05 maio, 2023

Primeira Rádio de Custódia

 

Por Zé Melo
Recife-PE
Junho/2020

Creio que ainda na década de quarenta, chegou a Custódia o antecessor das emissoras de rádio: a Difusora. Implantada por José Ferraz de Oliveira, “Duda Ferraz”, pai de Adamastor Ferraz, o “Serviço de Auto-Falantes Duas Américas” foi durante décadas a “rádio” de Custódia. 

Sua programação era múltipla: haviam os pedidos e ofertas musicais, - ferramenta para jovens realizarem suas conquistas, onde o cliente mandava sua mensagem para seu par, mais ou menos assim: 

“Atenção muita atenção “fulano (a) de tal. Ouça essa gravação que fulano(a) lhe oferece com muito carinho.” 

Ou os mais românticos que caprichavam: 

“Atenção fulano (a): assim como a flor se abre para receber o orvalho da madrugada, abra o seu coração para ouvir essa música”. 

Já os mais tímido apelavam para o anonimato: 

“Atenção alguém que está de saia azul e blusa vermelha. Ouça essa página musical que outro alguém lhe oferece.”

Servia também para a divulgação de notas fúnebres, sepultamento ou missa. Servia para propaganda comercial, avisos diversos, e principalmente para acirrar os ânimos das campanhas políticas.

O equipamento da Duas Américas consistia em uma rede fios espalhadas pela cidade, levando o som para as famosas “Bocas de Aço”, que é como chamavam os alto-falantes tipo corneta, instalados em postos nos principais pontos da cidade. 

Havia um na esquina da Avenida Manoel Borba com a Rua Onze de Setembro, um na esquina da Av. Inocêncio Lima com a Praça Padre Leão, um na própria Praça Padre Leão, e um na Rua Tenente Moura, o que garantia a cobertura completa da cidade, que à época era significativamente menor que hoje, pelo estridente som da “Duas Américas.” 

O “Stúdio” ficava na atual Rua José Ferraz de Oliveira, mais conhecido na época como “Beco da Difusora”, e dispunha de um amplificador sonoro, que fazia às vezes de transmissor, dois toca-discos, um microfone, uma campainha que acionada indicava a mudança de notas ou textos divulgados, e centenas de discos de 78 rotações, fabricados de cera, pesadões, e que com uso constante provocavam um ruído desagradável quando tocados. Detalhe: constantemente era necessário substituir a “agulha” do toca-discos (na época Pick Up), danificadas pelo cera do disco. 

Havia uma locutora, cujo nome era América. Depois surgiram outros locutores, a exemplo de Tutinha de Dona Manoca, de voz grave; José Moura, Jubilino Ferreira, e já mais recentemente, eu, que iniciei a atividade de locutor por um acaso: numa segunda feira, ocorreu uma ameaça de saque à feira. 

O então Prefeito Silvio Carneiro, pediu-me para ir à Difusora, para fazer um apelo para evitar o saque, e informar que a Prefeitura iria providenciar a distribuição de gêneros alimentícios. Feito o comunicado, o saque não ocorreu e o Prefeito distribuiu vários sacos de feijão, milho e farinha entre a população carente. 

A partir daí fique fazendo a locução da “Duas Américas” por bastante tempo, até o encerramento de suas atividades.

A Duas Américas era mesmo uma espécie de rádio. Lembro bem que certa feita surgiu um senhor alto, corpulento, cantando uma toada e vendendo a letra da mesma, impressa em um papel verde. 

Anos depois a tal toada se tornaria conhecida nacionalmente, na voz de Luiz Gonzaga. Era a música A Triste Partida. Não posso afirmar com certeza, porém aquele tal senhor corpulento que cantou a toada na “Duas Américas” poderia eventualmente ser o famoso Patativa do Assaré.

Certa feita, foi anunciado um grande show musical, com uma grande caravana de cantores de forró. Entre eles, Genival Lacerda, Jacinto Silva, João do Pife, Azulão, e muitos outros que a memória teima em não lembrar. 

No dia do mencionado show, fiz uma entrevista com Genival Lacerda, que trabalhava a música Severina Xique-Xique, nos estúdios da “Duas Américas”.

Outro evento artístico que foi divulgado pela “Duas Américas”, foi a apresentação de um instrumento musical ainda hoje raro no Brasil. O apresentador do instrumento deveria ser um francês, pelo seu sotaque, e informou que o nome daquele instrumento era Theremim. 

Tal instrumento funcionava utilizando o princípio do radar. Ao aproximar a mão, o aparelho emitia um ruído forte, que aumentava a medida que a mão se aproximava do aparelho e diminuía a media que se afastava a mão. 

Desse modo, ele executava trechos de músicas. Recordo que uma das músicas foi apresentada como tema musical de um filme, se não me engano “Quando Setembro Vier”. 

Na ocasião foi chamada uma senhorita já chegada nos anos, para testar o Theremim. Inexperiente com o aparelho, ela aproximou demasiadamente a mão causando um barulho ensurdecedor. O apresentador fez sua gracinha dizendo:

- A senhora tá muito cheia de energia!!!

As atividades da “Duas Américas” eram muitas e variadas. Além da programação normal, com notas de utilidade pública, convites para missas e sepultamentos, despedidas daqueles que iriam viajar (quem ficava oferecia músicas ao viajante), pedidos musicais, ofertas de namorados e muitas outras, ela também servia para divulgar as campanhas políticas, animar as vaquejadas e pegas de boi, os leilões nas novenas, enfim, era praticamente como são as emissoras de rádio de hoje.

Lembro de uma curiosidade no funcionamento da “Duas Américas”: como os pedidos e ofertas musicais eram muitos, havia dois tipos de pedidos, os normais, a um preço fixo, e os apelidados de “Relâmpago”, que passava a fila de todos os outros e era atendido após o final da música que estivesse sendo apresentada.

Conta-se que quando foi lançada a musica Juazeiro, de Luiz Gonzaga, eram muitos os pedidos musicais de gente que queria apenas ouvir a mesma. Certa feita um jovem da zona rural pediu a mesma música cerca de 20 vezes. Na última, o locutor perguntou se ele ainda iria pedir a mesma música e ele respondeu:

- Não, eu só queria ouvir prá aprender a cantar ela. 

Dito isso, saiu do estúdio, cantarolando:

- Cajueiro, Cajueiro, me arresponda por favor....

Trocou o Juazeiro pelo Cajueiro.
 
 

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