordestino.


Meu pai era farmaceutico na vila. O velho Manuel Cristovão dos Santos atendia vinte leguas ao redor, montatado numa fubica Ford, curando mazelas, ajudando a nascer os caboclos ser­tanejos, as vezes operando milagres, como no salvamento de Antonio Caipora, que lcvou um tiro de fuzil, na "taba-da-venta" do soldado Euclides e hoje esta vivo para contar a história e a pericia do velho Cristovao.

Naqueles mundos, sem recursos medicos, meu pai era um herói anônimo, atendendo a quern o procurava, de noite ou de dia, correndo risco de vida como na vez que Lampião mandou buscá-lo, noite alta, por um mensageiro suspeito, pretextando um parto nas vizinhanças quando em verdade, bem pertinho, o bandido estava com três "cabras" baleados.

A hora da saída, por intuição, minha mae desconfiou daquele chamado a "peso de ouro" na madrugada deserta. No outro dia sabia-se da realidade: Lampião tencionava incorporar a tropa "um doutor" para tratar dos feridos nos tiroteios. Naquela vida aspera de terra bár­bara, com as volantes do tenente Higino batendo as estradas, as alpercatas rangindo e o sol faiscando no aço dos mosquetões, no meio ambiente agrcssivo onde as notícias dos tiroteios sangrentos agitavam a vila, como o estrondo dos trovões de março, havia algo de es­tranho e novo para minha sensibilidade.

Era um homem baixo e moreno, cujo nome esqueci, que invariavelmente nos dias de feira chegava logo cedo a casa do comerciante Leopoldo Mafra. Entrava em silencio e tranquilamente se encostava ao balcão. Tambem em silencio tomava a sua "bicada". "Seu" Leopoldo trepado num tamborete, tirava da prateleira ao lado direito uma sanfona e a entregava ao homem. Ele se sentava, cruzava as pernas, ascendia um cigarro, pendia a cabeça sobre o "foIe" e corria os dedos ágeis sobre o teclado, nas variações.

Entao vinha a música, doce e envol­vente, feita das amarguras da gente humilde, irrmã da alma dos retirantes e do canto maguado das juriti . "Seu" Jose Guilherme - hoje profícuo Coletor em Pesqueira - quedava-se, mãos nos bolsos, os olhos perdidos no além, extasiado com a sanfona hurnilde. Eram valsas chorosas, o baião, as toadas dolentes que vivem no coração do povo e a sanfona as arranca para a vida exterior.

Eu estava de lado, imovel e embevecido. Nenhuma força hurnana era capaz de me tirar dali. Nern os cantadores no pateo fronteiro no meio da feira, cantando a História do Capitao do Navio, o Encontro do Satanaz com o Padre Cicero, a Donzela Teodora, ver­sos do imenso poeta negro Catingueira e de Romano da Mãe d'Agua. Nada me arrastava dali. Eu ficava ouvindo a musica pre­so a mensagem poética daquele artista bárbaro que fascinava a minha sensibilidade de criança com a música que anos depois, deu fama e dinheiro a Luiz Gonzaga.

Ainda hoje ao ouvir uma san fona recordo o artista anônimo, o musico humilde que transmitiu ao meu coração de menino a poesia da alma da minha gente.

12 junho, 2025

[Bilhetes do Sertão: Luiz Cristovão dos Santos] Frei Damião em Custódia (1950)


Imagem ilustrativa
Fonte: Portal São Mamede



Vi Frei Damião pregando na missão em Custódia, voltava de Betânia e notei desusado movimento nos caminhos onde as cruzes em quantidade assinalam as mortes e as emboscadas. 

Depois de "Sítio dos Nunes" inquiri de um dos viandantes apressados qual o motivo da "romaria" e ele me respondeu com a face cheia de Santa indignação por minha ignorância:

- Pois o senhor não sabe? Frei Damião vem aí descendo de Maniçoba.

E sem mais atenção fustigou a burra cardã e abalou pela estrada, pisei no acelerador e entrei em Custódia onde a multidão se esparramava galgando os degraus da matriz enchendo as ruas derramada na praça em bandeirada. Foi quando Frei Damião chegou. O progresso havia modificado o profeta. Porque o frade austero já não percorre os caminhos batendo as estradas com as sandálias humildes, a poeira braba lhe acinzentando a estamenha parda posando nas barbas grisalhas, como os profetas que outrora palmilharam os caminhos do mundo.

Frei Damião saltou de um jeep ultra moderno. Um chauffer (motorista), um frade moço, risonho e corado, de barbas cor de mel, a voz do tenor lírico, lembrando um jovem capitão do Cesares que houvesse abandonado via Appia e andasse desgarrado naqueles mundos.

Na parte traseira da viatura, fios, arames, transmissores, ferramentas, alto-falantes, pick up, e todo arsenal necessário a retransmissão e ampliação da voz temível do frade nas pregações que abalam o sertão. Colocaram uma tribuna na calçada da matriz, o frade moço, mecânico e o chauffer ligou os fios, preparou a engrenagem e a voz de Frei Damião rolou sobre a multidão estarrecida. A princípio o taumaturgo descreveu as delícias do céu, os querubins tocando harpa e uma nuvem de incenso vagando no azul entre anjos e santos. A multidão ouviu em silêncio, maravilhada e boquiaberta, então de repente o frade mudou. Sacudiu os braços e soltou a maldição tremenda:

- Homens sem Deus, mergulhados na lama do pecado. Amancebados! Mentirosos! Adúlteros! Arrependei-vos dos vossos pecados.

E passou a descrever as torturas do inferno. Labaredas subiam, tochas ardendo, um relógio marcando: - "Sempre!" Sempre! Nunca! Nunca! que são as horas da Eternidade. E no meio da fornalha, o suplício tremendo do fumaceiro de enxofre sufocando tudo. Aí a multidão se abateu, lábios ciciavam "Eu pecador me confesso a Deus", as almas tremendo de pavor como corpo sacudidos de maleita. 

Junto de mim um Matuto de Quitimbu, tinha os olhos esgazeados.  Cheguei mesmo a ver o suor lhe empastando afronte morena. Uma velha trancou o chale com força, cobrindo a cabeça toda, temendo uma baforada do Satanás. E ao meu lado um praça desatou o lenço que trazia ao pescoço, como se a coisa ele abafasse a respiração. E voltando-se para um companheiro avisou que ia tomar uma bicada pois o cheiro de enxofre estava lhe sufocando a garganta. 

Depois Frei Damião baixou os braços, serenou a voz, nunca na minha vida visilêncio maior. A praça parada, o povo de lábios chumbados, os olhos fitos no frade, só o vento inocente agitava de leve as bandeirinhas de papel seda que trapejavam acima das cabeças e livres do fogo do inferno. Então o frade rezou e a multidão respondeu contrita e imóvel, como se ao invés de milhares de boca ali, estivesse apenas uma pessoa postada diante do pregador famoso, na hora aguda do "Juízo Final", prestando contas ao Altissimo. 

Aquilo não era Custódia, era o Vale do Josafá.


