18 outubro, 2021

Um sonho chamado Brasília - Autora Jussara Burgos

foto: Diário Web

Hoje eu sei, desde menina meu coração dizia... meu destino seria morar em Brasília!

A construção da nova capital foi um momento histórico e de mobilização nacional, nessa época eu era muito pequena. Nasci em 1953, mas lembro-me das pessoas falando à respeito desse acontecimento e presenciei o êxodo que houve no sertão. Muitos caminhões com quatro estacas nas extremidades da carroceria e com uma lona estendida formando a cobertura, era o meio de transporte, conhecido como pau-de-arara; eles saiam de minha cidade no interior de Pernambuco abarrotados de pessoas que queriam tentar a sorte. Na época, meu pai auxiliou muita gente que não tinha condições de comprar passagem.

Eu ficava olhando os chamados "retirantes", deixando a nossa terra para se aventurar no longínquo Planalto Central, considerando aquilo tudo um ato de coragem! Minha avó tinha um rádio à pilha que parecia um caixote de madeira, nesse tempo ainda não havia energia elétrica no meu sertão. Eu ficava ouvindo nesse rádio as notícias sobre a construção da nova capital e também gostava de ouvir minha música predileta “Rojão de Brasília” do paraibano Jackson do Pandeiro que dizia:


“O Brasil está construindo
Mais uma grande cidade
Que antigamente foi sonho
Mas hoje é realidade

Está ficando povoado
Todo o meu Brasil central
Riqueza, progresso e glória
Trouxe a nova Capital...”.

No auge dos meus dezoito anos, uma pessoa me aconselhou a mudar para Brasília. Na época, essa idéia pareceu uma realidade distante... sair do sertão de Pernambuco e ir morar longe dos meus familiares, estava fora de cogitação. Mas logo na sequência, a turma de concluintes do Ginásio Municipal Padre Leão organizou uma excursão para Brasília, e como haviam lugares disponíveis no ônibus, resolvi então, conhecer a nossa capital.

Meu caso com Brasília foi amor à primeira vista, sempre gostei de grandes espaços, e isso a cidade tem muito a oferecer. Foi e é encantador ver as faces dessa bela e jovem cidade refletida nos seus espelhos d’água, dentre eles o Lago Paranoá; adorei o conjunto arquitetônico do gênio Oscar Niemeyer, ele projetou uma cidade onde tem suntuosos palácios e belos jardins!


Numa tarde ensolarada, caminhando na Esplanada dos Ministérios, percebi a possibilidade de ampliar minha visão e ver até onde ela alcança. É como estar no centro de uma circunferência e ter 360 graus de linha do horizonte. Tela da natureza que se renova a cada dia propiciando lindas alvoradas e estonteantes crepúsculos. E o cerrado? À primeira vista, me pareceu feio, arbustos retorcidos. Mas, lembrei da caatinga que todavia parece morta, porém uma chuvinha rebrota sempre cheia de esperança! Então, pensei... o cerrado deve ter também seus encantos, e vi depois que estava certa. Suas flores são de uma beleza e delicadeza ímpar. E o Sol, ah... foi o momento mais impressionante, ver o Sol derramando sua Luz sobre o Planalto, abençoada claridade que ainda não vi noutro lugar. E diante de todos esses encantamentos decidi viver em Brasília.

Na Volta para Pernambuco juntamente com a excursão, decidi onversar com meus pais e com o consentimento deles, um mês depois cheguei ao Planalto de "mala e cuia". Fiquei hospedada na casa de um casal de amigos, meus conterrâneos. Antônio de Assis que havia trabalhado na Viação Aérea São Paulo - VASP, me apresentou ao chefe da reserva de passagens daquela empresa, havia uma vaga disponível, fiz testes de conhecimentos gerais, matemática e português, fui aprovada. Fiz curso de Air Imp (linguagem usada na aviação) também passei. A próxima etapa era fazer um curso em São Paulo onde aprendi a trabalhar com computador programado para atender as necessidades da empresa.

Cheguei em São Paulo com "a cara e a coragem" como se diz, e um denunciador sotaque nordestino. E preciso dizer que fui alvo de gozação? Naquele tempo não se conhecia o termo "bullying", mas passei vários dias ouvindo meus quatro colegas paulistanos me imitando e chamando de cabeça chata, paraíba, pau de arara, etc. Suportei calada, pois aprendi lá no meu sertão que em "terreiro estranho a gente não canta de galo". O jeito era não perder a esportiva e nem revidar as gozações.

Conheci as dependências da empresa, a central de informática, simuladores de vôo e tive aulas de segunda à sexta. Na tarde de sexta-feira fiz o teste de avaliação e na manhã de sábado eu teria que voltar para saber o resultado. Chegando à sala de aula, sentei-me no ultimo assento e fiquei esperando. Logo o professor Viana entregou a prova corrigida. Fiquei feliz, meu emprego estava garantido. Enquanto isso, os paulistas se entreolharam e comentavam aflitos que não tinham sido aprovados. Foi então, que lembraram de mim e perguntaram:

- E você?

Pensei... é agora que eles me pagam por toda gozação que me fizeram, decidi e falei calmamente:

- Vocês nunca pensaram que a quantidade de massa cinzenta é proporcional ao tamanho do crânio? Para alguma coisa essa cabeça chata serve. Passei com oitenta e oito por cento de aproveitamento, tchau e até nunca mais. Fui à forra! No dia seguinte, voltei para capital de todos os brasileiros, onde se encontra um bom reduto de nordestinos e nunca sofri discriminação. Sou bem grata à essa terra que me acolheu e que viu meus filhos nascerem!




Jussara Burgos

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