29 outubro, 2025

Custodiense Paulo Mapu comenta seu novo livro "O Doce Amargo do Açucar"



Introdução por
PAULO MAPU



A ideia desse romance não foi premeditada, nem mesmo numa possibilidade futura, a única explicação que dei para mim mesmo para escrevê-lo, foi ter ido morar na cidade do Recife, que sempre me fascinou, quando com doze anos, nossa família saindo de Sertânia foi morar na capital pernambucana. A vontade de escrever foi surgindo espontaneamente, me incomodando como uma febre incontida incendiando o meu corpo.

Talvez esse tenha sido o gatilho que me fez pensar no Recife e suas histórias. Assim foi nascendo o Doce Amargo do Açúcar. As lembranças dos engenhos onde se fabricavam a rapadura sempre me encantou na infância, onde passava as férias junto com os primos no engenho de Zé Baé no sítio do Umbuzeiro em Custódia. Fazer o alfenim melando a cana raspada no caldo quente no tacho em ebulição foi uma das melhores recordações das férias.

Zé Baé tornou um dos personagens relevante onde o Reino de Daomé, Pernambuco e Portugal formaram um triângulo de amor e ódio, de dor e alegria de lucro e miséria e de opressão e resistência.

Os período históricos em torno do Recife, foram se descortinando como camadas de cebolas, onde cada uma trazia à tona novas camadas que se uniam, até chegar no ciclo da produção do açúcar e consequentemente na época da escravização. 

La dolce vita gozada pelos brancos europeus em seus cafés parisienses e nas diversas cidades europeias só foi possível com o amargor das correntes, das chicotadas nos lombos dos negros nos pelourinhos e das marcas dos escravagistas nos corpos de milhões de escravizados vindo da África.  Cada colherada de açúcar numa xicara de um branco europeu, tinha no seu correspondente as gotas de sangue de um negro. 

Essa história foi mal contada e depois invisibilizada para que a República fosse poupada das atrocidades do império. Assim Rui Barbosa deu a ordem para queimar todos os documentos referente a escravidão, anistiando todos escravagistas e deletando os escravizados da história do nosso país. O prédio da Alfandega do Rio de Janeiro esconde essa história em meio a fumaça. 

Os fatos históricos emolduram o romance onde Kalimba e Teresa furam a bolha. Ela uma indígena e sinhazinha dona do engenho Olho D’água e ele um escravo do Reino de Daomé que se apaixonam e vivem um romance inusitado, onde a ficção e a realidade se abraçam concatenados. 

Ora surge o malunguinho do quilombo do Catucá da Cova da Onça no Recife recebendo foragidos do quilombo do Urubu em Salvador. Personagens históricos voltam reescrevendo a história nas figuras de Frei Caneca, Cruz Cabugá, Baquaquá e a Rainha Nã Agotimé do Reino de Daomé, atual Benin. O curioso baiano Francisco Félix de Sousa, maior traficante de escravizados da época despede Kalimba através da Porta do Nunca Mais. O Seminário de Olinda e a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos cumprem seus papéis no movimento abolicionista da época incendiando os corações e as mentes dos jovens revolucionários. 

Personagens ficcionais, mas que fazem parte da vida real do autor ganham vida e destaque com detalhes sutis que são narrados na trama. Em alguns momentos mudei a história pela simples razão de dar vazão as próprias emoções, como um gesto terapêutico de me curar de alguma dor da alma, seja de raiva, ciúmes ou desapego. 

Cada uma se identificará com aquilo que tocou sua alma. Nada foi por acaso, até os mínimos detalhes como as cores da blusa da Teresa na queda, o paninho da menstruacão da Lucinda, a agulha e a linha no Lago em Ganvié, as marcas do prazer nas costas de Kalimba ou o oco do Jacarandá onde guardavam os segredos de Kalimba e Teresa tiveram seus correspondentes do mundo real. Alguns destes detalhes serão revelados nos próximos romances se um dia tiver o privilégio de escrever.  

As nomenclaturas escravos e escravizados caracterizam duas visões de mundo diferentes, uma aponta para a lente do opressor do mundo ocidental em acreditar que o ser escravo era uma condição natural. Quanto ao termo escravizado denota a condição forçada em que os descendentes de reis e rainhas, povos com suas histórias ricas e milenares foram colocados em condições de escravidão contra a sua vontade. A resistência e a resiliência do povo negro usam na contemporaneidade o termo escravizados.

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