Luiz Cristovão dos Santos
 Arcoverde-PE
Janeiro de 1950

11 junho, 2025

Relembrando o Monsenhor Urbano Carvalho


Filho de José Bernardino de Carvalho e Sá e de Lourança Gomes de Sá Carvalho, o monsenhor Urbano sertanejo da gema, nasceu no dia 25 de maio de 1895 em São José do Belmonte na vila de Santa Maria (hoje Tupananci e pertencente a Mirandiba), sendo descendente dos Carvalhos que se fixaram no Pajeú, luziram em feitos e trabalhos, quando levantaram os primeiros currais e as primeiras fazendas que depois foram as vilas e as cidades, nos primórdios da civilização sertaneja, a que mestre Capistrano de Abreu chamou pitorescamente a “civilização do couro”.

A mãe do monsenhor Urbano, dona Lourença, era irmã de Eustáquio Gomes de Sá Carvalho, assassinado em 21 de outubro de 1907 por Manoel Pereira da Silva Filho (Né Dadu), em decorrência da titânica briga de Carvalho com Pereira em princípios do século passado, portanto monsenhor Urbano era sobrinho do finado Eustáquio Carvalho.

Antes de entrar para o seminário, o jovem Urbano passou uns tempos na fazenda Oiticica em Belmonte, propriedade do casal Joaquim Leonel e Donana, seus primos. Ao tempo que passou na dita fazenda, manteve uma escola e preparou os filhos do major Quinca para ingressar no Ginásio Diocesano de Triunfo.

Fez curso eclesiástico no Seminário de Olinda com ajuda de fazendeiros parentes seus, inclusive, do major Joaquim Leonel Pires de Alencar cuja esposa Ana Pires Brandão o presenteou com a sua primeira batina e uma teca de prata para hóstia. Foi ordenado em 26 de abril de 1925 em Pesqueira.

De estatura mediana, forte, gestos mansos, olhar penetrante, a Diocese de Pesqueira tinha naquele vigário humilde um dos seus grandes valores. Corria mundo a fama do monsenhor Urbano de Carvalho como orador e profundo conhecedor do vernáculo. Monsenhor Urbano foi professor no velho “Colégio Cardeal Arcoverde” de Pesqueira. O Colégio do então padre Urbano recebia os meninos dos sertões, que chegavam espantados, agressivos, pés comprimidos nos sapatos ringidores, lanhados de espinhos e queimados de sol. Então padre Urbano os recebia, risonho e afável para desbastar as arestas nascidas na liberdade do pátio das fazendas, na vida livre dos campos. Dizia o escritor e jornalista Luiz Cristovão dos Santos que “aquele sacerdote era um São Francisco caboclo pregando aquelas aves agrestes que esvoaçavam de encontro aos janelões do velho sobrado.

Não usava de violência nem erguia a voz. Persuadia com os gestos e as palavras da imensa ternura humana que lhe brotavam do coração. E tal era a orientação que imprimia aos estudos, promovendo reuniões literárias, levando a cena pequenos dramas, incentivando, abrindo as almas e clareando as inteligências infantis, que pouco tempo depois bugrezinhos do Pajeú e do Moxotó declamavam versos de Castro Alves, de Olavo Bilac e de João de Deus, com a voz desacostumada dos aboios”.

O Bispo da Diocese, Dom José de Oliveira Lopes, certa vez mandou que constasse em ata, ter sido o padre Urbano “educador emérito de várias gerações sertanejas”.

Na Catedral de Santa Águeda em Pesqueira em solene celebração, com a presença do clero diocesano, familiares e fiéis, foi-lhe entregue o título de Monsenhor. A honraria foi concedida pelo Papa Bento XV, atendendo pedido feito por Dom José de Oliveira Lopes e o Conselho de Presbíteros. Esta concessão do título de monsenhor concedida pelo Santo Padre foi uma forma de reconhecimento os relevantes serviços prestados pelo sacerdote Urbano Carvalho na sua comunidade e a Igreja.

Em anos de fé, o monsenhor Urbano peregrinou a Roma mais de uma vez.

Em 31/08/1933 embarcou para Salvador para participar da grande solenidade do 1º Congresso Eucarístico Brasileiro na Bahia.

Em substituição a Antônio Correia da Cruz, foi nomeado prefeito do município de Floresta em maio de 1931 e por imperativo do seu sacerdócio, em janeiro de 1933 foi chamado a dirigir os destinos da Diocese de Pesqueira, em substituição ao saudoso bispo D. José de Oliveira Lopes que havia falecido. Desta forma, a vaga de prefeito de Floresta foi então ocupada pelo coronel João Novaes.

Presidiu o “1º Congresso Econômico do Sertão” ocorrido em Triunfo, em princípios do mês de julho de 1934, destinado a discutir e promover medidas de interesse para o progresso e desenvolvimento daquela vasta região. O referido congresso foi uma iniciativa de um comitê central composto das seguintes pessoas: Monsenhor Urbano Carvalho, presidente; Dr Deocleciano Pereira Lima, vice-presidente; Dr. João da Luz, 1º secretário; Dr. José A. de Souza Ferraz, 2º secretário, e Dr. José Cordeiro. À assembléia compareceram pessoas de destaque inclusive os prefeitos de todos os municípios do Sertão; registro aqui a participação no referido evento do prefeito de Belmonte, Sr. Jacinto Gomes dos Santos.

Monsenhor Urbano Carvalho, uma das mais destacadas figuras do clero pernambucano, no entanto foi na Paróquia de Sertânia que o mesmo realizou um trabalho invulgar assinalado por um intenso movimento religioso e por esplêndidas obras sociais que o tornam um benemérito da terra onde havia se fixado há vários anos, alvo da estima, do respeito e da admiração de todos os seus paroquianos.

Em Sertânia monsenhor Urbano construiu um santuário na cidade. Fundou um albergue para os pobres. Construiu nova Casa Paroquial. Ergueu a golpes de tenacidade um Centro de Estudos em Custódia. À frente de duas paróquias, ainda encontrava tempo para, no meio dos seus livros e dos seus quadros familiares, no gabinete modesto, onde uma caveira em cima de uma mesa sorria da humana vaidade, meditar, estudar e escrever artigos para os jornais.

No dia 1º de maio de 1965 Sertânia festejou os 40 anos de vida sacerdotal de monsenhor Urbano. Na ocasião os fiéis daquela cidade prestaram carinhosa homenagem ao velho pároco. Todos que o conheceram sabem de seu espírito de abnegação e verdadeiro amor pelas suas ovelhas. Monsenhor Urbano, pelos serviços prestados ao Clero brasileiro, por duas vezes mereceu o acesso ao posto de bispo tendo declinado, por não se considerar merecedor de tão alta distinção.

Por ocasião das comemorações dos seus 40 anos de sacerdócio, o reverendo fez distribuir, entre os presentes uma linda poesia de sua autoria e transcrita a seguir:

OFERTÓRIO

(À meus afins pelo sangue, sacerdócio, amizade e trato espiritual)

Senhor! Senhor! As minhas primaveras,
Que são belas, porque sacerdotais,
Recebei-as, Jesus. Tornai-as veras
Com os vossos carismos paternais.

São quarenta eras vividas. E, deveras
Passados tão somente entre os trigais
Das almas mais humildes, mais sinceras
Da terra sertaneja. Roseirais.

Em todo esse passado no Sertão
Neste dia, no altar, agradecido.
Enviai-me, ó Deus! – eis-me o pedido:

A benção do SANTÍSSIMO CORAÇÃO.

Sertânia – PE – 26/04/1965 – Monsenhor Urbano de Carvalho.

