16 novembro, 2022

Jovenildo Pinheiro, um custodiense que foi perseguido pela Ditadura Militar

 


Jovenildo Pinheiro
Recife/PE
Novembro/2022

Nasci no dia 11 de novembro de 1945, num domingo, a uma hora da manhã, no vilarejo do Ingá, distrito de Custódia, pequena cidade do sertão Pernambucano, distante 333km do Recife, capital do Estado.

Quando do meu nascimento, o Brasil e o mundo estavam em turbulência, anunciando tempos grávidos de futuro. O Brasil estava saindo da tenebrosa ditadura do Estado novo, simbolizada na figura controvertida de Getúlio Vargas. O mundo, por sua vez tinha saído da 2ª Guerra Mundial, derrotando o nazismo e o fascismo, ao mesmo tempo que abria as portas da incerteza e as oposições da Guerra Fria, que dividiu o mundo, ideologicamente.


Devido a alguns imprevistos de ordem familiar, fui levado, com menos de um mês de nascido, para ser criado e educado na cidade de Caruaru. Nesta cidade, do agreste pernambucano, residi durante 27 anos.

Esse período considero, como sendo os anos de minha formação cultural, moral e ética. Tive a sorte de ser educado por meus pais adotivos para ser um homem livre e avesso a qualquer tipo de autoritarismo. Para usar as palavras do escritor uruguaio Mario Benedetti, posso dizer que o resultado final desse processo iluminista de educação foi: “La vida, pasión y muerte de mis conciliaciones y el nacimiento de mi inconcilación”.


Em 1964 os militares depõem do presidente e instauram uma ditadura, que iria durar mais de duas décadas. Com minha formação liberal e aos dezoito anos de idade, foi mais que natural o meu mais absoluto desprezo e indignação pelo que estava ocorrendo.

Entre 1964 e 1967, minha indignação foi expressa através de palestrar e clubes de debates sobre política, cinema, teatro etc. Quando as opções foram diminuindo à intensa repressão e censura, optei por um caminho mais radical.


Nesta busca por um caminho mais coerente com que eu pensava, tive a sorte e o privilégio de conhecer os melhores homens de minha época. Um desses homens notáveis, pela integridade e caráter, foi Odias Carvalho, o qual, convidou-me pessoalmente para ingressar nas fileiras do recém formado Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), e, tendo consciência dos riscos que eu iria assumir como combatente contra um regime brutal.

Depois do assassinato de Odias Carvalho, no início da década de 70, a minha situação tornou-se cada vez mais arriscada e insustentável. Assim sendo, fui detido no dia 5 de abril de 1972, às 14h, no centro de Recife, por equipes de torturadores do exército. Ao final do ano, depois de ser julgado, por um tribunal militar, fui absolvido.


Devido às pressões dos órgãos de segurança, não tive outra alternativa senão buscar a única saída de me resto, o exílio.

Cheguei em Buenos Aires, capital da Argentina, no dia 23 de junho de 1973, em pleno inverno. Depois de alguns dias, retorne a viagem, rumo a Santiago do Chile, que era, a meca dos revolucionários sobreviventes de toda América Latina e, principalmente de brasileiros.

Tive apenas o mês de agosto, para alojar-me e reatar contatos políticos quando, como um raio em céu sereno – do meu ponto de vista – surgiu o inesperado diante dos meus olhos atônitos sob a forma de um sanguinário golpe militar, personificado na figura do General Augusto Pinochet. Era o dia 11 de setembro de 1973.

A princípios do mês de outubro encontrei proteção na Cruz Vermelha Chilena, e no Alto Comissionado Para Refugiados, órgão das Nações Unidades. Protegidos por estas organizações estavam milhares de refugiados latinos americanos. Já fazendo parte deste grupo de refugiados, juntamente com eles, fomos levados para um campo de refúgio, nos arredores de Santiago, conhecido como Padre Hurtazado.


Em janeiro de 1974, um grupo de mais ou menos, duas centenas de refugiados – eu, incluído – embarcou num voo para Lima, na capital do Peru, onde, depois de alguns dias seguimos para Cuba, país então conhecido como o “primeiro território livre das Américas”, dirigindo por um partido político único e um líder absoluto.

Em Cuba cheguei no dia 19 de janeiro de 1974 – tinha, então, 24 anos de idade – e sai no dia 21 de agosto de 1978, rumo a Lisboa, Portugal, depois de uma estadia de 4 anos, 7 meses e 6 dias. Dessa estadia, na pérola do Caribe, relembro com gratidão, a generosidade do povo cubano, que me adotou como um filho.

Em Portugal, passei o restante do meu exílio, até o final de 1979, quando foi promulgada a anistia e pude, então, recuperar minha cidadania e regressar ao Brasil.


Hoje, aos 72 anos de idade (atualmente com 77 anos), no crepúsculo de minha vida, fazendo um balanço dos maus atos praticados ao longo destas sete décadas, tenho o privilégio de não guardar mágoa nem rancores de nenhuma espécie. Contemplando, de longe, a terra prometida, na qual não terei o direito de penetrar, espero, dignamente, a passagem, comum a todos os seres mortais.

Cansativo, mas não vencido, medito sobre as belíssimas palavras de Lessing “Se Deus, tivesse encerrado em sua mão direita toda a verdade e, na esquerda, somente o impulso sempre vivo para a verdade, ainda que fosse com a certeza de equivocar-se eternamente e me dissesse: ESCOLHE! eu tornaria humildemente a esquerda dizendo-lhe: “Dá-me esta, Pai! A verdade é pura e para Ti”.

Em suma: Nada Lamento

Jovenildo Pinheiro de Souza
Recife, 23 de Maio de 2017



Um comentário:

  1. Ao Camarada conterrâneo nossa gratidão eterna por ter perseverando ao lado da democracia.
    O Sertanejo é antes de tudo um forte.
    A sua biografia confirma Os Sertões descritos por Euclides da Cunha.

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