Apresentação
Eclipse, de Paulo Mapu, é uma leitura indispensável, um convite que não se pode rejeitar. Coleção de poemas e de crônicas, o livro é uma oferta do autor, uma abertura de si mesmo em tentativa de capturar aquilo que de melhor ainda habita em nós.
A trajetória de vida de Paulo Mapu tem consonância com a proposta do livro. Em sua juventude foi hippie, em momento no qual jovens ousaram sonhar com um mundo livre do consumismo capitalista e que fosse movido por paz e por amor, logo após os escombros da Segunda Guerra. Andarilho da esperança, Paulo Mapu viajou pelo Brasil e pelo interior de si mesmo à busca de sentido para a vida.
Encontrou-o. Na expansão de si, solicitada por um sentimento de solidariedade cada vez mais raro e que nos faz descobrir a dimensão que nos torna mais humanos: a solidariedade.
Viveu-a. Primeiramente entre povos originários, guardiões da Mãe Terra, mestres da vida plena e saúdaável, inspirada na simplicidade e mistério de vínculos coletivos e na direta conexão com as forças da natureza. Por sua vez, essa conjunção aponta para forças divinas.
Descobriu-as. Foi nova motivação. Tornou-se pastor, missionário da velha e cada vez mais esquecida e deturpada mensagem evangélica: paz e amor, aos seres humanos de boa vontade. Contudo, nem sempre é fácil defender essa bandeira em instituições eclesiásticas, por incrível que nos pareça tal contradição.
Há ventos contrários.
Há ventos contrários.
Enfrentou-os. Procurou mostrar e viver o evangelho em sua simplicidade e essência, percorrendo por dentro organizações eclesiásticas. Apoios pessoais e eventuais houve, mas insuficientes para sustentar projetos e ideais que se expandiam para além dos quintais das comunidades religiosas. Era preciso abrir portas e janelas para a sociedade e para o mundo.
Abriu-as. Sua comunidade religiosa passou a ser as ruas, os grupos marginalizados, os sem teto. Foi assim que atuou com catadores de lixo, com a luta de moradia para eles e com os hóspedes da Cracolândia.
Paulo Mapu é isto: a alegria de viver para o próximo, na exata dimensão do que Evangelho significa.
Conheci-o quando, há pouco mais de quinze anos, já tendo exercido o pastorado na Igreja Presbiteriana Unida, ele foi recebido na Igreja Presbiteriana Independente do Brasil e, por exigência desta última, deveria cumprir o curso teológico da Instituição. Eu era, então, professor da Faculdade de Teologia e Paulo Mapu foi meu aluno. Logo pude notar sua vocação e compreender sua trajetória de vida e a falta de adaptação que suas propostas de vida e sua atividade pastoral provocavam, no âmbito institucional. Continuou firme em seus propósitos e, embora atuando além da dimensão eclesiástica, manteve seus princípios e sua entrega solidária aos esquecidos.
Hoje ele encontra motivação também na Terapia Comunitária Integrativa, técnica terapêutica que busca soluções nas potencialidades curativas de grupo, qualquer que ele seja, no esforço coletivo necessário para curar as nossas feridas.
Além de tudo, Paulo Mapu é escritor, de grande inspiração, como demonstra Eclipse. O título, segundo indicação do autor na introdução ao livro, faz referência à escuridão que vivemos, às vezes, de diversas maneiras, em nosso árduo drama de viver. O livro é esforço de superar essa escuridão existencial, no anseio de que o sol, com seus raios, possa aquecer corações e mentes: o dia da justiça e da igualdade haverá de raiar.
O livro se compõe de crônicas e de poemas; em maior número, os poemas são representativos de experiências vividas em diversas fases da vida do autor; também há reflexões e muita intuição poética, necessária à ressignificação da banalidade de certos lances da vida e da violência que passeia pelas ruas da nossa cidade e pelas nossas mentes e corações.
Em alguns poemas há epígrafes de Naara Saboia, formuladas também com sensibilidade poética, como esta: “Não há nada como o sonho pra criar o futuro que você desejar” (p. 77). Além disso, algumas fotos ilustram acontecimentos e pessoas mencionadas, para realce e maior vivacidade das experiências partilhadas.
O poema “Desapego” indica com propriedade a renúncia à ânsia proprietária inculcada pelo capitalismo, que deforma a solidariedade para superpor a ela a acumulação:
Nada é seu
Nem você se pertence
Viva na eminencia da perda
De si e do outro.
Finalizando, vai aqui reproduzida a parte final de “Contradição”:
Meu poema
Me muda
Me veste
De trajes
De justiça
Me transforma
Me leva a luta.
Esse poema pinta, em sintonia com todo Eclipse, por meio de recursos literários adequados, a vida de não conformidade com a ordem desumana de nosso mundo e aquilata o anseio de que nós, seres humanos, encontremos na solidariedade a motivação maior para a vida. Essa é, por certo, a grande inspiração de Paulo Mapu e o legado de sua trajetória de vida.
Paulo Sérgio de Proença
Professor da Universidade da Integração Internacional da
Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), Campus dos Malês-BA

Biografia
Paulo Mapu nasceu em Betânia, com menos de um mês a família Belo se muda para Custódia. Aos quatro anos foi morar em Sertânia e aos 18 mudou-se para o Recife e quando completou 18 anos foi morar no mundo como hippie junto com Ramon Japiassu e Digerson de Sertânia. Foi ordenado reverendo por convite do Rev. Jaime Wright um dos autores do Brasil: Nunca Mais pela Igreja Presbiteriana Unida. Sempre em apoio aos movimentos sociais, com destaque para o MTST, e os povos originários, em especial os Guarani Kaiowá e os Mapuche no Chile. Trabalha há 12 anos na Cracolândia como especialista em Dependentes Química e atualmente se dedica a trabalhar como Terapeuta Comunitário Integrativo com mães e pais de crianças com autismo. Terminou recentemente o romance o Doce Amargo do Açúcar que conta uma história do ciclo da produção de açúcar em Pernambuco, com foco em um engenho no Recife, a trama mistura fatos históricos e fictícios e os protagonistas são a dona do engenho que se apaixona por um dos seus escravos. Em janeiro será lançado em Sertânia numa balada cultural, com à convite de Marcos Nigro e Ésio Rafael que deram a ideia. Aguardem!
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