Aos 83 anos de idade, já suspirava pela união definitiva com seu Deus. No dia 2 de abril de 1978 depois de receber a Unção dos Enfermos, com o rosário nas mãos e nos lábios os nomes de Jesus e Maria, sua alma voou ao Céu.

Por: Valdir José Nogueira de Moura
Publicado no Blog Alvinho Patriota

[Campanha] Vida nova a sanfona de Zé Caboclo



Meu nome é José Pereira, mais conhecido como Zé Caboclo por toda Pernambuco! Percorri todo o Nordeste tocando por varias cidades trazendo alegria e felicidade para o coração dos nordestinos.

Passei anos da minha vida levando alegria de feira em feira, de festa em festa, puxando minha sanfona e fazendo o povo sorrir, dançar e se emocionar com o som da minha música. Onde tinha um canto nordestino, lá tava eu com meu fole, cantando as belezas dessa terra e o calor desse povo.

Mas em 2017, a vida me pregou uma peça: sofri um AVC que me obrigou a parar de tocar...

Foi um baque, daqueles que a gente sente no fundo da alma. As limitações físicas vieram, e junto com elas, minha sanfona — companheira de tantas histórias — foi se acabando também.

Hoje conheço a palavra de Deus, e vivo guiado por Sua luz. Meu maior sonho agora é voltar a tocar, mas não mais para o mundo, e sim para louvar e glorificar o nome de Jesus! Só que, pra isso, preciso da ajuda de vocês. Minha sanfona já não aguenta mais, e pra continuar espalhando a mensagem de fé e esperança, preciso de uma nova.

Com uma sanfona nova nas mãos, volto a tocar não só notas, mas corações. A música que sai do fole não é só som — é emoção, é cura, é saudade, é amor.

Se você puder ajudar, seja com quanto for, já é uma bênção!E se não puder doar, compartilha com os amigos, com a família, com quem ama a música e a fé nordestina.

Vamos juntos realizar esse sonho de Zé Caboclo voltar a tocar — agora, para Deus!

Deus abençoe cada um de vocês! 


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Você também pode contribuir via Pix usando a chave: 5549878@vakinha.com.br

08 junho, 2025

[Biografia] José Rodrigues de Almeida "Lola"



Em 14 de setembro de 1937, na Fazenda Lagoa Cercada - Custódia-PE, nascia JOSÉ RODRIGUES DE ALMEIDA, mais conhecido por Lola.

Terceiro filho do casal JOAQUIM RODRIGUES DE ALMEIDA (Quinca da Barra) e QUITÉRIA QUEIROZ DE ALMEIDA.

O casal, tiveram 7 filhos: Margarida, Manoel (Netinho), José (Lola), Josué (Leca), Judith (Nicinha), Davi e Socorro, todos com o sobrenome RODRIGUES DE ALMEIDA.

Infelizmente, Quitéria faleceu ainda jovem, deixando sete filhos, ainda de menores. Tinha 13 anos quando ficou orfão de mãe. Sua tia cuidou dele com muito carinho com seus 

Após o falecimento de sua esposa, Quinca da Barra casa com sua cunhada CAPITULINA, que ajudou na criação dos sete sobrinhos, que ficaram órfãos de mãe.

Dessa união conceberam mais 4 filhos:

Maria das Graças (Gracinha), José (Zezinho), Fátima e Arimathéa (Ary); e todos com os mesmos sobrenomes, Rodrigues de Almeida, um total de onze filhos.

Conforme informações recebida de minha Mãe, Nilda Campos, minhas tias e demais amigos que com papai conviveram; sempre me passaram a seguinte imagem sobre ele: Lola foi um jovem muito fechado, sério, destemido e de poucas palavras. Ou seja, um homem antipático! Assim ouvi essa frase por diversas vezes.

Lola casou, aos 22 anos, em 19 de março de 1960, com a jovem, Nilda Campos de Queiroz, ela com 19 anos, na Igreja Matriz de São José, de Custódia.



Foto tirada na Missa de 7º dia


Dessa união houve quatro filhas:

Verônica Maria Campos de Almeida - 11.02.1961
Mônica Zaíra Campos de Almeida - 20.02.1962
Francisca Valéria Campos de Almeida- 05.03.1963
Rogéria Marília Campos de Almeida - 18.07.1964.




O casal não perdeu tempo na concepção dos seus quatro rebentos. Até parece que previam a partida precoce de Lola! A uniao do casal durou apenas 5 anos.




Ainda segundo alguns relatos familiares:

Era boiadeiro, negociava e vendia gado na região. Gostava de apostar em corridas de prado e de Festas de Pega de Boi no mato. Saia para o campo encourado e só voltava com a uma "reis," garrote ou novilha da qual se propusera a trazer, mesmo com a "cara" toda rasgada e sangrando, devido aos ramos da caatinga. Teve um timpano de um de seus ouvidos atingido, o que resultou na perda auditiva. 

Ele não era político, nunca se candidatou a nenhum cargo público.

Era um HOMEM fiel aos seus princípios, a sua família e aos amigos. Pois os defendia fervorozamente.

Porém, em 6 de junho de 1965, foi alvejado novamente, por conta de brigas políticas. Todavia, dessa segunda vez, foi fatal! E às 5h da manhã, do dia 7 de junho de 1965, faleceu vítima de hemorragia interna, devido aos projéteis de arma de fogo, no hospital da cidade de Sertânia - PE. Morreu conversando e chamando por seu compadre e amigo Zé Burgos.



"Cada uma de nós compondo sua história"


Faleceu muito jovem, com apenas 27 anos. Deixando viúva, sua esposa Nilda de apenas 24 anos, e filhas com as seguintes idades: Verônica 4 anos, Mônica 3 anos, Francisca 2 anos e Rogéria com apenas 10 meses.

Foram tempos dolorosos e difíceis, em todos os aspectos. Lola não deixou herança suficiente, a fim de que suprissem as necessidades básicas para criação e educação de suas pequenas, na época não havia pensão para viúvas.

Contudo, Deus na sua infinita misericórdia não nos abandonou! Pois, Mamãe e nossos avós materno, Izaías de Queiroz Amaral e Francisca de Siqueira Campos (D. Feinha), deram todo suporte necessário para seguirmos com dignidade, e nada de necessário nos faltasse. Melhor falando, eles não nos deixaram sentir a orfandade.

Minha mamãe foi guerreira, foi valente, incansável e uma referência para suas filhas, meu maior orgulho é ela!


Nilda Campos e suas filhas


Portanto, há exatos 60 anos perdemos nosso pai, Lola, não posso dizer que guardo dele recordações, so informações de sua personalidade e seu porte físico: de um Homem sério, destemido, "barriga cheia", que gostava de uma mesa farta e cheia de amigos pra almoçar, pois era um amigo fiel, deixando 4 filhas pequenas (de cobrir com um balaio) para honrar, as perdas de seus entes e amigos queridos, com seu próprio sague, isto é, deu sua sua própria vida! Até hoje é lembrado por seus amigos ou que conviveu.

Infelizmente, era muito jovem e sem "juízo", ainda melhor dizendo: um jovem inconsciente e inconsequente.

De seu porte físico tenho poucas fotografias, algumas mais fiéis e outra um pouco produzida. Das quais nos retrata um Galego da Barra bonito, sisudo, alto, estatura mais ou menos 1,85 m. Minha mãe dizia que ele parecia com o ex-goleiro da Seleção Brasileiro, o gaúcho Tafarel.

