25 maio, 2023

Foi assim a minha infância na fazenda “Cangalha”


A FEIRA


         Puxo a rédea de “Charuto” e o cavalo estanca no meio da ladeira. O caminho estreito se estira entre juremas e catingueira, galgando a serra do Mandacaru.

         Em baixo, está a planície, cortada pela fita cinzenta da rodovia, onde a todo instante os “Volks” chispam, velozes, e, madrugada afora, pesados caminhões, com cargas gigantescas, rolam surdamente, estremecendo o agreste adormecido.

         Vejo a casa da fazenda aconchegada à sombra das árvores. O sol faísca no azul e rebrilha na água do açude, em cujas margens distingo as crianças. Devem estar brincando à volta d’água, os pés metidos na correnteza do sangra-douro, pescando de anzol, fazendo cacimba e ilhas na areia grossa.

         Foi assim a minha infância na fazenda “Cangalha”, na antiga vila de Custódia.

         E, hoje, num milagre, me revejo nos filhos, soltos ao sol, na festa da manhã radiosa, derramada sobre a fazenda, onde, fiel às raízes, reencontro os caminhos que ficaram perdidos na geografia da infância.

         Ajeito o loro da sela. Levanto um pouco mais os estribos. E, a um pinicado de espora, sacudo as rédeas e recomeço a viagem.

          Logo depois da várzea que está à frente, onde o capim ondula, feito um mar verde e o gado pasta, mansamente, aparece a ruazinha do povoado. Na singela torre da igrejinha estão abrigadas centenas de inquietas e barulhentas andorinhas, vindas com as primeiras chuvas, ninguém sabe donde. A matutada vai chegando para a feira com as cargas de cereais e frutas.

         Vou comprar carne de sol, correias para uns chocalhos, pólvora e chumbo para espingarda. Atravesso o borborinho, me sento no banco da Farmácia (era assim, na farmácia do meu pai, em Custódia), para saber das pobres notícias daquele mundo humilde, parado no tempo, distante do progresso, onde a vida escorre, simples e lírica, como um riacho.

         À tarde, quando o sol esfriar, arreio o cavalo para a viagem de volta. E, novamente, do alto da serra, olho a paisagem aberta como num anfiteatro imenso e que se desenrola na direção do horizonte, fechado em círculo pelas montanhas, que azulam, ao longe, para os lados da Paraíba.

         A volta é mais rápida pois a descida apressa os passos. Estaco à sombra do umbuzeiro, bem na frente da casa. Então a meninada me cerca. E, entre beijos e abraços, ouço a amorável pergunta de sempre, que me enternece e comove:

         - Que foi que trouxe prá mim, paizinho? 

Crônica de Luiz Cristóvão dos Santos
Extraído do livro Caminhos do Sertão. 1970

 

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