Perdemos nosso PAPAI, ainda um menino; o prejuizo, infelizmente, foi nosso.

Descendentes de Lola:

5 filhas, sendo a primeira filha, fruto de sua adolescência chamada Maria de Lourdes, atualmente tem 12 netos e 23 bisnetos.

E é isso. "Morre o homem e fica o nome"...

LOLA da Barra!



Rogéria e sua mãe Nilda Campos

Biografia feita por:

Rogéria Campos
Custódia-PE
Junho/2025

05 junho, 2025

Morre minha titia amada! Oscarina era seu nome.




Como cristãos, sabemos que a morte não é o fim.

A morte é um mistério insondável que desafia as nossas tentativas de compreensão e explicação.

Vivemos a vida com suas poucas certezas, sendo uma delas a de que nada é definitivo. Só temos como certo o minuto presente. Passado esse instante, já não se tem certeza de mais nada. É dessa incerteza que vem a forma poética e metafórica de dizer que a vida é passageira. "É um sopro", comparada ao sopro do vento e à nossa respiração.

Com toda a incerteza, ninguém quer partir. E entende-se que a vida é preciosa, trazendo a cada dia uma oportunidade de ser melhor que o dia anterior, de aprender e crescer em todos os aspectos — sem jamais ser escravo do trabalho. De que vale acumular tanto dinheiro, fama, influência e poder, se não somos donos do futuro?

Ah, titia, como eu queria ter falado tudo o que a senhora representou para nós.

O coração e a emoção não deixaram. Não consegui coordenar a minha fala. O choro me sufocou.

Sua história é um exemplo de coragem e resiliência a ser seguido. Casada com Adamastor Ferraz e mãe de sete filhos: Zenilda, Emanoel (Neto), Ana Lúcia, Eliane, Maria da Conceição, Marcelo e Márcio. Seu semblante sereno e firme mostrava que a senhora nunca transpareceu sentimentos de comiseração. E ontem, no sono eterno, seu rosto mostrou a serenidade de uma vida inteira, de uma mulher que viveu metade dos seus dias com a tristeza pela perda de seus cinco filhos: Zenilda, Neto, Maria da Conceição, Márcio e Marcelo. E dois netos: Charles e Cristiano. Dor igual a essa não pode existir para quem é mãe.

Minha titia teve o privilégio de viver noventa e sete anos. E viu a continuidade da sua semeadura nos seus netos e bisnetos. Uma geração que tem dado muito orgulho aos pais e, com certeza, os pequeninos seguirão o mesmo caminho.

Antes de tantos desafios e tristezas, titia era muito divertida. Não perdia festas, não faltava aos bailes de carnaval. Sua presença e a de seu esposo, Adamastor Ferraz, traziam alegria aos foliões. Ela era uma mulher bonita e bem branquinha. Sua vaidade lhe dava requinte e fineza. Suas joias enfeitavam delicadamente seu busto, braços e dedos das mãos. As roupas finas e de linho não tinham nenhuma dobrinha.

Ontem também me lembrei do nosso São João, na Rua da Várzea. Na sua casa ficavam todos os doces, bebidas e comidas típicas. Em frente à sua casa e à nossa, ficava a fogueira, que com seu grande clarão iluminava toda a Rua da Várzea. O São João era bem organizado; a rua ficava toda enfeitada. As crianças brincavam soltando fogos sob a vigilância dos pais. Os adultos, ao redor da fogueira, se aqueciam do frio e viam as chamas e centelhas subirem até o céu. As mulheres faziam suas preces a São João. A quadrilha trazia a alegria de um “Viva São João!” Toda a família dançava ao som das músicas de São João. Os nossos vizinhos também faziam parte dessa festa linda que é o São João.

Destaco ainda o seu amor pelo seu irmão mais velho, meu pai, o Mestre Lunga. Era bonito ver a dedicação de um para com o outro. E, nesse dia três de junho, titia partiu para o encontro de todos que partiram antes dela.


Descanse em paz, titia.
Sua sobrinha,

Lindinalva – Nenê
Amo-te!

Custódia, junho de 2025.

25 maio, 2025

[Biografia] Cachoeira da Onça: um berço do Coco de Roda nos Sertões



Biografia publicada na
Revista O Grito


A tradição oral garantiu a preservação do coco de roda da região de Quitimbu, no sertão de Pernambuco. Mas representantes dessa tradição ainda sofrem para provar que essa cultura existe, pois faltam materialidade dos folguedos para além da memória coletiva

Por Leo B. Lemos
jornalista. Natural de Afogados da Ingazeira, ele desenvolve trabalhos em comunicação e marketing.

6 de dezembro de 2024, 19:23

No interior de Pernambuco, mais especificamente entre as divisas de Custódia (Moxotó), Afogados da Ingazeira e Carnaíba (ambas no Sertão do Pajeú), um intenso movimento de Coco de Roda resiste ao tempo e ao apagamento ao qual estão em perigo os folguedos da cultura popular. 

É dessa região que nasceram os pioneiros da Família Calixto, que hoje fazem história em Arcoverde e transformaram a cidade na Capital do Coco. É de lá, também, que vieram os integrantes do Coco Negras e Negros do Leitão, hoje Patrimônio Vivo de Pernambuco; além dos grupos Coco das Abelhas e Coco do Travessão, ambos de Carnaíba. A região possui, ainda, dois grupos mirins, em Carnaíba e Custódia respectivamente, com formação intermitente.

Mas são os integrantes do Samba de Coco Cachoeira da Onça, próximos de Quitimbu (distrito de Custódia), que mais chamam a atenção, por ainda residirem no lugar de onde saíram todos os outros grupos: são, por tanto,  “guardiões” da tradição do Coco que persiste em germinar nessa localização. 

Eles são liderados por Mestra Joana, 74 anos, uma mulher negra e quilombola, pessoa de um jeito tímido, mas voz potente. Ela é uma das poucas Mestras do Coco no interior de Pernambuco. Ao subir ao palco do Festival Lula Calixto (Arcoverde), em agosto de 2024, Joana presenciou uma plateia dispersa concentrar-se nela em coisa de minutos, graças ao seu jeito de cantar firme e potente.

A repercussão após a apresentação foi instantânea, com as pessoas querendo saber dos discos do grupo, onde encontrá-los, como segui-los. 

O ano de 2024 foi o primeiro ano de carreira artística oficial para Joana, mas ela brinca com Coco desde que se entende por gente. “O Coco é nossa tradição. Vem dos antigos, a gente brinca sempre nas festas de fogueira (São João) e tinha muito coquista bom, meus tios Luiz Gonçalo, Zé João, João Gonçalo…”, relembra. 



Mestra Joana da Silva, 74 anos, líder do Samba do Coco Cachoeira da Onça -
 neta dos primeiros brincantes e atualmente é uma espécie de “representante oficial” dessa tradição,
já que é a única que permaneceu no território onde nasceram seus antepassados.
(Foto: Isabela Britto/Divulgação)

Joana ainda explica que não existia grupo como hoje: os parentes se encontravam e revezavam a brincadeira, e apesar da história não citar as coquistas mulheres, Joana relembra que suas tias Messias Gonçalo e Joana Gonçalo também eram grandes coquistas no improviso e desafio (quando um cantador desafia o outro a entregar rimas criativas): “Mas nós mulheres ficávamos na parte da cozinha. O Coco mesmo a gente só sambava, e essas cantadoras só entravam pra cantar depois que os homens já estavam cansados, mas o Coco durava a madrugada toda, tinha espaço para todos”, destaca.

Das vivências dessa época, Joana guardou canções e versos e acabou transformando-os num jeito de cantar que naturalmente a levou ao posto de Mestra do Coco na região: todos entre o Moxotó e o Pajeú conhecem sua potência e, pela primeira vez, ela e o grupo chegaram a concorrer ao Patrimônio Vivo de Pernambuco, onde ficou atestado pela comissão diversos elogios a sua originalidade mas, infelizmente, também atestou-se a falta de comprovação de certas atividades – o que para um grupo quilombola é uma constante, já que nem acesso a fotografia eles tinham até pouco tempo atrás.

“A gente tem uma origem muito simples. Foram as políticas públicas das últimas décadas que deram alguma dignidade ao nosso povo, como a cisterna, o Bolsa Família, e agora esses investimentos em cultura, mas antes não tínhamos as condições que temos hoje. Até para ter uma foto era muito difícil”, explica Josefa Maria da Silva, conhecida como Nenega, sobrinha de Joana e uma das poucas da região que formou-se e hoje atua na área da Educação.

Através dos estudos de raça promovidos pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), onde Nenega estuda, ela encaixa o grupo em diversas atividades relacionadas à valorização quilombola: “Não temos trabalho nenhum em provar a quem nos vê pessoalmente sobre o nosso talento: é só cantar e sambar que o povo se encanta”, reflete.

O vilarejo de Quitimbu já chegou a ser sede de Alagoa de Baixo, atual Sertânia.
Sua formação é anterior à criação do município e guarda forte histórico cultural
com as comunidades quilombolas de Custódia e também dos municípios vizinhos.
 (Foto: Murilo Cavalcanti/Cortesia)


O encanto, aliás, é constante onde ela vai. Durante o Festival Lula Calixto, por exemplo, a educadora física Aline Longui ficou fascinada por ela: “Quando vi Mestra Joana no palco em Arcoverde, me acessou uma força matriarcal, pelo timbre de sua voz… me remeteu ao canto das lavadeiras, sua peculiaridade na maneira de tocar o ganzá, e a simplicidade da potência da mulher nordestina, na força da presença, na confiança de subir no palco e mostrar o que é, o que faz… foi poético, foi forte.. foi inspiradora”, relembra.

A mesma admiração ainda ocorreu no Festival Xerém Cultural (Afogados da Ingazeira), em julho de 2024, quando uma grande roda de Coco logo se formou e só se dispersou quando a mestra deu seu adeus. “A gente percebe a importância da participação dela nesse lugar de não apenas empoderamento, mas literalmente poder, porque nas rodas de coco tem mais mulheres sambando do que no microfone, cantando seus versos. Achei muito potente a Mestra Joana liderar. Sem dúvida é um diferencial e é muito empoderador, representativo”, reflete Lúciio Vinicius, organizador do Festival.

Mas o palco mais emblemático foi o Festival de Inverno de Garanhuns (FIG), onde o grupo abriu a tarde de apresentações apenas com curiosos e encerrou a participação com uma grande roda e muitos aplausos. Nos bastidores, havia uma fila de pessoas procurando especialmente pela mestra.

“Eu não sei o que as pessoas veem em mim não, povo besta, eu sou normal”, sentencia a Mestra, às gargalhadas, enquanto nos preparamos para essa entrevista. De três encontros para produção do material, apenas em novembro Joana se mostrou mais íntima, e por isso mesmo, mais confortável para dividir conosco as histórias de resiliência e sabedoria popular que norteiam a existência de sua comunidade e seu grupo de Coco de Roda.

“A gente brinca de Coco desde sempre aqui nesse barro vermelho, tudinho por aqui [Joana aponta para o terreiro de sua casa]. A gente faz o Coco que nem sente, e eu estou à frente né? Vocês dizem que sou Mestra, então tá dito. Mas eu sou só uma filha de Deus que não sei de nada”, sentencia.

Não enxergar-se como artista, aliás, faz parte da mentalidade simples desse povo: o irmão de Joana é ninguém menos que Inácio Pedro da Silva, 78 anos, Patrimônio Vivo de Pernambuco pelo Coco de Roda de Afogados da Ingazeira. Ele também não se sente Mestre do Coco: “são vocês que dizem, eu agradeço”, brinca.



Márcio (E), Joana ao centro e Inácio Pedro (D)
durante o lançamento do Comitê de Cultura em PE
 em Vicência, setembro de 2024.
(Foto: Leo Lemos/Divulgação).


Joana, Inácio, os Calixto e o distrito de Quitimbu compõem um complexo emaranhado de acontecimentos da cultura popular que legitimam a zona rural de Quitimbu, especialmente suas 17 comunidades quilombolas, como esse lugar de berço para o Samba de Coco no Sertão: nas escolas da região, o Coco é ensinado desde cedo, inclusive com grupos mirins; pelas ruas, os cabelos crespos são assumidos e volumosos, mostrando que há consciência e valorização do ser negro; nas festividades, todos entram na roda com sorriso largo no rosto. O Coco contagia.

Histórias quilombolas e sobre resistência

Na brincadeira com Joana estão seus filhos: Suely (49 anos), Socorro (51) e Márcio (39), todos de sobrenome Silva. Márcio virou uma espécie de representante do grupo: ele lidera a logística de viagens com sua Chevrolet D20 vermelha que trafega firme pelas difíceis estradas da zona rural de Quitimbu até a Sede de Custódia ou Afogados da Ingazeira. 

Completam o time as netas Kaline (28) e Kaliane (26), filhas de Socorro; e os familiares e amigos Josefa Maria (39), Jênecy (26), Suely (49), Antônio (62), Marília (26), Ariel (15), José Leandro (39) e Luciélio (15), todos também de sobrenome Silva. Por fim, Mestre Pimenta, 76 anos, ou José Herculano, é a dupla de Joana nas sambadas e um exímio embolador.

A tradição de brincar o Coco em família até hoje reforça o quão intenso foi internalizada a herança histórica do folguedo para a comunidade: nela todos têm um grau de parentesco e todos sabem quem são os antepassados, porque já ouviram falar das histórias compartilhadas. 

Os relatos apontam Antônio Gonçalo e Joana Maria da Conceição como os antepassados mais distantes que se tem notícia, mas não se sabe se ex-escravos ou já libertos. Deles, descendem uma leva de brincantes que incluíam Joaquim Gonçalo, Messias e Joana Gonçalo (tio avô e tias avós de Joana, respectivamente). 



O grupo lançou um EP intitulado “No Terreiro de Mestra Joana”,
que está disponível em todas as plataformas musicais.
(Foto: Leo Lemos/Divulgação).


Sem contar Pedro e João Gonçalo que não eram coquistas, mas criaram uma geração de filhos exímios na brincadeira. Os filhos de João são Zé João (que viveu no começo do Século XX), Inácia Gonçalo, Josefa Gonçalo, Sebastião Gonçalo e Manoel João, além de Azinaldo Gonçalo, que foi mestre do Negras e Negros do Leitão com Inácio Pedro até meados dos anos 2000.

Já por parte de Pedro Gonçalo vieram, entre vários filhos, os irmãos Joana Maria e Inácio Pedro, hoje dois importantes mestres do Coco.

Neste ponto, é importante traçar o contexto histórico da região de Quitimbu: a ocupação portuguesa dessa área, até então originária, se dá a partir do século XVIII, principalmente através da chegada de criadores de gado via Floresta, Ingazeira e Flores – nos três casos, através de bacias hidrográficas ligadas ao à época e, nas quais, Bandeirantes da Bahia passaram a invadir os Sertões para criação de gado, a partir de acordos que envolviam a Igreja Católica e a Coroa Portuguesa.

Inclusive é na região da Ingazeira, no Pajeú, que há o impressionante relato da “Guerra dos Bárbaros”, movimento de resistência dos povos originários que inclusive consta em documentos oficiais enviados a Portugual à época.

No Moxotó, tal e qual no Pajeú, também havia povos tradicionais e, no exemplo de Quitimbu, a região apontada como sagrada para esses povos é era a Serra Negra, atual Serra do Sabá (ou Serra das Antenas, próximo às regiões quilombolas do município).

No caso da ocupação da região onde hoje fica Quitimbu, o fazendeiro Luiz Tenório de Melo Dodô é apontado pela história “oficial” como o criador de tudo. Mas, como bem diz a publicação Sertão Quilombola, do Centro de Cultura Luiz Freire (CCLF), publicada em 2008, é importante dar vazão a outras versões da história.

A equipe do Centro visitou todos os territórios quilombolas nos Sertões nos primeiros anos da década de 2000 e documentou algumas das histórias até então apenas existentes no campo da oralidade – relatos que contradizem a “versão oficial”.

Dentre as histórias, as mais chocantes dizem respeito aos golpes aplicados pela família Tenório de Melo com relação aos meeiros, quando trabalhadores cultivavam em terras alheias e, como contrapartida, teriam que dar a metade da produção ao dono da terra.

Ou, pior, quando pessoas negras assinavam papéis sem saber do que se tratava e acabavam perdendo seus pequenos terrenos adquiridos ao longo de uma vida. Não à toa, na contemporaneidade, os terrenos da maioria dos moradores da região não passam de 30 hectares, conforme aponta outro estudo importante de Quitimbu, intitulado Quilombo de Buenos Aires: caracterização histórica, econômica, ambiental e sociocultural, de Geraldo Barboza de Oliveira Junior.

Esses relatos estão explícitos no livro Ser Quilombola e são reforçados pelo professor Maurício de Siqueira Silva que estuda os movimentos quilombolas do Moxotó e Pajeú. Para ele, o traço mais relevante da história dessa localidade é que muitos dos negros contemporâneos são descendentes diretos do quilombo União de Palmares. 

“Há diversos relatos orais, muitos deles registrados pela professora Bernadete Lopes (especialista em pesquisas quilombolas natural do Pajeú), que comprovam que o fluxo migratório de muitas matriarcas e patriarcas aqui da região se inicia em União dos Palmares. De lá alguns se acomodam em Castainho (atualmente Garanhuns) e descem para cá. Uma das primeiras negras a chegar em Quitimbu teria sido Mãe Lindu, e possivelmente ela é tia-avó de Mestra Joana e Mestre Inácio”, afirma. 

Siqueira ainda reforça que a região de onde nasceram os Calixto, Sítio Estreito, hoje  chamada de Sítio Severo, tem  ligação cultural com Quitimbu.  A Matriarca dos Calixto, dona Lourdes, porém, afirma  que não se lembra de ter vivido o Coco de Roda na época de Quitimbu, apesar dela frequentar as festas religiosas. 

Já Mestre Inácio Pedro e Miguel Mulato, alguns dos mais velhos da região, apontam que possivelmente eles tiveram contato sim, porque algumas das festas religiosas tinham puxada de samba. Josefa Maria da Silva, a Nenega, que é sobrinha tanto de Mestra Joana quanto de dona Lourdes, acredita que ela também deva ter tido contato, apesar do desenvolvimento artístico deles no Coco, de fato, ter se dado mais fortemete em Arcoverde. 

Festas de fogueira e aniversário de Mestra Joana

Voltando a Joana e ao Samba de Coco Cachoeira da Onça,  a brincadeira do folguedo existe desde sempre ao longo da vida de seus integrantes, mas, enquanto grupo artístico organizado, é recente sua formação. Atualmente a comunidade samba nos fins de semana festivos, samba no São João e em pequenos momentos relacionados à cultura negra, com o mês de novembro. 

A sambada do São João é a mais importante, porque dia 23/6 é também aniversário de Mestra Joana. “É uma festa bonita, junta gente de todas as redondezas. É bom demais”, descreve Joana, com um sorriso largo. 

Na edição de 2024, a festa entrou pela manhã e foi encerrada com a curiosa brincadeira do boi, onde todos os participantes ficam numa roda, formando uma corrente humana, enquanto os sambadores cantam uma canção específica sobre o boi, com direito a improvisos; uma única pessoa finge ser o animal e tenta passar da corrente humana: quem deixar o boi passar, paga uma prenda à comunidade. 

A celebração é garantia de sorrisos e encerra com leveza a celebração junina na comunidade, historicamente chamada por eles de “festa da fogueira”.

Até os anos 1990, com a situação econômica do Nordeste mais fragilizada, o Coco de Roda era também intimamente ligado ao laboral, fosse na construção de casas de taipa ou nivelamento de terreiros, ou nas casas de farinha e fabricação de derivados da mandioca : lá o Coco era solução para aliviar a exaustão.

Hoje, praticamente não existe nivelamento de terreiros, e o trabalho nas casas de farinha são motorizados. Mas o Coco de Roda entrou para esse lugar artístico e se reinventa: enquanto os integrantes mais velhos do grupo nem sempre se enxergaram como artistas, os mais jovens não só se enxergam como vislumbram um futuro melhor para o grupo, como Marília Andressa da Silva, 27 anos, que está compondo e criando novos sambas, como “Você Não Sabe o Que Pode Fazer o Nego”, lançada com exclusividade no mês da Consciência Negra de 2024.

“Um dia seremos nós as mestras e mestres do Coco, os mais jovens de hoje, então é importante a gente ir criando novas coisas e experimentando novos arranjos e jeitos de tocar”, destaca Andressa. “Antes tudo aquilo era apenas uma grande brincadeira, depois foi ficando sério”, reforça Márcio da Silva, filho de Joana e afilhado de Mestre Manoel Miguel, do Coco Negras e Negros do Leitão. 

Foi Márcio que, em 2023, iniciou uma busca por produção local que pudesse colocar o grupo no patamar de outros grandes grupos como os de Arcoverde. Com isso, apenas em 2024 o grupo acessou palcos importantes como Xerém Cultural (Afogados da Ingazeira), FIG (Garanhuns), Lula Calixto (Arcoverde) e Apresentação do Comitê de Cultura PE (Vicência). 

O grupo ainda lançou um EP, intitulado “No Terreiro de Mestra Joana”, que está disponível em todas as plataformas musicais.

Do esforço do grupo em manter a tradição do Coco e o respeito aos Mestres, especialmente a valorização de Joana e todo seu conhecimento, sinais do fortalecimento da cultura negra aparecem por todos os lados, como a comunidade inteira entrar na roda de Coco nos festejos, especialmente as crianças que brincam com naturalidade; ou as mulheres que abandonaram os alisantes para voltar aos cabelos crespos e naturais: tudo sinaliza um claro orgulho da história e do que são. 

Assim, os integrantes sinalizam que especialmente a tradição do Samba de Coco nesse berço do Coco, que é Quitimbu, estará preservada e garantida às próximas gerações. Vida longa e frutífera ao jeito original e único de brincar o Coco que só a região de Quitimbu e suas comunidades quilombolas produz. 

Crédito: REVISTA O GRITO



Brincadeira do boi no São João de 2023


Esse boi tá diferente como é tradição na nossa festa de São João, todos os anos fechamos a celebração com a brincadeira do boi: uma pessoa no centro da roda tenta romper o círculo de pessoas, que reforçam pra o boi não fugir. Enquanto isso nossos cantadores embalam a brincadeira com clássicos do Coco e cantigas populares.

A tradição é ainda mais importante em nossa comunidade porque o aniversário de nossa querida Mestra Joana é 23 de junho; e por isso temos sempre o prazer de receber vários integrantes de grupos populares da região, como os Mestres do Coco Negras e Negros do Leitão. Manoel Miguel e Inácio Pedro são figuras típicas em nossas festas de fogueira.

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23 maio, 2025

Quem foi Pantaleão de Siqueira Barbosa, o maior latifundiário do Moxotó.




Mestre-de-campo e um dos portugueses mais famosos da Ribeira do Moxotó, em todos os tempos, sendo ele o senhor de extensas sesmarias, onde foi encravadas diversas fazendas nos municípios de Sertânia, Custódia, Inajá, Águas Belas e Buique. 

Era avô de José Joaquim de Siqueira, que casou com 
Dona Custódia, segundo o historiador Nelson Barbalho, citando Ulisses Lins de Albuquerque (em Moxotó Brabo).

Nasceu entre Minho e Douros, em Portugal.

Foi casado com 
Ana Leite de Oliveira, com quem teve 9 (nove) filhos, foram eles: Manuel José de Siqueira (Capitão-Mor), Joaquim Ignácio de Siqueira Barbosa (Capitão-Comandante), Antônio de Siqueira Barbosa (Tenente-Coronel), Maria do Ó de Siqueira Oliveira Melo, Luís Rodrigues de Siqueira,, João de Siqueira Barbosa, Pantaleão de Siqueira Barbosa Filho, Napoleãode Siqueira Barbosa e Ana Leite de Oliveira

Essas suas terras, Pantaleão Siqueira as adquiriu em Sergipe del Rei, em 1738, ao que aqui chegou para tomar conta das mesma, que eram antes propriedade dos Padres da Congregação de São Filipe de Nery, no Recife (PE).

Nelas surgiu a bicentenária Fazenda Jeritacó, em 1842, onde erigiu uma pequena capela sob a invocação de Santana, em homenagem a moça com a qual casara. Fonte: Roteiros de Velhos e Grandes Sertanejos, pag. 1151, LUIS WILSON). 

Pantaleão chegou as margens do Moxotó juntamente com um irmão, Manuel José de Siqueira e de outro português chamado Gonçalo Correia da Cruz. Seu irmão Manuel se fixou no local "Poço do Boi", onde erigiu um cruzeiro de madeira. Já o outro, Gonçalo, se fixou na Fazenda Algodões, próximo a vila de Rio da Barra.

Fonte: Genealogia Pernambucana/Saulo Duarte 

22 maio, 2025

Há 30 anos, Luizito nos deixava para entrar na história!



Hoje 22/05 faz exatos 30 anos que meu pai
Luiz Epaminondas Filho (Luizito) encerrava
seu ciclo terreno e partia nos deixando um
vazio imenso....

Mesmo depois de tantos anos o luto não
passa, e a dor da saudade não acaba, se
transforma ao avançar dos dias, essas
lembranças virão companheiras de estrada, e
quando o abraço faz falta, é só revirar as
páginas da nossa memória e lá está o abraço
 forte, o alicerce ......

Tenho um grande e valioso baú de lembranças, 
 graças a Deus eu tive um pai inesquecível,
 não só para mim, mas para muitos dos meus
irmãos conterrâneos...

Há 30 anos eu perdi meu pai e Custódia perdia seu filho querido,
o seu grande administrador.

Tento todos os dias alcançar só um pouquinho
o que ele foi e fez e representa para mim na
convivência com as minhas filhas.

O meu maior orgulho é ser filho de Luizito!!!
 
Grandes heróis deixam saudades,
muitas saudades Pai...
Sou sua fã maior

Que a luz seja a tua companhia na eternidade
Um grande beijo

Autoria: Flávia Epaminondas (Filha)


Tambaú Alimentos foi destaque no JC Recall de Marcas 2025




A Tambaú Alimentos foi destaque no JC Recall de Marcas 2025, garantindo o 1º lugar nas categorias Catchup e Doce de Goiabada, e o 2º lugar em Extrato de Tomate.

Essa pesquisa do Jornal do Commercio mostra as marcas que os consumidores pernambucanos mais lembram com carinho. Foi realizada pela Cenário Inteligência, consolida as marcas mais lembradas pelo consumidor pernambucano.


O JC Recall de Marcas chega a sua 27ª edição, mantendo o prestígio e o reconhecimento das empresas mais citadas pelos consumidores pernambucanos. Evento foi realizado no Restaurante Ruffo, no centro do Recife.

Para 2025, o evento teve como tema 'Marcas que Criam Relações, Não Só Reações'. 



Raissa Gonçalves
Gerente de Marketing

O evento reconhece e prestigia as marcas mais consolidadas do mercado. Esta é uma forma de valorizar cada empresa, assim como seus respectivos investimentos em estratégias de comunicação e qualidade de serviços/produtos oferecidos ao povo pernambucano. 

21 maio, 2025

Padre Antônio Duarte. Um Pároco esquecido.


Padre Duarte


Eu ainda criança, por volta dos dez anos de idade, ouvi muito a minha mãe falar de um padre que exerceu o seu sacerdócio em Custódia, na juventude dela. O Padre Duarte, era assim que se referiam a ele. Até por minha pouca idade, não dei muita importância aos seus relatos, mas, na minha juventude, o interesse por esse personagem carismático foi evidente. Ele causou uma revolução na sociedade custodiense durante o seu paroquiato, por volta do ano de 1935 até meados da década de quarenta.

Usei a palavra revolução porque ela representa uma mudança radical no estado das coisas, e foi justamente o que ocorreu em nossa cidade. Ele tinha vários talentos, era poeta, compositor, eletricista, tinha noções de arquitetura e engenharia, orador, como também cantava divinamente as músicas sacras.



Igreja Matriz ainda sem a torre e com torre em construção.

O seu antecessor, Padre Leão Pedro Verzeri, que era arquiteto de formação acadêmica, dedicava-se quase exclusivamente às ordens sacerdotais, porém, deixou um grande legado: a construção da bela igreja de São José, iniciada próximo de 1920. Devido a precariedade e dificuldades econômicas, a construção do templo ficou inacabada e não foi possível edificar a torre, ficando assim por mais de dez anos.

Por volta de 1937 ou 1938, o Padre Duarte tomou a iniciativa de reunir várias pessoas de Custódia, autoridades, comerciantes, rapazes e moças, e foram em cima de caminhão até a fazenda São Gonçalo, pertencente ao industrial do caroá, Dr. Aurélio José de Vasconcelos, fazer um pedido, que ele custeasse a obra para conclusão da torre da nossa matriz. O qual, sensibilizado, arcou com todas as despesas, e no ano de 1939, finalmente a igreja ficava exatamente como na sua planta original.

O Padre Duarte, logo apôs a sua chegada, oriundo da paróquia de Floresta, encaliçou e pintou as paredes externas do templo, que eram em tijolos aparentes, construiu a calçada frontal e também a casa paroquial. O sacerdote deu vida e deu alegria à cidade, até então excessivamente monótona. A juventude, chamada à época de mocida
de, raramente tinha diversão. 

O padre contribuiu muito para que as festas tradicionais que se comemoravam durante o ano, tivessem uma maior participação do povo do lugar. A festa do padroeiro São José; o mês de maio cultuado com bastante veneração; o São João com balões, fogueiras, comidas típicas; e as festas do final do ano, Natal e Ano Novo, ficaram repletas de atrações culturais, a exemplo de pastoris; quermesses; dramas, que era uma encenação teatral; jogos e danças.

O salão paroquial, que ficava onde hoje é a Escola Maria Augusta, na Rua João Veríssimo, passou a ser um espaço dedicado à juventude. Alí encenava-se peças teatrais, a exemplo de uma que ficou na memória do povo, comentada por José Carneiro em seu livro, que foi a peça “A Louca do Jardim”, tendo como protagonista Luzia Aleixo, filha de seu Cassiano. Os afinados cantavam com desenvoltura, foi criado um jornal, enfim, todas essas atividades favoreciam a interação dos jovens daquela época.


José Farias na Praça Ernesto Queiroz


O meu tio José Farias (1933) contou-me que aos domingos, após o catecismo, o espaço em frente à igreja enchia-se de gente, todos ansiosos para ver e também participar das atividades criadas pelo Padre Duarte. Ainda não havia a praça, era chão batido em um largo retangular.

A Praça Padre Leão só foi construída na administração do prefeito Joel Inocêncio Gomes de Lima, entre 1952 e 1955. As moças participavam das corridas de sacos, e os meninos disputavam corridas, saindo ao lado da igreja, até o final do largo, onde hoje fica a sorveteria de Olímpio.

O vencedor ganhava, como prêmio, uma sacola grande, com várias guloseimas, feitas na própria cidade. Pirulitos, alfenim, cachimbo, chupeta… feitos de açúcar.

Quem perdia, ganhava uma sacola menor. Zé Farias era o campeão das corridas.

Magro, quando disparava não tinha para ninguém, era um raio, 
adquiriu até a fama de imbatível. 



Juracy Marinho

Um certo domingo, já se achando vencedor, foi batido por Expedito Marinho.

Inconformado, chorando, sem aceitar a derrota, foi consolado pelo padre.

Expedito era irmão de Juracy Marinho(foto) e Edinalva Marinho.

Zé Farias mantinha uma grande amizade com Juracy, o coroinha do Padre Duarte.

Um certo dia, Juracy vestiu a batina de sacristão, reuniu a meninada e trancaram-se no interior da igreja. Ali foi encenada uma missa, onde todas as hóstias foram distribuídas entre eles. Padre Duarte ficou bravo com o ocorrido, pois ficou impossibilitado de comungar os fiéis por mais de uma semana. Levou o coroinha até a presença do pai e relatou a presepada deste. Aquilo foi uma blasfêmia e o castigo foi necessário.

Juracy cresceu, e como era comum aos rapazes da época, foi para a capital tentar uma vaga em uma das Forças Armadas. Conseguiu ingressar na Marinha do Brasil. Não era fácil, até porque a concorrência era grande. Viajou muito, conheceu vários países mundo afora, mas o seu maior desejo era conhecer a Itália. Era ali coladinho que ficava o Vaticano, nem cogitava a possibilidade de ver o Papa João XXIII pela janelinha, porém, já seria muito grato passear pela Praça São Pedro.

Enfim, esse dia chegou, estava no Vaticano. Os marinheiros, divididos em grupos, observavam deslumbrados aquele conjunto arquitetônico barroco, estavam encantados com a beleza esplêndida daquele local. Realmente, estava em êxtase, quando foi chamado por colegas em um grupo à sua frente. “Juracy, tem um padre brasileiro aqui, disse que é do Estado de Pernambuco, queria saber se tinha alguém do Estado dele, venha falar com ele” Juracy se dirigiu às pressas até o sacerdote e este lhe perguntou de qual cidade ele era natural. Falou que era de Custódia. Então, o padre ainda lhe fez outra pergunta. -Você é filho de quem?

-Sou filho de Olímpio Marinho.

-Ah! então foi você que comeu todas as minhas hóstias

Foi uma gargalhada geral dos seus colegas de farda. Naquela época não se usava o termo bullying, mas Juracy foi importunado toda viagem de volta, com o apelido de “papa hóstia”.



Igreja Matriz em 1944

O Padre Duarte foi transferido de Custódia para a distante região do Norte do Brasil, por determinação do bispo de Pesqueira, no ano de 1945 ou 1946, por denúncia de assédio sexual. Fato não comprovado, ninguém testemunhou e não foi investigado categoricamente nada sobre esse assunto.

Entendo que este episódio, supostamente pode ter tido uma conotação política, uma vez que foi justamente na casa paroquial no ano de 1944, onde se deu o “banquete conspiratório”, com a presença do então Interventor do Estado, Etelvino Lins, que culminou com a ascensão ao poder local do industrial, dono do curtume, José Estrela, em detrimento do então Prefeito Ernesto Alves de Queiroz, nomeado pelo Interventor Agamenon Magalhães no ano de 1939.



Padre Duarte bem velhinho

O que fica claro, é o esquecimento e o não reconhecimento por parte das pessoas influentes da nossa cidade, da grande importância que teve o Padre Antônio Duarte, para nossa comunidade. Não existe nenhuma homenagem edificada ao padre que tanto contribuiu para o progresso da nossa terra. Pessoas que vivenciaram aquela época áurea, quase todas já se foram, logo a sua memória cairá em total desconhecimento para os habitantes da nossa cidade.

Termino essa crônica com uma estrofe de uma poesia em versos, de autoria do Padre Duarte, recitada pela menina Joany Pereira, nas comemorações do aniversário do Prefeito Ernesto Queiroz, no dia 20 de julho de 1940.

“Eu sou bem pequenininha,
mas já sei também, falar;
nesta cena meus senhores,
vem Joany representar;
nós estamos hoje em festa,
hoje em festa estamos nós,
porque é aniversário
do Ernesto de Queiroz!



Jorge Remígio.
Recife-PE
maio de 2025.




Fonte de pesquisa.

Livro. Um Coronel Sem Patente, de Ernesto Queiroz Júnior
Livro. Caminhos do Afeto, de Sevy Oliveira
Livro. A Baraúna, de José Carneiro de Farias Souza.

Agradecimentos a José Farias Souza (1933), Genésia Rezende (1920), Ozanira Farias Remígio (in memoriam, 1922-2010) e Olímpio Marinho pelos importantes relatos e informações preciosas.